Servidores questionam novas regras para carreiras – 25/08/2024 – Mercado

A portaria do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos com diretrizes e critérios para elaboração de propostas de criação e reestruturação de planos, carreiras e cargos do funcionalismo federal foi bem recebida por especialistas, mas gerou resistência entre os servidores.

O Unacon (Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle) protocolou nesta semana uma ação na Justiça Federal em Brasília pedindo a suspensão da medida. A judicialização da portaria do governo Lula (PT) foi organizada pelo Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado).

Deputados do PSOL, partido aliado do governo Lula, também protocolaram na Câmara um Projeto de Decreto Legislativo para sustar a portaria elaborada pela equipe da ministra Esther Dweck, publicada no último dia 13.

A deputada Sâmia Bonfim (SP), autora do projeto, afirma na justificativa que a portaria é uma consequência nefasta do arcabouço fiscal. Para ela, a medida extrapolou seu poder regulamentar invadindo a seara do Legislativo ao abrir caminho para uma espécie de reforma administrativa, que prejudicaria as carreiras dos servidores.

Sâmia diz considerar que o aumento no número de degraus que os servidores precisam percorrer para chegar ao topo da carreira, onde estão os maiores salários, está na direção contrária das atuais reivindicações de diversas categorias.

Uma das diretrizes da portaria é o estabelecimento de um “período mínimo de, preferencialmente, 20 anos para o alcance do padrão final da carreira”. Além disso, o tempo de serviço não será o único critério para a progressão, que deverá observar também o desempenho individual e coletivo do servidor, perfil, qualificação e comprometimento.

A portaria também restringe a criação de bônus ou parcelas similares vinculadas ao desempenho da função, como os concedidos aos servidores da Receita Federal e advogados da AGU (Advocacia-Geral da União).

Pedidos de extensão dos bônus para outras categorias viraram uma febre no serviço público, mas foram barrados nas recentes negociações salariais do governo com os sindicatos.

“Sem dúvida, a portaria representa um passo importante para o processo de reestruturação das carreiras do governo federal, mostrando como elas devem se organizar a partir de agora”, diz Fred Melo, diretor-executivo da República.org, instituto que trata de temas ligados à governança pública e melhoria da gestão de pessoas no serviço público brasileiro.

Na avaliação de Melo, o governo crava com as novas diretrizes um sinal de que há a necessidade de mudança e descontinuidade do modelo atual. Outro ponto apontado por ele é a visão do governo para uma possível reforma, que dependerá de lei.

“É uma visão bem aderente à grande parte dos diagnósticos que já estão colocados aí por diversos segmentos, ou seja, a necessidade de pensar uma remuneração mais simples, vinculada à complexidade e à organização da carreira não por temáticas, mas por funções, pensando no objetivo de encontrar um menor número de tabelas e um tempo maior de crescimento dentro da carreira”, afirma.

Segundo Melo, a portaria mostra que o modelo precisa ser repensado e não pode existir mais.

“Um analista é um analista em qualquer ministério. Ele pode se especializar nas temáticas, mas é possível ter uma carreira transversal com uma abrangência maior”, sugere. O especialista alerta, no entanto, que é preciso enfrentar o desafio de reorganizar o modelo de carreiras atual, não alcançado pela portaria do ministério.

A visão do presidente do Fonacate, Rudinei Marques, é oposta. De acordo com ele, os servidores receberam com desconfiança a medida.

“Não adianta ficar com a conversa de quer democratizar as relações de trabalho e na hora de encaminhar um documento desse, manda à revelia, sem qualquer debate mais sério e mais profundo, no nosso caso, com as entidades de classe”, diz o dirigente da entidade. O Fonacate reúne as carreiras estratégicas de Estado, que têm os salários mais altos dentro do funcionalismo e não contam com função similar na iniciativa privada.

Marques destacou que havia uma promessa do Ministério de Gestão de que todas as discussões importantes sobre funcionalismo seriam primeiramente tratadas numa Câmara Técnica, ligada ao Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável), instância consultiva do governo Lula que reúne representantes de diferentes setores.

O secretário de Gestão de Pessoas do ministério, José Celso Cardoso Jr., defende a portaria e diz que não entendeu o posicionamento dos servidores ao judicializar o tema. “A portaria não tem força de lei. Ela não é autorrealizável. A portaria é apenas um conjunto de diretrizes e não tem poder impositivo.”

Cardoso destaca que a portaria é o primeiro normativo editado pelo governo federal desde a Constituição de 88 sobre carreiras e que se destina a organizar não só o processo de negociação nas entidades, mas também a discussão pública sobre o tema.

Ele rebate o argumento do Fonacate de que não houve discussão para a elaboração da portaria. “Isso vem sendo discutido por meio de artigos e reuniões de trabalho desde o começo do ano passado”, afirma.

O secretário contesta também a visão dos servidores de que a portaria teria um caráter autoritário, afirmando ter havido um debate público, democrático e isonômico: “Existe uma reação corporativa. Alguns desses critérios, dessas diretrizes, já estavam sendo aplicados, por meio das equipes técnicas que todo dia negociam com os órgãos e com as carreiras”.

Como mostrou a Folha, a ministra Dweck pôs em marcha sua reforma administrativa ao colocar nas mesas de negociação com os servidores em 2024 as diretrizes da portaria, como o alongamento das carreiras e a redução de salários de entrada para futuros funcionários.

Dos 30 acordos já fechados pelo Ministério de Gestão, 12 deles preveem o aumento no número de degraus que os servidores precisam percorrer para chegar ao topo da carreira. Em alguns casos, o percurso, antes feito em 13 anos, passará a durar 20.

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