Cada um de nós carrega em si a história evolutiva da espécie humana. Esquecemos, mas nosso corpo é natureza, com seus ritmos biológicos e a necessidade de se movimentar, tomar sol, ver o horizonte. Essas atividades, que já foram triviais na nossa existência como espécie, hoje demandam intenção, espaço, tempo – e até dinheiro! – para serem realizadas. E nós investimos nelas sempre que podemos.
Se naturalizamos a necessidade de cuidar do corpo, o cuidado com a mente vem também ganhando espaço. Saúde mental, social e bem-estar foram grandes temas este ano. Mas aqui eu quero falar sobre uma outra dimensão: a urgência de cuidarmos do nosso pensamento, da nossa inteligência. Acompanhando organizações e profissionais, não tenho dúvidas de que essa precisa ser uma das nossas prioridades para 2026.
Segundo dados da Pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), divulgados em dezembro de 2025 e publicados na Agência Brasil, 50 milhões de pessoas já usam a inteligência artificial generativa no Brasil, o que equivale a 32% das pessoas com acesso à internet no país.
Essa tecnologia, que é diferente de tudo o que veio antes, está entrando profundamente na nossa vida, carregando consigo um monte de pontas soltas e consequências imprevisíveis. Não iremos ficar automaticamente mais burros ao usar o Chat GPT, mas corremos riscos relacionados se fizermos esse uso sem critérios.
Esse “ficar mais burro” tem um nome mais bonito: atrofia cognitiva. “Um entorpecimento silencioso, em que a expansão tecnológica convive com o esvaziamento da atenção e do pensamento crítico”, como define a pesquisa Soberania Cognitiva, da White Rabbit.
E, antes que venha a pergunta, eu já respondo: não, a IA não é igual à calculadora. Enquanto a calculadora terceiriza a execução mecânica de uma lógica que o humano precisa definir, a IA generativa terceiriza a própria construção do raciocínio e da síntese, eliminando o atrito cognitivo indispensável para que o cérebro aprenda e desenvolva autonomia crítica.
E, justamente por isso, essa é uma batalha dificílima de vencer. De um lado, nosso cérebro busca economizar energia. De outro, os gigantes da tecnologia desenham ferramentas para eliminar totalmente o atrito.
Três dicas
Parece um beco sem saída, mas se você me leu até aqui já tem o que é necessário para empreender esse caminho. Eu escolhi as três dicas que considero as mais poderosas para cuidar da sua inteligência em 2026:
Crie critérios pessoais para o uso da IA: pense no seu processo de trabalho e encontre onde está o coração do valor que você gera. Preserve esse lugar como o tesouro que ele é. Por exemplo, eu nunca delego a página em branco para IA nos meus textos autorais. No máximo, peço feedbacks direcionados ou versões de uma ideia (minha). Eu poderia até terminar mais rápido um texto, mas com o tempo perderia a capacidade de transformar a minha leitura de mundo em palavras escritas. Onde está essa preciosidade para você?
Seja transparente no uso da IA: quando nos expomos ao olhar do outro, nossa régua de exigência sobe. Ao declarar o uso da IA, você assume a responsabilidade de garantir que o resultado seja confiável, o que te obriga a ler criticamente, validar e editar o conteúdo. Esse exercício de curadoria rigorosa gera justamente o atrito produtivo que mantem a inteligência afiada. Além de criar uma cultura de confiança, a transparência impede que você se torne um mero repassador passivo de conteúdo automatizado (menos inteligente).
Use a IA para ampliar o valor do seu trabalho, e não apenas para te substituir: o que a máquina pode te ajudar a fazer que você não fazia antes? Cuidado para não criar atividades sem sentido, foque na geração de valor. Pense no seu cliente, analise suas entregas, crie novas possibilidades.
Competências humanas no uso da tecnologia
Todas essas dicas possuem algo em comum: nos exigem as habilidades cognitivas superiores. Pensamento analítico, sistêmico, crítico e criativo. Nos exigem também as habilidades relacionais, como comunicação assertiva e escuta ativa. E, claro, a competência ética de decidir pelo benefício coletivo e de longo prazo, deixando de lado o imediatismo.
Meu desejo para 2026 é que você encontre brechas para praticar de forma consciente essas competências humanas no uso da IA. Que você não sucumba a uma dieta mental lotada de ultraprocessados, fáceis de consumir, que parecem matar a fome, mas não te nutrem e ainda acabam com o seu paladar.
Preservar esse paladar é um ato de resistência. O antropólogo Michel Alcoforado alerta que “pensar é luxo” e que a nova desigualdade é cognitiva: o diferencial não é mais ter, é entender. Minha meta para 2026 é continuar nadando contra essa corrente, criando caminhos para que entendamos, juntos, que o impossível já está dentro da gente. Você passou a vida toda cultivando a sua inteligência. Não abra mão dela por causa dessa outra: ela é artificial.
Texto escrito por humana, com ajuda da IA no trecho sobre a calculadora e pedido de feedbacks para a versão completa. Prompt: “Segue minha nova coluna para Você S/A. Estude o veículo. Atue como um editor altamente qualificado e me dê apenas feedbacks essenciais.”
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