No Rio Grande do Norte, mais de 50 mil famílias convivem com o cenário de vulnerabilidade social aguardando o pagamento do Seguro Habitacional, em decorrência de danos estruturais nos imóveis financiados. Para discutir a situação que segue sem resolução e tramita na Justiça há pelo menos 16 anos, a Assembleia Legislativa do RN (ALRN) realizou, na tarde da terça-feira (27), uma audiência pública que levou a população a lotar o espaço.
Antônia Bispo, 73, é uma das pessoas que está na busca do recebimento dos valores devidos desde 2008. O imóvel, situado no conjunto Santa Catarina, na zona Norte de Natal, apresenta grandes danos e já chegou a ser interditado pela Defesa Civil, mas por não ter um lugar para onde ir, ela segue no mesmo espaço. “Eu preciso ter um lugar para dormir, eu não tenho sossego, minha casa está toda mofada”, reclama.
O desgaste emocional que já existia diante da situação se potencializou após a descoberta de um câncer. “Todo esse desgaste é um prejuízo até para o meu tratamento. Eu estou aqui lutando, mas não estou nem podendo falar direito diante das minhas condições. Tenho que ter esperanças”, afirma. Hoje, Antônia vive na casa ao lado do filho, que “parou a vida” para cuidar da mãe.
Desde 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou uma mediação nacional do Seguro Habitacional, envolvendo a Caixa Econômica Federal, a Advocacia-Geral da União (AGU), a CNSeg e as principais seguradoras envolvidas, que deveriam fornecer proteção em casos como desemprego, invalidez, morte e danos estruturais no imóvel. Apesar de alguns avanços, esses processos seguem com atrasos em razão das dificuldades em acordar um valor de oferta adequado às famílias. A estimativa é que 40% dos problemas do Seguro Habitacional do Nordeste são no Rio Grande do Norte.
A partir desse alto índice, o deputado estadual Ubaldo Fernandes propôs a audiência pública e chegou a estender o convite aos parlamentares da bancada federal do Rio Grande do Norte. Com uma participação popular numerosa e ultrapassando o limite de pessoas na ALRN, foi instalado um telão e caixas de som na Praça Sete de Setembro, localizada na frente da casa legislativa, para que as dezenas de interessados pudessem acompanhar os detalhes ao vivo.
“Essa é uma situação que não pode mais esperar. O que deveria ser uma solução, se transformou em um pesadelo para muitos potiguares. O desabafo de cidadãos que temem pela segurança de suas casas e de seus familiares ilustra a gravidade da situação e a necessidade urgente de ação”, disse Ubaldo Fernandes durante a abertura da audiência pública.
De acordo com Rosimary Nascimento, secretária e representante da Associação Brasileira de Defesa dos Mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (Abradem), cerca de 20% dos valores pagos nas parcelas dos financiamentos eram direcionados às seguradoras, que teriam responsabilidade de fiscalizar a construção, mas, de acordo com ela, não o fizeram adequadamente.
“Isso é um clamor social. São os mutuários que estão sofrendo por um plano habitacional que parte dele não deu certo. Vários deles tiveram sérios problemas estruturais, casas construídas de taipa, como nós temos em João Câmara, financiadas pelo Sistema Financeiro de Habitação, e que a sequela está ai. Casas desabando, pessoas morando de favor, depois de terem pago o seguro e infelizmente não têm o amparo que precisavam”, afirma Marcelo Gomes, advogado da Abradem.
De acordo com os mutuários, os maiores problemas foram causados após as seguradoras declararem falência e alegarem impossibilidade de pagamento. Durante a audiência, também foram discutidos os avanços e limitações do Projeto de Lei 5464/2023, que tem como relator o deputado federal Fernando Monteiro (PE).