Por que limitar as emendas parlamentares?

Na última terça-feira, 20 de agosto, reuniram-se no Supremo Tribunal Federal representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário, para solucionar o impasse das emendas parlamentares impositivas. Para além da simbologia evidente na realização de tal encontro, a busca por uma solução conciliatória envolvendo a cúpula dos Três Poderes realça o desequilíbrio institucional resultante da expansão da impositividade e opacidade dos repasses parlamentares ocorrida durante a década passada.

Vale dizer, com base em dados do SIGA-Brasil e do Tesouro Nacional, que esses gastos compunham menos de 2% das despesas discricionárias (não obrigatórias) do Poder Executivo em 2015, crescendo quase continuamente até cerca de 7% em 2019, e no ano seguinte saltando para valores próximos a 20%, se mantendo até o presente nesse elevado patamar. Em relação ao total das discricionárias, trata-se de quase 1/4 (2024).

Nos gastos discricionários do Executivo, incluem-se os investimentos públicos, como as obras do PAC, além de programas sociais de caráter não obrigatório, a exemplo do Farmácia Popular. Portanto, a disponibilidade de recursos nessa fatia do Orçamento é essencial para o desenvolvimento econômico e social, mesmo não sendo, via de regra, de execução mandatária por lei.

Acrescenta-se a esse quadro a rigidez orçamentária prevalecente, resultando em menos de 7% do total dos desembolsos feitos pela União direcionados às discricionárias nos últimos anos. São também esses dispêndios os sujeitos aos cortes durante a execução do Orçamento, dado que as outras despesas são de caráter compulsório.

Por fim, parte desses gastos, apesar de não obrigatória, é vinculada a determinada finalidade, incluídas nesse grupo as emendas parlamentares individuais e de bancada estadual e parte dos gastos mandatários com Saúde, por exemplo. Hoje, 3% da Receita Corrente Líquida devem ser fixados anualmente para as emendas individuais e de bancada.

Consequentemente, de uma pequena fatia dos dispêndios que pode ser endereçada livremente pelo Poder Executivo, parcela crescente tem ficado à disposição dos parlamentares.

Não se trata, aqui, por óbvio, de demonizar a atuação do Legislativo. Já foi ressaltada nessa coluna a importância das emendas, principalmente pelo fato de os parlamentares estarem mais próximos às realidades regionais. Isso dá aos membros do Legislativo a possibilidade de agirem de forma tempestiva conforme as necessidades específicas de cada Estado e município.

Não obstante, da forma como as emendas são executadas hoje, falta controle sobre a alocação dos recursos endereçados pelos deputados e senadores, não havendo avaliação de sua eficiência e eficácia. Além da falta de transparência de parte desses repasses, pela vinculação constitucional à arrecadação federal, o Executivo se vê obrigado a “carimbar” as despesas encaminhadas pelo Poder Legislativo, sem o adequado enquadramento segundo as prioridades estruturais do país.

Já as emendas de bancada, destinadas a financiar obras prioritárias nos Estados, foram desvirtuadas ao se possibilitar sua divisão em parcelas alocadas individualmente pelos parlamentares.

As decisões do STF relativas ao tema, a começar pela proferida pela Ministra Rosa Weber, se concentraram inicialmente nas distorções mais evidentes desse modelo, por conta de sua obscura destinação. Foi assim proibido o “Orçamento Secreto” e suspensa sua versão reciclada, conforme decisão do Ministro Flávio Dino, a chamada “Emenda Pix” (transferência especial).

Durante a semana retrasada, ampliando o escopo das determinações anteriores, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 7.697, o Ministro Dino suspendeu a execução de todas as emendas impositivas. Se valeu para sua decisão, prontamente apoiada pelos outros componentes do Supremo, do parágrafo 13 do artigo 166 da Constituição, que condiciona a impositividade das emendas parlamentares a não haver impedimentos de ordem técnica, garantindo assim a eficiência, transparência e rastreabilidade desses gastos.

Porém, previsivelmente, a Terceira Lei de Newton se mostrou infalível, e da ação do STF resultou a pronta reação do Congresso Nacional. Como decorrência dos abalos institucionais, e para reequilibrar os corpos postos em movimento revoltoso nos arredores da Praça dos Três Poderes, foi realizada a reunião do dia 20.

Nesse encontro, algumas definições:

  • Reforço da transparência das “Emendas Pix”, com fiscalização do Tribunal de Contas da União e prioridade para obras em andamento;
  • Regulamentação, editada em dez dias, do que seriam impedimentos de ordem técnica para as demais emendas individuais;
  • Proibição da divisão dos recursos destinados às emendas de bancada em projetos definidos individualmente pelos parlamentares;
  • Estabelecimento em dez dias de procedimentos para a execução das emendas de comissão do Congresso Nacional;
  • Ajuste da vinculação vigente das emendas, para que elas não se apropriem de parcela crescente dos gastos discricionários.

Quanto aos quatro primeiros pontos, poucos hão de questionar sua adequação, por simplesmente exigir ordenamento mais rigoroso para a execução das emendas impositivas. O risco, porém, é de a normatização não ter efeito relevante em termos de melhoria do gasto público.

Por outro lado, o último item é essencial e semelhante ao sugerido nessa coluna na semana passada e em artigos e trabalhos anteriores. Com esse dispositivo, os gastos com emendas teriam de se adequar à situação fiscal corrente, sem sobrepor-se aos demais dispêndios discricionários. Ao longo dos anos, haverá por consequência geração de espaço fiscal em relação ao que se verificaria no cenário atual.

Remanesce a dúvida de qual proporção dos gastos discricionários será fixada para a execução das emendas impositivas, sendo essencial para essa decisão viabilizar dispêndios estruturantes do Poder Executivo. Seria preocupante usar os 20% das discricionárias com emendas, como verificado nos anos recentes. Valores próximos de 5%, por exemplo, seriam mais razoáveis.

Aguardaremos o desenrolar das negociações entre os poderes, com a esperança de prevalecer o interesse da coletividade. Tudo isso em benefício de mais e melhores políticas públicas e do bom uso do dinheiro público.

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