Opinião | Curto-circuito de subsídios

Descontos ofertados pelo governo, e pagos pelos consumidores, têm estrangulado as contas públicas e ampliado as desigualdades

A CDE (Conta de Desenvolvimento de Energético) é o principal instrumento de política pública do setor elétrico brasileiro, representando aos consumidores residenciais mais de 13,5% da conta de energia.

Para entender melhor as razões de tamanha representatividade, é necessário destrinchar as respectivas rubricas. Em 2023, a CDE custou mais de R$ 40 bilhões aos brasileiros, considerando os seguintes valores acumulados, de acordo com levantamento da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Os montantes acima são capazes de assustar qualquer um. Portanto, é necessário explorar a função de cada subsídio contido na CDE, conforme disposto na lei 10.438 de 2002.

  • Conta de Consumo de Combustíveis – tem por objetivo reembolsar parcela do custo da geração de energia elétrica em sistemas isolados –aqueles que não estão conectados ao SIN (Sistema Interligado Nacional)– acima do custo médio da energia no Ambiente de Contratação Regulada do SIN (ACR médio);
  • Fonte incentivada – prover recursos para compensar descontos aplicados nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição, ou seja, no transporte de energia elétrica;
  • Geração distribuída – prover recursos para compensar perdas de receitas tarifárias de distribuidoras com unidades consumidoras participantes do SCEE (Sistema de Compensação de Energia Elétrica);
  • Tarifa Social – a modicidade da TSEE (Tarifa Social de Energia Elétrica) aplicada aos consumidores de baixa renda;
  • Universalização do acesso – promover a universalização do serviço de energia elétrica em todo o território nacional;
  • Carvão e óleo combustível – promover a competitividade da energia produzida a partir da fonte carvão mineral nacional nas áreas atendidas pelos sistemas interligados, destinando-se à cobertura do custo de combustível de empreendimentos termelétricos;
  • Irrigação e agricultura – compensar benefícios tarifários concedidos aos usuários de irrigação e aquicultura em horário especial;
  • Distribuidora de pequeno porte – prover recursos para atendimento da subvenção econômica, destinada à modicidade tarifária relativa a consumidores atendidos por concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica com mercado próprio anual inferior a 500 GWh (quinhentos gigawatts-hora);
  • Rural – compensar o impacto tarifário da reduzida densidade de carga do mercado de cooperativas de eletrificação rural, concessionárias ou permissionárias; e
  • Água, esgoto e saneamento – compensar benefícios tarifários concedidos ao serviço público de água, esgoto e saneamento.

É imprescindível numerar a quantidade de subsídios alocados aos consumidores de energia elétrica do país para que tenhamos noção do tamanho do impacto sobre os consumidores. Se nada for feito de modo estrutural, teremos um curto-circuito nas contas de energia no Brasil.

Em 2018, a CDE demandou R$ 18,8 bilhões, e representava cerca de 5,5% da conta de energia dos brasileiros. Ou seja, em 5 anos os subsídios mais que dobraram. Em 2024, o orçamento estimado segue a mesma ordem de grandeza do ano anterior, enquanto na contramão da crescente despesa, os financiadores da conta diminuíram, especialmente em função da migração para o mercado livre de energia.

Três rubricas representam mais de 73% do total depreendido pela CDE: CCC, fontes incentivadas e geração distribuída. Sem desprezar as demais fontes de despesa, é necessário avaliar a razão pela qual são tão representativas.

A CCC é um importante instrumento para amparar as localidades que não estão interligadas eletricamente às demais regiões do país, compreendida por Estados da região Norte e a ilha de Fernando de Noronha. A maior parte da energia produzida advém da geração termelétrica e o consumo representa só 3% do total demandado no Brasil, mas representa um peso de mais de 6% na conta dos brasileiros. 

Nos últimos anos, a parcela da CCC teve aumento expressivo, passando de R$ 5,3 bilhões em 2018 para R$ 11,3 bilhões em 2023. Cabe ao governo federal ampliar as maneiras de atendimento às localidades remotas com maior eficiência, um dos caminhos pode ser fomentando a substituição de óleo combustível por gás, tendo em vista que temos mais de 100 bilhões de metros cúbicos de gás em reservas provadas na Amazônia, o que além de contribuir para um plano de desenvolvimento da região pode reduzir estruturalmente as despesas da rubrica.

Já as fontes incentivadas têm desconto no transporte da energia produzida por fontes de energia renovável. O subsídio foi criado para proporcionar a expansão, especialmente das fontes eólica e solar, na matriz elétrica. O setor renovável expandiu, consolidou-se e, em 2021, por meio da Lei 14.120, foi determinado o fim dos descontos. Os empreendedores tiveram mais 1 ano para pedir à Aneel a outorga dos projetos e, a partir da emissão do documento, teriam 4 anos para que colocassem as usinas em operação. 

