Alteração abrupta da jurisprudência do STJ e esvaziamento do direito de greve dos servidores


Opinião

A greve é um direito social fundamental de todos os trabalhadores, que podem “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”, conforme estipulado pelo artigo 9º da Constituição.

Napoleão Nunes Maia Filho

Em virtude da sua importância no contexto do Estado democrático de direito, o legislador constituinte decidiu estender expressamente essa garantia aos servidores públicos civis, ressalvando que seu exercício ocorreria “nos termos e nos limites definidos em lei específica” (artigo 37, VII, da CR).

Contudo, o referido regulamento nunca foi editado, o que levou o Supremo Tribunal Federal a atuar de maneira ativista para suprir a omissão inconstitucional do Parlamento no bojo dos Mandados de Injunção nº 670/ES, nº 708/DF e nº 712/PA.

Por ocasião do julgamento desses processos, a Suprema Corte proferiu decisão, com efeito erga omnes, para determinar a aplicação integrativa da legislação sobre o direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada (Lei nº 7.783/1989) aos servidores públicos civis enquanto o Congresso não se manifestasse de modo específico sobre o tema.

Nessa mesma oportunidade, o STF definiu três requisitos a serem observados para que os movimentos paredistas deflagrados pelos agentes públicos fossem considerados legais, a saber: (i) notificação das autoridades administrativas com antecedência mínima de 72 horas em relação ao início das paralisações; comprovação da frustração das negociações; e manutenção de percentual mínimo de servidores em atividade para garantir a continuidade dos serviços públicos durante as mobilizações.

Ademais, a Suprema Corte estabeleceu que, em greves de servidores federais, com abrangência nacional, o Superior Tribunal de Justiça seria o órgão do Poder Judiciário competente para processar e julgar as demandas que tivessem conexão com esses movimentos paredistas, especialmente as ações de dissídio coletivo, nas quais são arbitrados aspectos centrais das mobilizações, como a definição do terceiro requisito citado (percentual de servidores que deve ser mantido em atividade).

Como sabido, a greve é o principal instrumento de influência dos trabalhadores e dos servidores para garantir que suas reivindicações sejam avaliadas e acolhidas pelos empregadores e pela administração, respectivamente.

Nesse contexto, tem-se a seguinte relação inversamente proporcional:

  • (i) quanto menor o percentual de comparecimento exigido durante o movimento paredista, maior será a força de negociação da categoria profissional; e
  • (ii) quanto maior o percentual de comparecimento exigido durante a paralisação, menor será o seu poder de negociação.

Comparecimento de servidores em menores índices

Até 2023, a Corte Superior de Justiça vinha arbitrando essa espécie de conflitos de maneira bastante virtuosa, pois fixava índices razoáveis de comparecimento de servidores durante as greves, no patamar de 30%.

Os movimentos paredistas nos quais havia a estipulação de percentuais de comparecimento semelhantes a esse (30%) permitiram que os servidores obtivessem êxito nas negociações e alcançassem as conquistas que — no contexto geral e ordinário de disparidade de forças entre a categoria e a administração — jamais atingiriam.

Entretanto, a partir do início do presente ano (2024), o STJ parece ter subvertido completamente a sua jurisprudência já consolidada sobre a matéria.

Spacca

Ao conferir um peso maior à interpretação sobre a essencialidade dos serviços públicos prestados pelas categorias que se mobilizaram recentemente (servidores da perícia médica federal, da área ambiental — ICMBio e Ibama — e do Seguro Social), a Corte Superior de Justiça passou a negar o exercício do direito de greve ou a permiti-lo de maneira extremamente restrita, com a observância de percentuais de comparecimento altíssimos (85%).

Importa destacar, inclusive, que essa permissão da deflagração dos movimentos paredistas somente com a manutenção de índices elevados de servidores em atividade acaba por desincentivar o exercício da garantia constitucional, em virtude do baixo impacto à continuidade dos serviços e da consequente ausência de interesse da administração em negociar com as categorias.

Além disso, impende frisar que essas determinações têm sido sempre acompanhadas da fixação de multas desproporcionais, no patamar de R$ 500 mil em caso de descumprimento, representando mais que o dobro do valor sugerido pela própria Advocacia-Geral da União (R$ 200 mil).

Todos esses elementos levam à conclusão de que, ao invés de continuar agindo como árbitro virtuoso das disputas legítimas entre os servidores públicos e a administração, o STJ passou a atuar como um agente supressor do direito constitucional de greve, em contrariedade ao que se espera do “Tribunal da Cidadania”.

É premente que a Corte Superior de Justiça restabeleça sua linha jurisprudencial anterior, de modo a reassumir a sua função precípua de conciliar a fruição de direitos por parte de todos os atores envolvidos (servidores e cidadãos), e não apenas de obstaculizar as garantias constitucionais de um desses grupos, sob a fundamentação genérica da necessidade da continuidade de serviços essenciais.



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