Governo Lula mostra que não sabe lidar com assédio – 06/09/2024 – Mariliz Pereira Jorge

Num governo progressista, denúncias de assédio têm que ser apuradas de imediato. Fontes ouvidas por diversos jornalistas afirmam que relatos de um suposto comportamento inadequado do então ministro Silvio Almeida circulavam havia meses. Não há desculpas para que as acusações que pesam contra o titular da pasta de Direitos Humanos tenham ficado em banho-maria até que o caldo entornasse dessa forma e expusesse não apenas uma das supostas vítimas, que aparentemente não queria publicidade do caso, e o acusado, que afirma nem conhecer o teor das acusações.

O governo Lula mostra sua incapacidade de colocar em prática o discurso de proteção aos direitos humanos, dos direitos das mulheres, da luta contra a violência sexual, do combate ao assédio moral. Não adianta desenvolver protocolos para que as vítimas sejam atendidas, fazer campanhas para que as denúncias sejam feitas, criar uma rede nacional de apoio, quaisquer que sejam os mecanismos, se a instituição se mostra incompetente em garantir um ambiente saudável para seus próprios servidores. Não é aceitável que esse tipo de crime ocorra debaixo das barbas da administração pública.

Por enquanto, tudo é suposição, as denúncias chegaram à imprensa por meio do MeToo, organização que serve de apoio para que mulheres vítimas de violência rompam o silêncio. Não há informações concretas sobre as vítimas, não há relatos robustos sobre os episódios de assédios. O que há de palpável são pessoas babando de prazer por ver um homem ser desmoralizado, enquanto outro grupo sofre e nega de antemão as acusações contra o mesmo personagem, pela mesma razão, o currículo invejável em defesa dos direitos humanos e da causa negra.

Como estratégia, não me parece a melhor decisão do MeToo atropelar o devido processo legal e tornar público um caso tão emblemático como o que envolve dois ministros de Estado. O resultado é que Silvio Almeida começou a ser fritado com a declaração de Lula de que “não é possível a continuidade no governo” e com o empurrão da primeira-dama Janja e da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves. As duas postaram fotos com Anielle Franco, numa explícita demonstração de apoio, ao mesmo tempo que expõe um suposto ambiente tóxico dentro do governo e a inabilidade de lidar com a violência.

A decisão de denunciar um assédio não é fácil, passa pelo momento de reconhecer a agressão, da coragem de enfrentar julgamentos, de provar as acusações. A grande maioria das mulheres talvez ainda não tenha clareza sobre o crime, não encontre amparo psicológico e jurídico para romper ciclos de violência.

Mas Anielle Franco é ministra de Estado, ativista de direitos humanos, feminista. É sua responsabilidade desenvolver políticas públicas, colocar em prática ações que protejam negros, em especial mulheres negras. Ao não formalizar a acusação, abre espaço para especulações desnecessárias e demonstra fragilidade não-condizente com o cargo para lidar com a violência e deixa de servir de exemplo para uma sociedade tão carente de referências para mulheres que poderiam ver nela a força necessária para reagir.


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