Uma nova geração de agricultores brasileiros, mais abertos ao uso de tecnologias e com mais escolaridade, está levando o Brasil a elevar a produtividade no campo, desafiando potências como Estados Unidos e fazendo do país o principal fornecedor de commodities agrícolas do planeta.
O Brasil já é o maior exportador de soja e milho há alguns anos, mas na safra 2023/2024 desbancou os EUA como maior fornecedor global de algodão. E caminha para se transformar no maior vendedor global de café e carnes.
— O agricultor brasileiro, comparado a outros países, tem uma tendência maior a adotar novas tecnologias, trazendo mais produtividade ao agro brasileiro. Há um envelhecimento dos agricultores europeus e dos EUA. Por aqui, temos um perfil de produtores mais jovens, que estão em processo de sucessão — diz Leandro Giglio, pesquisador do Insper Agro Global.
Tome o exemplo dos Logemann, do Rio Grande do Sul. Frederico Logemann, de 42 anos, é da quarta geração da família de origem alemã que transformou o negócio dos antepassados na maior empresa agrícola em área plantada de soja e milho do mundo, com 674 mil hectares.
Logemann está no grupo do chamados agricultores digitalizados. Formado em Direito e Administração, ele ocupa um cargo comum a qualquer multinacional, mas relativamente novo numa empresa do agro: chefe de inovação da SLC Agrícola.
— Começamos nossa jornada digital trazendo conectividade às fazendas. Hoje, elas são 100% conectadas. Sem isso, não poderia usar os pluviômetros digitais (instrumento que mede a quantidade de chuva) que são ligados a um satélite — diz Logemann.
Nos EUA, agro ‘envelhecido’
O grupo tem 22 fazendas que colhem por ano 2,3 milhões de soja, milho e algodão em sete estados: Bahia, Piauí, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Maranhão e Goiás. No ano passado, foram R$ 7,2 bilhões em receita e R$ 983 milhões de lucro. É uma das poucas empresas do agronegócio com ações negociadas na Bolsa.
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A idade média do produtor brasileiro é hoje de 46 anos, enquanto nos EUA é de 58 anos. Na Europa, para cada produtor com menos de 40 anos, existem três com 65 anos.
É essa geração brasileira mais digital que está implementando monitoramento com drones, melhoramento genético, uso consciente de defensivos, além de trazer internet das coisas para averiguar em tempo real das condições do solo e do clima e usar plataformas digitais para gestão de suas propriedades.
Longemann conta que na sua empresa há quase 40 funcionários (incluindo cientista de dados) que trabalham para adotar e desenvolver novas tecnologias. Como na indústria 4.0, compara ele, são produzidos dados em todas as etapas de produção.
— Com a agricultura digital, consigo enxergar toda a operação e tomo decisões baseadas em dados. É a agricultura de gestão.
Os drones que mapeiam as fazendas usam inteligência artificial: o equipamento identifica ervas daninhas e faz a pulverização com precisão, apenas na área afetada. A economia com o uso de defensivos chega a 70%.
Para o combate às queimadas, que atingiram regiões do Pantanal e recentemente São Paulo, a SLC usa software próprio para monitorar em tempo real os focos de calor, por meio de georreferenciamento e imagens de satélite.
A riqueza gerada pelo agro (quase 25% do Produto Interno Bruto, segundo o IBGE) está atraindo profissionais que tinham migrado para grandes cidades. Sejam filhos de produtores ou gente interessada na atividade agrícola, hoje há um movimento reverso de “volta ao campo”. Como em todas as áreas digitais, também no agro existe um gargalo na mão de obra.
— Tem crescido o interesse pela formação de líderes no campo. Começamos treinando 134 pessoas e hoje já passaram pelo nosso programa mais de 5 mil pessoas — diz Fernanda Nonato, coordenadora de um programa de treinamento de líderes para o agronegócio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), completando que hoje a atividade no campo é encarada como uma carreira, não mais como a obrigação de “tocar o negócio da família”.
