O governo e o Congresso entraram em acordo nesta terça-feira (20), no Supremo Tribunal Federal, para retomar o pagamento das emendas parlamentares. Junto com ministros da Corte, os presidentes da Câmara e do Senado concordaram em aumentar a transparência sobre o destino e a finalidade dessas verbas, que são liberadas pelo Executivo a partir da indicação dos deputados e senadores dentro do Orçamento da União.
O acordo envolve as emendas impositivas, de pagamento obrigatório pelo governo, que foram suspensas pelo STF na semana passada. Com o acordo, os pagamentos deverão ser retomados, após algumas mudanças nas regras de distribuição a serem formalizadas no prazo de 10 dias.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou que o acordo reflete um “consenso possível diante de visões diferentes” para resolver o impasse sobre as emendas parlamentares.
Nas últimas semanas, Dino suspendeu os repasses por falta de transparência, e foi seguido por unanimidade pelos demais ministros num julgamento virtual na última sexta (16). Ao final da reunião, ele disse a jornalistas que os pagamentos permanecem suspensos. Ele vai aguardar a formalização das novas regras para autorizar a retomada dos repasses.
Como ficam as emendas individuais, incluindo as “emendas pix”
Ficou acertado que as emendas individuais (em que cada parlamentar tem direito a um montante padrão) serão mantidas com a impositividade de seu pagamento pelo governo, mas poderão sofrer impedimentos de ordem técnica, a partir de uma regulação com critérios objetivos que será elaborada por Legislativo e Executivos nos próximos 10 dias.
As emendas individuais da modalidade “transferência especial”, também conhecidas como “emendas pix” (pela qual deputados e senadores enviavam dinheiro para municípios sem uma finalidade definida) deverão agora identificar de forma antecipada seu objeto, e a prioridade será para obras inacabadas. O Tribunal de Contas da União (TCU), braço fiscalizatório do próprio Legislativo, deverá receber a prestação de contas desses gastos. Elas também continuam impositivas, ou seja, de pagamento obrigatório pelo governo federal.
Como ficam as emendas de comissão e de bancada
As emendas de comissão (indicadas pelos colegiados temáticos do Senado e da Câmara, nas áreas de Educação, Saúde, Integração Nacional, Desenvolvimento Regional, entre outras) também mantêm a impositividade, mas se destinarão a “projetos de interesse nacional ou regional” definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo. Essas negociações ocorrerão também nos próximos 10 dias.
Algo semelhante ocorrerá com as emendas de bancada (assinadas por deputados e senadores de uma mesma unidade da federação). Elas serão pagas, mas vão para “projetos estruturantes” em cada estado e no Distrito Federal, de acordo com a definição dos parlamentares de cada um deles. O objetivo, assim como na emenda de comissão, é evitar a individualização.
Isso acontece hoje porque parlamentares mais poderosos acabam conseguindo reservar, junto aos ministérios correspondentes no Executivo, valores maiores que outros deputados ou senadores dentro da comissão da Câmara ou do Senado, sem que se saiba ao certo qual montante cada um conseguiu. Essa dinâmica incomoda o governo, que perde controle sobre a liberação dos recursos e, com isso, capacidade de negociar a obtenção de apoio no Legislativo.
A ideia é que, nas emendas de comissão e de bancada, haja maior concentração dos recursos para poucos projetos maiores. Elas continuariam assinadas pelo presidente do colegiado ou pelo coordenador da bancada, mas seriam fruto de maior consenso dentro desses grupos, e harmonia com obras ou programas prioritários, em acordo com o governo.
“Em relação às emendas de comissão, houve um entendimento de que elas devem ser mantidas, cumprindo o requisito de serem de interesse nacional e de interesse regional mais amplo. Vedada essa pormenorização, essa individualização, que acaba cumprindo uma função como se emenda individual fosse”, disse, após a reunião, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
As emendas de comissão foram turbinadas nos últimos anos, como forma de compensar o esvaziamento, determinado pelo STF, sobre as emendas de relator, na qual parlamentares conseguiam reservar, junto ao parlamentar que fechava o texto final do Orçamento, montantes variados, para projetos de seu interesse, conforme sua influência política.
Quanto às emendas de bancada, Pacheco disse que também deverão contemplar obras de maior envergadura. “Devem se pautar em critério de objeto estruturante, para evitar que sejam uma forma de travestir a emenda individual. Então, a bancada do estado se reúne, define o que é estruturante para aquele estado, e a emenda cumpre esse papel, tendo como objeto algo de interesse mais amplo e estadual”, disse.
