As denúncias de assédio sexual que motivaram a demissão de Silvio Almeida do Ministério dos Direitos Humanos não são um caso isolado na esfera federal. Entre janeiro e agosto deste ano, a Controladoria-Geral da União (CGU) recebeu 557 denúncias do tipo envolvendo servidores de órgãos e repartições federais, numa média de dois casos por dia.
Registradas nas ouvidorias de cada órgão, as denúncias são compiladas por auditores da CGU em um sistema que monitora cada procedimento aberto. Os canais de contatos para as vítimas vão desde ministérios, autarquias ou universidades federais. Para proteger as vítimas, os nomes envolvidos no caso são preservados sob sigilo.
Os dados da CGU mostram que o número de denúncias de assédio sexual na esfera federal tem crescido ano a ano. Em 2023 foi quando houve mais registros, com 920 ao todo. Em 2022 foram 531. Já em 2021, 178.
Quem caracteriza cada denúncia como assédio sexual são os próprios auditores da CGU, que centraliza os casos que chegam das ouvidorias. Quando necessário, são acrescentados novos elementos de prova para, então, encaminhar os casos para apuração pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal.
Em 2024, a maior parte das denúncias estão relacionadas a órgãos subordinados ao Ministério da Saúde e a universidades federais. Procurados, CGU e Palácio do Planalto não comentaram.
Silvio Almeida foi demitido ontem um dia após a organização Me Too Brasil revelar ter recebido denúncias de assédio sexual contra ele. No caso dele, contudo, não houve registro no sistema oficial do governo. O então ministro negou as acusações, que chamou de “ilações absurdas” e, em nota após a demissão, disse que provará sua inocência.
“Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim. Toda e qualquer denúncia deve ter materialidade. Entretanto, o que percebo são ilações absurdas com o único intuito de me prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro”, afirmou o agora ex-ministro.
Entre as supostas vítimas de Almeida está a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (Igualdade Racial). Ela afirmou nesta sexta-feira em reunião com outros ministros no Palácio do Planalto que foi assediada pelo então titular da pasta de Direitos Humanos.
De acordo com o site Metrópoles, que revelou a denúncia contra Almeida, o então ministro teria tocado na perna de Anielle em uma reunião na Esplanada e dado beijos inapropriados ao cumprimentá-la, além de usar palavras de cunho sexual e baixo calão.
Ao se pronunciar pela primeira vez após a revelação do caso, a ministra disse, por meio de nota, que “não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência”, que “agir imediatamente é o procedimento correto” e que “contribuirá com as apurações, sempre que acionada”.
A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar as denúncias de violência sexual. Além disso, a Comissão de Ética da Presidência da República iniciou uma apuração e deu dez dias úteis para o agora ex-ministro se explicar.
Relatos desde o ano passado
Os relatos sobre um suposto caso de assédio sexual envolvendo Almeida já circulavam no gabinete de Lula havia pelo menos um ano. Em meados de 2023, o então titular do Direitos Humanos era citado como um dos nomes que poderiam disputar a indicação do presidente para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), aberta com a aposentadoria, em setembro, da ministra Rosa Weber.
Mas os relatos informais de um suposto caso de assédio sexual envolvendo o ministro chegaram ao gabinete de Lula e foram usados, de acordo com integrantes do primeiro escalão do governo, como argumento para descartar a possibilidade de Almeida ser escolhido para a Corte.
Em entrevista ontem à Rádio Difusora, o presidente disse que ficou sabendo na quinta-feira das denúncias de assédio sexual envolvendo Silvio Almeida. Segundo ministros, porém, os relatos informais das acusações já tinham chegado há algum tempo a Lula e à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. Não foi esclarecido, porém, se a própria Anielle contou o caso. Janja publicou nas redes sociais uma foto ao lado da ministra, de quem é amiga, após a história vir à torna.
A Secretaria de Comunicação Social (Secom) foi questionada, por e-mail e mensagens de WhatsApp, desde a noite de quinta-feira, se Lula sabia das acusações de assédio sexual contra o ministro de Direitos Humanos. Também foi perguntado como, quando e de que forma o caso chegou ao presidente. Até esta sexta-feira, não houve resposta.
O gabinete de Janja também foi questionado sobre o assunto. Não houve resposta.
Denúncias contra Pedro Guimarães
O governo de Jair Bolsonaro também enfrentou um escândalo sexual após denúncias contra Pedro Guimarães, então presidente da Caixa Econômica Federal, em 2022. Na ocasião, funcionárias do banco o acusaram de comportamentos que incluíam toques íntimos não autorizados, convites incompatíveis com a situação de trabalho e outras formas de assédio.
O caso tramita na Justiça Federal de Brasília, onde Guimarães virou réu numa ação que está sob sigilo. Em nota quando a denúncia foi aceita, o advogado do ex-presidente da Caixa, José Luis Oliveira, afirmou que a defesa “nega taxativamente a prática de qualquer crime e tem certeza que durante a instrução a verdade virá à tona, com a sua absolvição”. De acordo com o texto, “Pedro Guimarães confia na Justiça”.
Na carta de demissão, Guimarães afirmou que não teve tempo para se defender é que foi alvo de uma “situação cruel, injusta, desigual e que será corrigida na hora certa com a força da verdade”.