Em 2012, quando julgaram a constitucionalidade da divulgação ativa da remuneração de agentes públicos, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) foram claros: a transparência “é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano”. Desde então, os salários de todos os servidores são públicos e facilmente acessíveis no Portal da Transparência. Doze anos depois, no entanto, uma classe continuou fora: os funcionários das estatais.
Após diversas fiscalizações e uma denúncia da Fiquem Sabendo, o TCU (Tribunal de Contas da União) determinou, no final do ano passado, que as estatais devem publicizar a remuneração nominal e individualizada de seu quadro de funcionários. Ou seja, que não basta publicar o salário base de determinado cargo, é preciso dar o salário exato e individual de cada empregado, devidamente nomeado.
Por mais de três anos os ministros do tribunal deliberaram sobre os diversos argumentos usados por essas instituições para negar o acesso a esses dados. Entre eles: a autonomia jurídica, prejuízo à concorrência e até um “sigilo” inventado –o “sigilo estratégico”, que simplesmente não existe na legislação brasileira.
O futuro presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo, foi responsável pela relatoria do acórdão nº 728/2019 e entendeu, de forma inequívoca, que “nenhuma dúvida há de que as empresas públicas e sociedades de economia mista que atuem em concorrência também estão sujeitas às obrigações de divulgação das remunerações de seus empregados”.
A decisão abrange a publicação de todas as remunerações, subsídios, auxílios, ajudas de custos, gastos com viagens, “jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias”, aposentadoria e pensões, gastos com cartões de crédito corporativos e participações nos lucros de cada empregado.
Com o fim da possibilidade de novos recursos das empresas no tribunal, o assunto foi esgotado no órgão de controle. Mas, infelizmente, a autoridade do TCU está sendo questionada.
Munida da decisão, a Fiquem Sabendo protocolou no início do ano dezenas de pedidos de acesso à informação solicitando os dados dos salários nominais e individualizados para todas as estatais federais. Após seis meses da tramitação dos pedidos e quase um ano após a decisão do TCU, a maioria das empresas segue negando as informações —entre elas, gigantes como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Correios. E com apoio da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, levaram o debate para a CGU (Controladoria-Geral da União).
Essa atuação nos deixou confusos. O TCU agora não tem mais autoridade e suas decisões irrecorríveis podem ser questionadas e debatidas fora do tribunal? Como a CGU nunca deixou de atender às determinações do TCU até hoje, estamos confiantes na resolução do “novo debate” manufaturado pelas empresas. Seguimos aguardando os dados.
Na última coluna colocamos a pergunta “Quando os militares vão entender que são servidores públicos?”. Nesta, vamos na mesma linha: as estatais têm que entender que são… estatais. E, portanto, seus funcionários são parte da administração pública e devem seguir as mesmas regras que os demais 1.116.356 servidores.
De acordo com a nossa Constituição, empresas estatais apenas têm sua razão de ser para atender ao interesse público. Por causa disso, possuem condições diferenciadas se comparadas a empresas privadas, como não pagamento de impostos, participação privilegiada e preferencial em contratações públicas, aportes de recursos públicos, entre outros. Como contrapartida, têm o dever de observar os deveres constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
É bastante simples: benefícios devem ser acompanhados de responsabilidades. Onde há dinheiro e esforço do governo, há também a obrigação de prestar contas aos contribuintes.
Em 2020 e 2021 a Fiquem Sabendo obrigou a publicização de quase R$ 500 bilhões em gastos com pensões da União; em 2023 a publicação de todos os gastos feitos no cartão corporativo por todos os ex-presidentes e suas equipes desde 2002. E, em 2024, vamos batalhar até conquistar o direito da sociedade de fiscalizar as empresas estatais.
Essas instituições são importantes e essenciais em muitos setores. Mas em pleno 2024, não podemos admitir a existência de entidades estatais que funcionem como caixas-pretas. Ou pior, que desafiem a autoridade do STF e do TCU.
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