Brasil vai propor regras de transparência anticorrupção aos líderes do G20

A inteligência pode ser uma das maiores armas contra as condutas de corrupção, dadas as limitações do Estado e a criatividade dos transgressores. É nisso que aposta o Grupo de Trabalho (GT) Anticorrupção do G20, segundo seu coordenador, o brasileiro Vinícius Marques de Carvalho, ministro da Controladoria-Geral da União (CGU).

A ideia é que a transparência das informações sobre ações e serviços prestados pelo Estado, aliada à agenda de integridade do setor privado, feche brechas, aumente o espaço de controle da sociedade e obrigue os entes públicos e o mundo corporativo a andarem na linha.

— Por mais eficiente que seja a repressão, o aparato do Estado, não só o brasileiro, será sempre insuficiente. O mundo tem olhado outras formas que podem ser complementares à repressão. Elas não foram adotadas com esse objetivo, mas se mostraram eficazes, como a agenda de transparência para governo e empresas — destaca.

Estudo feito a pedido da presidência brasileira do G20, ao qual o GLOBO teve acesso, estima que somente subornos movimentem de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,5 trilhão (cerca de 2% do PIB mundial) ao ano. Ou seja, o custo econômico e social global da corrupção é certamente bem maior, já que o suborno é apenas uma das várias formas de corrupção.

Uma das principais conclusões a que chegou o GT é que a corrupção afeta o crescimento econômico e perpetua distorções, ao aprofundar desigualdades sociais e abrir portas, inclusive, para crimes ambientais. É essa a mensagem que o grupo espera levar ao comunicado final a ser acordado entre os líderes do G20 na cúpula de novembro, no Rio.

Recomendações serão incluídas no Plano de Ação do GTAC 2025-2027, documento com as prioridades do grupo para os próximos três anos. As propostas incluem controles de auditoria fortes, para garantir que as despesas públicas com a proteção social e os serviços públicos sejam direcionadas aos fins pretendidos.

Também estão na lista regras para reforçar a transparência e a integridade dos lobbies, a fim de evitar conflitos de interesse e garantir que decisões sobre políticas públicas sejam voltadas para a população. O documento também deve prever levar às escolas educação cívica e integridade pública.

Uma novidade do GT está no destaque ao papel do setor público em incentivar o bom comportamento das empresas e a aplicação das condutas responsáveis do chamado ESG. O Brasil tem exemplos positivos, como o selo Proética, ferramenta que incentiva empresas que são líderes nos seus setores a adotarem boas práticas. Hoje, 84 têm o selo.

Tema considerado complexo dentro do G20 é o da recuperação de ativos da corrupção. No Brasil, por exemplo, a Lava-Jato identificou casos de conduta corrupta, fechou acordos de leniência e aplicou multas, mas muitas têm sido contestadas.

Segunda Reunião Técnica do Grupo de Trabalho Anticorrupção (GTAC) do G20, em Paris — Foto: Judith Litvine
Segunda Reunião Técnica do Grupo de Trabalho Anticorrupção (GTAC) do G20, em Paris — Foto: Judith Litvine

A recomendação do GT, nesse caso, é aprofundar os mecanismos de cooperação entre os países e a criação de padrões internacionais para que todos “falem uma mesma língua”.

— Até os anos 90, empresas europeias podiam descontar do Imposto de Renda o que pagavam de propina para obter negócios em outros países. Estamos falando de 30 anos atrás. Deixou de ser dedutível e passou a ser uma violação, que foi se universalizando — diz Carvalho.

O estudo também alerta para o risco de os trilionários mecanismos de financiamento para a transição energética e redução das desigualdades mundo afora, que estão sendo debatidos no âmbito do G20, se tornarem alvo de más condutas. É preciso criar ou melhorar as ferramentas que garantirão que o dinheiro chegue ao destino.

Ao GLOBO, a especialista anglo-ganense Mavis Owusu-Gyamfi diz que fechar os canais de corrupção já ajuda os países a obterem os recursos necessários para financiar os desafios globais.

— Os números podem estar entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões. É dinheiro que está sangrando através da corrupção, ou que sai dos países ilegalmente — afirma ela, que é presidente do Centro Africano para a Transformação Econômica, o principal instituto de política econômica da África, think tank que faz parte do T20, grupo social do G20.

O Brasil tem seus muitos telhados de vidro no quesito corrupção, mas tem oferecido exemplos importantes ao debate. Um deles é o Alice, sistema que usa inteligência artificial (IA) para analisar licitações, contratos e editais nas plataformas de compras eletrônicas que saem dos padrões “normais”, ou seja, que tenham inconsistências ou indícios de fraudes.

Nem tudo o que é selecionado tem problemas. Mas a ferramenta possibilitou a suspensão de licitações com indicação de fraude ou erros que somaram quase R$ 12 bilhões, segundo a CGU.

O Alice despertou interesse de outros integrantes do G20, como a França. Uma dificuldade para a cooperação e a adoção de medidas bem-sucedidas em outros países, como o Alice, é que as nações estão em estágios diferentes de desenvolvimento econômico e até mesmo da burocracia. Muitas estão longe de ter os dados do governo digitalizados.

Para Carvalho, um dos grandes desafios de calcular o tamanho da corrupção é a capacidade de detectá-la:

— Não se pode ir em cima do que não se vê. Se não tem transparência, a capacidade de detecção diminui muito. O controle da sociedade é muito importante.

O Relatório de Investimento Mundial de 2023 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), outro documento que serviu de base para o GT, revela crescente déficit de investimento anual entre os países em desenvolvimento para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.

São cerca de US$ 4 trilhões por ano — acima dos US$ 2,5 trilhões estimados em 2015, quando os ODS foram adotados. O Fórum Econômico Mundial estima que a corrupção custe aos países em desenvolvimento nada menos que US$ 1,26 trilhão por ano. O montante seria suficiente para tirar da miséria 1,4 bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza por pelo menos seis anos.

Guilherme France, gerente de Pesquisa e Advocacy da Transparência Internacional Brasil, diz que a corrupção afeta diretamente políticas de combate à fome e às desigualdades:

— É só olhar para as discussões em torno dos desvios nas compras de alimentos no Rio Grande do Sul, no contexto das emergências climáticas, nos desvios dos registros de beneficiários de programas sociais. Estou falando aqui dos exemplos que pipocaram recentemente.

France diz que a corrupção também perpetua crimes ambientais, com a impunidade de pessoas e grupos organizados que conduzem os danos, seja pela destruição de florestas, mineração legal ou tráfico de fauna.

— A corrupção é elemento inescapável. Digo isso para reforçar a importância de que o trabalho sobre combate à corrupção do G20 não esteja restrito ao GT Anticorrução. Seria ponto de partida fundamental para a resolução dos problemas que elementos de compromisso de promoção da transparência, integridade e combate à corrupção fossem incluídos de forma mais ampla e transversal para a realização desses objetivos, da promoção do desenvolvimento sustentável e de combate à fome. É importante que isso esteja no documento. E a gente ainda não tem a sinalização de que isso foi efetivamente reconhecido.

France destaca que, embora não tenha efeitos vinculantes nem crie leis, o G20 dá diretrizes.

— Se você tem o reconhecimento das 19 maiores economias do mundo, mais União Europeia e União Africana, de que a corrupção é um impeditivo, talvez seja um ponto de partida. Até porque esses instrumentos e documentos orientam os espaços de discussão da ONU e de outras organizações regionais.

O GT Anticorrupção tem colaboração da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil.

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