Com apenas uma semana restante para o fim do prazo de 10 dias estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Palácio do Planalto e o Congresso definam novas regras para as emendas parlamentares, a fim de supostamente garantir mais transparência, o avanço do acordo inicial tem sido considerado insignificante por políticos e analistas. A reunião da última terça-feira (20), que contou com a presença de 11 ministros do STF, dois ministros do governo e os presidentes da Câmara e do Senado, serviu na prática para redistribuir verbas de deputados e senadores com ministérios.
No entanto, o encontro de quatro horas acabou evidenciando as profundas tensões entre os poderes por recursos federais e poder político. Nos bastidores, a expressão que melhor descreve o resultado da iniciativa do Judiciário em apoio ao Executivo para emparedar o Legislativo é “a montanha pariu um rato”, pois o acordo não decidiu a questão das emendas de forma definitiva e a relação entre os Três Poderes continua abalada.
Ao se colocar como moderador da luta política e mediador de um futuro acerto entre governo e Congresso, mas tendo a palavra final, o STF acabou ajudando a expor rusgas profundas entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Casa Civil Costa.
O deputado bateu boca com Costa, o gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e com o ministro Flávio Dino, do STF, autor das liminares que suspenderam a execução das emendas, decisão confirmada pela unanimidade da Corte.
A missão de aplacar as divergências em torno das emendas parlamentares conseguiu se viabilizar mais na formalidade do que na essência. O conflito desencadeado pela decisão de Dino está longe de se converter em solução ideal para a questão, até mesmo porque segue inalterada a parcela do Orçamento sob controle dos parlamentares — em torno de R$ 49 bilhões, ou 25% dos gastos não-obrigatórios do governo.
Com isso, os tais “ajustes” que serão propostos, segundo o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devem só criar mais procedimentos burocráticos, sobretudo para as emendas individuais que os congressistas podem enviar diretamente a estados ou municípios sem exigência de projeto ou mecanismo de controle, as chamadas “emendas pix”. Pelo que foi pactuado, elas terão de revelar onde e como os valores serão usados. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) entrará mais cedo na fiscalização. “A montanha pariu um rato”, repetem os bastidores.
Busca do equilíbrio entre os poderes ficou em segundo plano, com domínio do STF
O entendimento mediado pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, fortaleceu o Executivo e reposicionou o Judiciário, condicionando o Legislativo, que terá de lidar com os ressentimentos dos parlamentares. A articulação tenta redefinir ainda a gestão dos recursos públicos pouco antes do prazo para o governo enviar ao Congresso sua proposta de Orçamento para 2025. O presidente Lula quer o próximo ano marcado por entregas do PAC, estagnado desde o relançamento há um ano. Para isso, o acordo entre poderes ditado pelo STF priorizou o financiamento de “projetos estruturantes” e “obras inacabadas”.
Arthur Wittenberg, professor de relações institucionais e políticas públicas do Ibmec-DF, revela que análises de risco político indicam que toda essa movimentação em torno de um pretenso acordo entre Executivo e Legislativo sob a condução do Judiciário para gerir o Orçamento da União não indica alívio das tensões. Em certa medida, elas podem até ter efeito contrário, pois criam um mal-estar geral entre autoridades.
“As emendas na modalidade pix foram mantidas, com a diferença de que terão de ter indicados alguns critérios de transparência, que podem ser relativizados. Esse é um ponto que teremos de aguardar para saber se avançaram ou não no que pretendiam”, sublinha. Wittemerg acrescenta que emendas de comissão, individuais e até mesmo de bancada permanecem sob decisão dos parlamentares, apesar das ressalvas de destinação em comum acordo com o Executivo. “Objetivamente mudou-se pouco”, diz.
Senador considera mais válido aprovar lei para dar transparência às emendas pix
Na esteira do acordo firmado entre os poderes sobre as emendas pix, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) apresentou na quarta-feira (21), o Projeto de Lei 3247/2024, que regulamenta a execução orçamentária e financeira, a fiscalização e o controle dessas transferências especiais.
Segundo ele, a proposta preenche uma “lacuna legislativa”, ao fixar, por exemplo, requisitos de planejamento, transparência e participação dos conselhos de saúde, assistência social e educação na aplicação de recursos públicos. Ele quer que a legislação deixe clara a aplicação das transferências especiais em programas dos municípios, conforme prevê a Constituição.
“Tenho a convicção que o projeto vai sanar uma das mais graves omissões legislativas no âmbito do orçamento público, contribuindo para o pleno cumprimento da missão constitucional do Congresso”, frisou Styvenson.
Oposição tenta avançar com pautas anti-STF
Depois que os ministros do STF decidiram manter as determinações do ministro Flávio Dino de suspender os pagamentos das emendas parlamentares impositivas, que incluem as chamadas “emendas pix”, as individuais e as de bancada, o presidente da Câmara, Arthur Lira, retaliou desengatando duas Propostas de Emenda Constitucional para reduzir os poderes do STF.
A PEC 8 de 2021 acaba com as decisões monocráticas de ministros do STF e obriga que temas políticos relevantes sejam decididos pelo colegiado. A PEC 28 de 2024 dá ao Congresso o poder de sustar decisões do STF que extrapolam sua competência.
A presidente da CCJ, deputada Caroline De Toni (PL-SC), deve avançar com a análise dessas propostas e possivelmente deve colocar ainda em pauta projetos que definem como crime de reponsabilidade o Supremo tomar decisões que caberiam originalmente do Legislativos, em ação de usurpação de funções.
Mas depois de passar pela comissão, todas essas propostas e projetos têm ainda que continuar tramitando até a votação em plenário. Não está claro ainda se Lira permitirá que um ou mais avancem mesmo para a votação.