O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação para que a Companhia Piratininga de Força e Luz (CPFL), a Prefeitura de Votorantim (SP) e a União sejam obrigadas a levar energia elétrica ao quilombo José Joaquim de Camargo, em Votorantim. O documento foi assinado no dia 21 de agosto pelo procurador da República André Libonati. As informações foram divulgadas pelo MPF no início desta semana.
De acordo com a ação aberta pelo MPF, sem eletricidade, o quilombo é privado de utilizar aparelhos e equipamentos básicos do cotidiano, ao mesmo tempo em que enfrenta resistência do poder público para o reconhecimento do seu direito de acesso a serviços essenciais.
Para que o fornecimento de energia seja estabelecido de forma adequada, o MPF pede que a Justiça conceda uma liminar obrigando a CPFL a implantar uma linha de distribuição até a área quilombola e a instalar medidores individuais gratuitamente nas residências da comunidade. O MPF quer também que a Justiça imponha à empresa e à Prefeitura de Votorantim o dever imediato de providenciar a rede de iluminação pública no interior do quilombo por meio de uma tutela de urgência.
Ao final da petição, o Ministério Público solicita que a CPFL, a administração municipal e a União sejam condenadas ao pagamento de pelo menos R$ 1 milhão de indenização pelos danos morais coletivos que a falta de energia elétrica na comunidade acarreta. O valor deve ser revertido a programas sociais e ambientais que favoreçam os próprios quilombolas.
Serviço essencial
“A falta de titulação do território é o argumento que a Prefeitura de Votorantim tem usado para negar o fornecimento de utilidades públicas ao quilombo José Joaquim de Camargo. A conduta, no entanto, contraria normas e decisões judiciais sobre o tema. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, já determinou que eventuais irregularidades de ocupação não devem impedir o acesso de cidadãos a serviços essenciais, como energia elétrica”, informa o Ministério Público Federal.
Enquanto aguarda a conclusão do processo de titulação territorial pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o quilombo também enfrenta uma disputa judicial com o Grupo Votorantim pela posse da área. O MPF destaca, porém, “que nenhuma dessas pendências está acima do direito dos moradores aos serviços que lhes asseguram dignidade, uma vez que a comunidade não pode ser punida pela morosidade dos órgãos públicos em realizar a demarcação formal das terras”.
O procurador da República André Libonati, autor da ação do MPF, ressalta que os quilombolas vêm sendo vítimas de racismo ambiental, definido pela discriminação que se manifesta por meio da precarização do ambiente onde vivem. Diz também que outros bairros de Votorantim usufruem de toda a infraestrutura pública de energia elétrica, o que demonstra desrespeito ao princípio da isonomia — que estabelece a igualdade perante a lei — e revela o descaso ao qual a comunidade José Joaquim de Camargo tem sido submetida.
“A falta de tal serviço prejudica a conservação de alimentos, higiene pessoal, uso de equipamentos de saúde, eletrodomésticos, acesso à informação e comunicação, entre outras graves limitações, inclusive relegando os moradores da comunidade ao frio, ao calor, à insegurança e à exclusão social, digital e informacional”, escreveu o procurador.
O líder quilombola Alifer Camargo ressaltou que a situação da comunidade é complicada. Segundo ele, os moradores sofrem com preconceito e desigualdade social. “Luz é essencial e sem ela estamos sobrevivendo de forma precária. Hoje posso dizer que a comunidade tem esperança de ter aquela luz física elétrica, pois até hoje a luz que nos guiou foi a do nosso Deus e de nossa ancestralidade).
Em decisão publicada pelo Tribunal de Justiça Federal no dia 22 de agosto, o juiz responsável determinou que a Prefeitura de Votorantim, a CPFL e a União fossem intimadas e se manifestassem no prazo de 72 horas. O Cruzeiro do Sul entrou em contato com o TRF para saber em qual etapa está o processo e aguarda retorno.
CPFL e AGU
Em nota, a CPFL informou que não comenta ações em andamento e reforçou que está à disposição do MPF para os esclarecimentos necessários. Já a assessoria de imprensa da Advocacia-Geral da União (AGU) informou que o órgão ainda não foi notificado da ação. A reportagem questionou, também, a Prefeitura de Votorantim que não retornou o contato.
Luta por terras
A comunidade José Joaquim de Camargo e o grupo Votorantim enfrentam uma disputa judicial pela área onde está localizado o quilombo. Os moradores afirmam ser descendentes de José Joaquim de Camargo, um escravo alforriado que teria comprado a área do capitão Jesuíno Cerqueira César, por 400 mil réis. No entanto, o Grupo Votorantim também reivindica a propriedade do terreno.
Segundo os moradores do quilombo — formado por aproximadamente 40 famílias —, a Prefeitura de Votorantim não reconhece a comunidade como quilombola e não presta assistência aos moradores da área, que convivem, por exemplo, com esgoto a céu aberto.
Em reportagem publicada em maio pelo Cruzeiro do Sul, a Prefeitura de Votorantim informou que presta assistência à comunidade, tanto educacional quanto médico-hospitalar. Disse também que a comunidade está localizada em uma área invadida. “Existe uma disputa judicial entre os invasores, que se declaram descendentes de quilombolas, e a proprietária titulada Grupo Votorantim S/A. A irregularidade da invasão da área está sendo discutida na Justiça Comum — Comarca Votorantim”, informou a municipalidade em nota.
Já a Votorantim S/A alegou que é proprietária e possuidora de algumas áreas no município de Votorantim há mais de 100 anos, “dentre elas, está aquela atualmente ocupada pelo núcleo populacional instalado no bairro Votocel”. (Vanessa Ferranti)