O Portal AZ teve acesso exclusivo às investigações que envolvem a recente operação da Policia Federal (PF) e da Controladoria Geral da União (CGU) em Teresina e Floriano, onde os alvos são membros da Secretaria de Cultura do Estado do Piauí (Secult).
O mote da investigação
Alvo da investigação da PF que apura desvios de R$ 7 milhões de recursos da Lei Aldir Blanc, o atual secretário de Cultura do Piauí, Carlos Adalberto Ribeiro Anchieta é suspeito de receber propinas que somam mais de R$ 1,2 milhão pagos por empresas beneficiadas com dinheiro de uma lei criada para socorrer artistas e trabalhadores do setor cultural afetados pela pandemia. Para não levantar suspeitas e afastar investigações do Comitê de Controle de Atividades Financeiras, os recursos foram postos na conta de Anchieta em 736 depósitos.
Anchieta recebeu 736 depósitos que somam R$ 1.279.461,00
O esquema de fraudes sob investigação da Polícia Federal e Controladoria Geral da União, a pedido do Ministério Público Federal, revela um bem articulado e engenhoso esquema que envolve 38 empresas ou associações e não menos que 50 pessoas físicas.
Para rastrear o dinheiro, a PF pediu que Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) investigasse as movimentações bancárias de Carlos Adalberto Ribeiro Anchieta, atual secretário de Cultura do Piauí e homem de confiança do antecessor dele no cargo, deputado Fabio Novo, candidato a prefeito de Teresina pelo PT.
O Coaf identificou depósitos na conta de Anchieta que somam R$ 903,9 mil feitos por beneficiários da Lei Aldir Blanc e empresas que mantiveram contratos com a Secult. Contudo, a soma dos depósitos sob suspeita chega a R$ 1.279.461,00, feitos em valores abaixo de R$ 10 mil para que o Coaf não os investigasse, já que qualquer depósito acima deste valor pode ser investigado pelo órgão de controle de atividades financeiras sem que haja necessidade de ordem judicial.
Assim, o esquema de rachadinhas ou pancadinhas que fez chover dinheiro na conta bancária do secretário de Cultura e homem de confiança do ex-secretário Fabio Novo, registrou 736 transações bancárias com valores menores que R$ 10 mil – mas todos acima de R$ 2 mil, porque segundo as regras qualquer depósito acima deste valor precisa ter o CPF ou CNPJ do depositante.
A PF cita o caso de Alisson Fernando Pereira Rocha, servidor da Secretaria de Cultura e dirigente e ex-dirigente de entidades culturais de Floriano, favorecidas com R$ 780 mil da lei Aldir Blanc. Ele repassou a Anchieta o valor de R$ 99.916,00.
Anchieta recebeu ainda R$ 44.920,00 de Tiago Benvindo, da empresa Confia Produções; R$ 26.306,00 das empresas Tiago Guerra e Tony Shows; R$ 59.162,00 da Acreditar Produções e Eventos; 286.183 da Chapa Quente Comunicação e Entretenimento; R$ 131.000,00 de Wesley Safadão; R$ 13.000,00 da Luclau Produções; R$ 83.339,17 de BLK Produções; R$ 31.575,00 da Ilumina Eventos; R$ 10.000,00 da empresa Rodrigues Produções Musicais.
Recebimento de valores suspeitos na conta bancária de Anchieta
O Coaf identificou ainda como suspeitas dois depósitos em que Carlos Anchieta é favorecidos, feitos pro Expedito da Silva Pereira (R$ 70 mil) e Auzair de Sousa Almendra (R$ 43 mil). O primeiro depositante é assessor parlamentar na Câmara Municipal de Bom Jesus e a segunda têm vínculo funcional na Assembleia Legislativa do Piauí.
Denúncias e investigações
A denúncia encaminhada à PF que deu ensejo à abertura de inquérito era sobre supostas irregularidades envolvendo o Sindicato dos Artistas (Sated) e o secretário de Cultura, Fabio Novo. O valor sob investigação de fraudes somava R$ 7,030 milhões. A investigação foi iniciada em setembro de 2022.