“Preserva as emendas de bancada, e a natureza impositiva, mas garante que não sejam a soma de interesses individuais, mas algo realmente amplo e com objeto mais estruturante: a construção de um grande hospital, a execução de uma obra no rodovia, a construção de uma grande barragem, de uma grande ponte…”, acrescentou.
Todas essas novas regras, porém, ainda precisarão ser comunicadas ao ministro Flávio Dino, relator das ações que questionam o pagamento das emendas, de autoria da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e do PSOL.
Emendas crescerão de acordo com as despesas livres do governo
Outra parte do acordo firmado no STF, de interesse direto do governo, prevê que o montante global das emendas impositivas deverá, nos próximos anos, estar vinculada à despesa discricionária do governo. Assim, elas não deverão crescer de acordo com o aumento da receita corrente líquida da União (a arrecadação de impostos), mas seguindo os gastos que o Executivo pode fazer livremente no Orçamento (os que não estão engessados, como com a Previdência e pagamento de salários, por exemplo, que compõem a maior parte das despesas).
A reunião entre representantes dos três Poderes ocorreu no gabinete do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, seguido de um almoço. Além de Pacheco e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), participaram todos os ministros da Corte. Representaram o governo o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o advogado-geral da União, Jorge Messias. Também participou do encontro o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Após a reunião, Barroso afirmou que o acordo reflete um “consenso possível diante de visões diferentes” para resolver o impasse sobre as emendas parlamentares. O STF exige mais transparência para o destino das verbas; o governo tem interesse em controlar melhor a liberação dos recursos; e o Legislativo quer manter o poder de direcionar o dinheiro para redutos eleitorais dos deputados e senadores.
“Há um consenso pleno de que é preciso que haja rastreabilidade dessas emendas e transparência, é preciso saber quem indica e para onde vai o dinheiro, tudo sob controle do Tribunal de Contas da União”, disse o presidente do STF. Afirmou ainda que todos concordaram que o “Congresso deve ter um papel importante na alocação do orçamento” e que é necessário a aprovação de uma lei para disciplinar a “qualidade do gasto” do dinheiro público.
“Todos [estão] preocupados também com a governabilidade, de modo que conseguimos equacionar as questões que mais nos preocupavam, inclusive a dispersão da verba do orçamento”, frisou.
Impasse sobre emendas gerou crise entre Legislativo e Judiciário
No último dia 13, o ministro Flavio Dino suspendeu a execução de todas as emendas impositivas, com exceção dos recursos destinados a obras em andamento e em casos de calamidade pública.
Além disso, Dino já havia restringido a execução das “emendas Pix”, pagas instantaneamente a estados e municípios sem o detalhamento ou transparência necessários. As determinações deveriam ser mantidas até a aprovação de novas regras pelo Congresso para dar transparência à distribuição de verbas públicas.
Após a reunião desta terça, Barroso afirmou que as liminares estão mantidas e que o encaminhamento processual depende do relator. Segundo o presidente da Corte, a expectativa é que Dino leve as decisões para análise do plenário.
“Fica acordado que Executivo e Legislativo ajustarão o tema da vinculação das emendas parlamentares à receita corrente líquida, de modo a que elas não cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias. O relator irá, oportunamente, reexaminar o processo”, disse o STF, em nota divulgada após o encontro.
Nota conjunta fala em “transparência, rastreabilidade e correção”
Após a reunião, o STF divulgou nota, afirmando que no acordo “firmou-se o consenso de que as emendas parlamentares deverão respeitar critérios de transparência, rastreabilidade e correção”. Depois, resumiu as mudanças, com o seguinte texto:
- Emendas individuais:
- a) Transferência especial (emendas pix): ficam mantidas, com impositividade, observada a necessidade de identificação antecipada do objeto, a concessão de prioridade para obras inacabadas e a prestação de contas perante o TCU;
- b) demais emendas individuais: ficam mantidas, com impositividade, nos termos de regulação acerca dos critérios objetivos para determinar o que sejam impedimentos de ordem técnica (CF, art. 166, § 13), a serem estabelecidos em diálogo institucional entre Executivo e Legislativo. Tal regulação deverá ser editada em até dez dias.
- Emendas de bancada:
- Serão destinadas a projetos estruturantes em cada Estado e no Distrito Federal, de acordo com a definição da bancada, vedada a individualização.
- Emendas de comissão:
- Serão destinadas a projetos de interesse nacional ou regional, definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo, conforme procedimentos a serem estabelecidos em até dez dias.