Segundo a agência de notícias Bloomberg, o envelhecimento da população rural americana é o último revés para um país que vem perdendo seu domínio agrícola há anos. Além disso, as relações entre EUA e China se desgastaram durante a guerra comercial de Donald Trump, ajudando o Brasil a conquistar mais mercado.
O déficit comercial agrícola dos EUA está estimado em US$ 32 bilhões este ano, um recorde. Já, por aqui, o saldo da balança comercial do agronegócio registrou um superávit de US$ 59,22 bilhões no acumulado até maio de 2024.
Os agricultores mais velhos nos EUA, com anos de experiência e investimentos, estão se aproximando da aposentadoria. Sem sucessores, vendem suas terras a grandes conglomerados, acelerando o declínio do agronegócio familiar. No estado americano de Illinois, o fazendeiro Brian Schaumburg, de 68 anos, não tem nenhum herdeiro disposto a tocar o negócio quando ele se aposentar.
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— Meus filhos não tinham interesse, e não posso culpá-los. Eles viram a seca e tudo o mais, como a vida pode ser difícil. Depois de três gerações de agricultores na família, a tradição vai acabar em mim. Um vizinho agora arrenda a minha terra — contou Schaumburg à Bloomberg.
As terras dos irmãos Jackson e Alexandre Schenkel ficaram arrendadas por 25 anos após a morte precoce do pai deles, Idécio Schenkel, aos 32 anos, um gaúcho que tinha migrado para o Mato Grosso para trabalhar no campo. Nesse período, os dois meninos se formaram em engenharia civil e agronomia, respectivamente, e hoje retomaram a produção de algodão e soja numa área de 3 mil hectares em três fazendas na cidade de Campos Verde.
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Estão na 15ª safra e, desde 2020, iniciaram a digitalização das lavouras. O investimento já passa de R$ 3 milhões. O primeiro passo foi trazer profissionais de tecnologia que implementaram drones, telemetria (tecnologia que permite recolher dados nas máquinas) e iniciaram o uso de produtos biológicos (insumos que utilizam ingredientes de origem natural para proteger e fertilizar as plantas).
— Com a imagem feita pelos drones, consigo analisar a saúde das plantas e se é preciso colocar mais adubo numa área. As informações da telemetria permitem saber se o adubo ou o herbicida foi aplicado corretamente. Aumentamos nossa produtividade em 8% ao ano com a digitalização — conta Jackson, de 43 anos.
Todo o algodão produzido nas fazendas é rastreado por georreferenciamento: é possível saber exatamente em que parte da fazenda foi produzida cada pluma de algodão. Isso permite identificar a origem e a qualidade dos produtos, além da sustentabilidade dos processos. Nesta safra, foram produzidos 13 mil toneladas de algodão e 20 mil de soja e outros grãos, como milho.
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Maurício Schneider, CEO da StartSe Agro, afirma que os grandes e os jovens produtores de grãos lideram a adoção de novas tecnologias, especialmente no Cerrado e na região do Matopiba (formada pelo estado do Tocantins e partes de Maranhão, Piauí e Bahia), citando levantamento da consultoria McKinsey. Pelo menos 65% dos produtores desses locais já adotam ao menos uma tecnologia.
Muitos desses jovens agricultores brasileiros, que pertencem à chamada geração Z (nascidos a partir de 1997), estão criando negócios tecnológicos para oferecer essas ferramentas a seus pares. São as chamadas Agtechs, que receberam investimentos de quase R$ 1 bilhão no ano passado.
Claudio Fernandes trabalhava com tecnologia e finanças, mas hoje atua no campo através da startup que fundou com o sócio, a Bio2Me, que tem como meta redefinir a relação entre agricultura e conservação ambiental no Cerrado brasileiro.
Ele herdou a fazenda do pai, em Goiás. A empresa busca a preservação da biodiversidade e também garante a rentabilidade de áreas preservadas ou improdutivas com o cultivo de bioativos, entre eles, o Baru e a Fava D’Anta.
— Quando herdei a fazenda, decidi que não apenas queria manter seu legado, mas também inovar com tecnologia. A introdução de inteligência artificial nos permite maximizar os rendimentos e garantir que cada decisão siga princípios de sustentabilidade.