Houve então a chamada “corrida do ouro”, com uma avalanche de pedidos, somando mais de 200 GW em potência instalada. Algo sem precedentes e sem qualquer possibilidade de concretização, uma vez que o número representa em grande medida o mesmo tamanho da capacidade instalada total do país, somadas todas as fontes de energia elétrica.

Depois do fim do período para solicitação de outorgas, os setores afetados foram para cima dos Estados e do Governo Federal, com pleito de extensão do prazo para construção dos empreendimentos, uma vez que, em visão desproporcional, não haveria mais possibilidade de conexão às redes de transmissão. 

Foi então que o MME (Ministério de Minas e Energia) movimentou ainda mais os leilões de transmissão e elaborou, em abril, a Medida Provisória 1.212 de 2024 que, dentre outras providências, amplia de 4 para 7 anos o prazo para que as usinas iniciem a operação com o subsídio do fio. O desconto estabelecido representa, até o momento, 25% das despesas da CDE e com expectativa de progresso diante das medidas tomadas recentemente. Hoje, 25 GW em projetos estão aptos ao desconto. Caso sejam implementados, o impacto poderá ampliar os subsídios em R$ 4,5 bilhões anuais.  

A geração distribuída é outra rubrica em destaque. Isso porque, em 2018, dispunha de R$ 121 milhões do orçamento na CDE e, atualmente, custa mais do que a frutífera tarifa social, com um acréscimo exponencial de 58 vezes em só 5 anos. 

Em 2024, já onerou em quase R$ 6,4 bilhões os bolsos dos consumidores. Para frear tal desequilíbrio é proeminente que a Aneel regulamente a valoração dos custos e benefícios da eração distribuída, de que trata o art. 17 da lei 14.300 de 2022, e possibilite o decremento deste custeio na CDE.

Ainda no quesito subsídios, um tema que merece especial atenção é a figura do autoprodutor. Novos modelos estão sendo desenvolvidos, dentre eles aquele que o mercado chama de “autoprodutor Nutella”, cujos números indicam um crescimento excepcional que deve impactar severamente a CDE. 

Outro fator que afeta as tarifas, intimamente ligado aos subsídios concedidos, é a massiva expansão do sistema de transmissão. Obviamente, é necessário ampliar e reforçar a malha atual, de maneira a sustentar a segurança energética do país. Fato é que nos últimos 2 anos foram realizados 5 leilões de transmissão, com investimentos volumosos, estimados em mais de R$ 65 bilhões, mas focados especialmente na ampliação do escoamento de fontes renováveis, não só dispostos à manutenção das redes existentes. 

Naturalmente, os investimentos realizados pelos empreendedores serão repassados aos consumidores, suscitando incremento superior a 30% na conta de luz. Em contrapartida, a expansão necessária visando a ampliar a segurança energética do SIN, por exemplo o caso da interligação Porto Velho-Acará, está sendo preterida para dar foco nas redes de escoamento das renováveis do Nordeste, tendo em vista o indicativo de grandes investimentos na região.

Como era de se esperar, o governo discute formas de prover recursos para a Conta de Desenvolvimento. Dentro do MME e por segmentos do setor, vislumbra-se a possibilidade de inclusão da CDE no Orçamento Geral da União. 

Cabe ressaltar, no entanto, que as contas públicas estão estranguladas, de modo que em julho, o ministro Fernando Haddad anunciou contenção de R$ 15 bilhões em 2024 para cumprir as regras do marco fiscal depois da frustração de receitas e da adição das despesas obrigatórias.

No entanto, uma fonte de recursos a ser considerada é o FSPS (Fundo Social do Pré-Sal), instituído pela lei 12.351 de 2010, cuja finalidade é constituir uma fonte de recursos permanente para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de educação, cultura, ciência e tecnologia, esporte, saúde pública, meio ambiente e combate à pobreza. 

Portanto, é possível realizar o uso em benefício dos consumidores de energia elétrica. Segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), de 2023 a 2032, o fundo deve arrecadar cerca de R$ 968 bilhões a partir da extração de petróleo do pré-sal.

Atualmente, há determinação de que metade dos recursos do FSPS sejam direcionados para a Educação e a Saúde. Historicamente, o fundo arrecadou cerca de R$ 146 bilhões. Recentemente, de 2021 a 2022, foram abocanhados mais de R$ 64 bilhões para amortização da dívida pública. 

Apesar da volumetria das cifras, é necessário entender que os recursos são finitos e precisam de otimização na alocação. Ou seja, fazer com que o Fundo Social supra a CDE pode ser viável, desde que haja um plano concreto para a redução do orçamento anual da Conta de Desenvolvimento Energético.

Precisamos agir imediatamente, antes que o curto-circuito nas contas dos consumidores aprofunde ainda mais as desigualdades sociais do povo brasileiro.



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