Fábio Novo é alvo da investigação desde denúncia em 2021
O inquérito focou no direcionamento de recursos na Lei Aldir Blanc: de 264 pessoas jurídicas contempladas, 38 apresentaram “características de que pertencem ao mesmo grupo de sócios e ex-sócios em comum”, com telefones e endereços idênticos. Mais, os sócios eram servidores públicos estaduais.
No rol desses investigados destacam-se Alisson Fernando Pereira Rocha, ligado a associações da cidade de Floriano, contempladas com R$ 1,180 milhão, e Cineas das Chagas Santos, vinculado à Fundação de Apoio Cultural do Piauí, que recebeu R$ 250 mil.
Entre os 264 premiados, 38 levantam grave suspeita
A PF não obteve da Secretaria de Cultura do Piauí documentos comprobatórios quanto à regularidade dos projetos, prestação de contas e efetivação dos projetos pelas entidades premiadas com recursos da Lei Aldir Blanc, criada para atender artistas deixados sem trabalho em razão da pandemia. Diz o inquérito da PF que o silêncio da Secult sobre isso, “fortalece os indícios de favorecimento e representam grave risco à regularidade na execução dos recursos”.
O inquérito se baseou ainda no fato de haver fortes vínculos pessoais entre os investigados citados – Alisson Rocha e Cineas Santos – e ex e atual secretário de Cultura do Piauí, Fábio Novo e Carlos Anchieta, este investigado por adquirir um imóvel na zona leste pago com dinheiro vivo.
Fabio Novo, por ser deputado estadual e ter prerrogativa de foro, teve os atos investigatórios sobre ele fixados em segunda instância judicial.
No pedido de instauração do inquérito policial para investigar as irregularidades, contudo, o procurador da República Kelston Pinheiro Lages afirma que a investigação foca em possível cometimento de crimes previstos na lei de licitações “por parte do secretário estadual de Cultura, sr. Fábio Novo e outras pessoas não identificadas”.
Ao instaurar o inquérito, que recebeu o número 2021.0072943-SR/PF/PI, a Polícia Federal pediu que a Superintendência da Corregedoria Geral da União no Piauí analisasse os fatos denunciados, que incluem a prática de “rachadinha” com os recursos desviados a partir de sua destinação a um “seleto grupo de artistas próximos de membros do governo”.
A “rachadinha” teria ocorrido em um ambiente em que haveria uma destinação dos recursos a pessoas ligadas ao secretário e ao Partido dos Trabalhadores, o PT.
PF apontou favorecimento de pessoas ligadas a SECULT e ao PT
O inquérito também se baseou na suspeita de recebimento de recursos em duplicidade por artistas que apresentaram projetos semelhantes em editais diferentes; e abertura de bares no litoral do Piauí com dinheiro de uma lei que deveria socorrer artistas atingidos pela pandemia.
Sócios em comum
No âmbito das investigações, a PF apurou haver uma série de empresas e entidades contempladas cujos sócios são as mesmas pessoas físicas.
O inquérito relaciona 38 empresas e não menos que 50 pessoas físicas a elas relacionadas que compartilhavam desde os mesmos telefones e endereços até mesmo os contadores chegavam a ser os mesmos – o que leva Polícia Federal a crer em uma ação orquestrada para cometimento de desvios dos recursos.
38 pessoas jurídicas, que a maioria apresenta vínculos entre si
Os indícios de que pode haver prática criminosa se fundamentam em fatos como as empresas favorecidas com recursos da Lei Aldir Blanc ter como sócios e ex-sócios as mesmas pessoas físicas; o mesmo endereço e telefone de cadastro na Receita Federal; vinculação das empresas porque sócios ou ex-sócios possuem os mesmos endereços e telefones; vinculação de sócios como servidores da Secretaria de Cultura; pessoas jurídicas sem histórico de atuação em atividades culturais.
Fonte: Portal AZ