O Regulamento (UE) 2024/1689 do Parlamento Europeu e do Conselho, referente à inteligência artificial no setor dos dispositivos médicos, foi publicado a 12 de julho, entrando em vigor este mês de agosto. Daniel Torres Gonçalves, coordenador da Unidade Económica de Saúde, Farmácia e Biotecnologia da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, deixa um artigo de opinião em que reflete sobre a nova regulamentação.
Este regulamento é o primeiro quadro jurídico específico para a IA e impõe obrigações a todos os intervenientes na cadeia de produção e comercialização de bens e serviços que se baseiem em processos de Inteligência Artificial. O diploma será aplicável, por exemplo, aos fabricantes de dispositivos médicos que utilizem IA, e na verdade antecipa-se um impacto significativo no setor dos dispositivos médicos.
O Regulamento da IA pretende harmonizar-se com os Regulamentos dos Dispositivos Médicos e Dispositivos Médicos in vitro. Contudo, há um conjunto de dúvidas que continuam a subsistir e que apenas começarão a ser respondidas com a interpretação que a indústria fará e, depois e de forma fundamental, a interpretação que as autoridades farão. De particular relevância, mostra-se a eventual duplicação de requisitos (pelo Regulamento da IA e Regulamentos dos Dispositivos Médicos) e a resposta que os organismos notificados darão.
A definição de IA evoluiu para tentar distinguir mais claramente entre software tradicional e verdadeira IA. O Regulamento introduz a noção de que a capacidade de fazer inferências é uma característica principal da IA e que a distingue do restante software.
Os dispositivos médicos que utilizem IA, independentemente da sua classificação, e os sistemas de IA que façam parte de dispositivos médicos, ou respetivos acessórios, devem cumprir o Regulamento da IA. Os dispositivos médicos que utilizem processos baseados em IA serão classificados como de alto risco se caso passem por uma avaliação de conformidade por uma entidade terceira e a IA for um produto em si ou for utilizada em componentes de segurança.
Esta classificação conduzirá à necessidade de uma avaliação da conformidade por um organismo notificado, que abrangerá a documentação técnica e os sistemas de gestão de riscos. Os dispositivos médicos serão avaliados conforme os procedimentos de conformidade existentes, perante organismos notificados que tenham a capacidade de avaliar a IA. Neste momento, se escasseiam organismos notificados, em particular em Portugal, mais grave será o caso se restringirmos à capacidade para lidar com sistemas baseados em IA.
Além disso, os responsáveis pela utilização de sistemas de IA de risco elevado, terão várias obrigações, incluindo garantir uma utilização correta, assegurar uma supervisão humana, bem como realizar monitorização e vigilância, mantendo registos do sistema. Isto, além de eventuais avaliações do impacto de proteção de dados.
Embora muitos avanços tenham sido feitos para reduzir a duplicação de requisitos, haverá muitas questões com a implementação do Regulamento na prática. A adaptação da indústria, dos organismos notificados e das autoridades ainda enfrentará grandes desafios. Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia deverá apresentar orientações sobre esta legislação, o que deverá ocorrer em 2025.
Apesar de a entrada em vigor já ter ocorrido, a aplicação do Regulamento da IA ocorrerá progressivamente a partir de fevereiro de 2025, ficando plenamente em vigor a partir de 2 de agosto de 2026. O esforço hermenêutico e de aplicação prática já começou e não findará em breve.