O historiador israelense Yuval Noah Harari, autor renomado de best-sellers internacionais como “Sapiens” e “Homo Deus”, lançou na terça-feira (03/09/2024) seu mais recente livro, “Nexus: Uma Breve História das Redes de Informação, da Idade da Pedra à Inteligência Artificial”. A obra explora o papel das redes de informação ao longo da história e faz um alerta sobre os perigos inerentes à inteligência artificial (IA). Em entrevista, Harari reflete sobre o rápido desenvolvimento dessa tecnologia, seus impactos sociais, políticos e culturais, e a necessidade urgente de regulamentação.
A Revolução das Redes de Informação
Em “Nexus”, Harari aborda como a evolução das redes de informação moldou a história da humanidade desde os primórdios. Ele traça paralelos entre invenções como a escrita, a imprensa e as modernas tecnologias digitais, destacando como cada uma delas influenciou grandes transformações sociais e políticas. A IA, no entanto, representa uma ruptura inédita, por ser a primeira tecnologia capaz de tomar decisões autônomas. Segundo o autor, essa capacidade coloca a humanidade em uma situação de vulnerabilidade, já que o poder decisório deixaria de estar exclusivamente nas mãos humanas.
A Ameaça da Inteligência Artificial
Harari argumenta que a inteligência artificial não é apenas mais uma ferramenta, mas sim um “agente autônomo” capaz de criar novos produtos, estratégias militares e até mesmo novas IAs. Ele destaca o perigo de que essa tecnologia seja utilizada por líderes autoritários para a criação de regimes de vigilância total, como já ocorre em alguns países. “Com a IA, um futuro ditador não precisaria de milhões de agentes humanos para espionar a população. Smartphones, computadores e drones fariam esse trabalho, e a IA processaria os dados”, adverte o historiador.
A Urgência da Regulamentação
Para Harari, a regulação da IA é imprescindível e deve ser tão rigorosa quanto a regulação de produtos, medicamentos e automóveis. Ele propõe a criação de novas instituições regulatórias, que seriam financiadas por impostos sobre os lucros das grandes empresas de tecnologia. Essas instituições teriam a função de identificar rapidamente os problemas causados pela IA e implementar mecanismos de autocorreção. “Quando você aprende a dirigir, a primeira coisa que ensinam é como usar os freios. Com a IA, também precisamos aprender a frear antes de acelerar”, ressalta.
O Futuro da Democracia e da Informação
Harari observa que, embora a tecnologia da informação seja mais sofisticada do que nunca, o mundo vive um momento de profunda crise democrática. Segundo ele, o excesso de “informação lixo” está minando a capacidade das pessoas de dialogar e de tomar decisões informadas. “Hoje, estamos inundados de informações carregadas de ganância, ódio e medo, o que adoece nossas mentes e sociedades. Precisamos de uma dieta informacional saudável”, defende. O autor rejeita tanto a visão utópica de que a verdade sempre prevalecerá naturalmente quanto a ideia de um governo centralizado atuando como um “Ministério da Verdade”. Ele defende um equilíbrio em que o poder de regulação seja compartilhado entre governos, corporações, mídia, academia e ONGs.
IA: Esperança ou Destruição?
A inteligência artificial, segundo Harari, tem o potencial de melhorar significativamente a qualidade de vida das pessoas, sobretudo em áreas como saúde e sustentabilidade. No entanto, ele alerta que os riscos associados à IA são igualmente elevados, principalmente se não forem implementadas salvaguardas adequadas. “A IA pode tomar decisões que nem sempre estarão alinhadas com os interesses humanos. O que acontecerá quando milhões de agentes autônomos começarem a criar coisas novas e a decidir nosso futuro?” questiona o historiador.
Brasil e o Populismo Digital
Harari menciona o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro como exemplo de um líder populista que usou a tecnologia da informação como arma política. Para o autor, o Brasil pode sentir os efeitos da revolução da IA antes de outros países, assim como aconteceu com a Revolução Industrial. Ele alerta que a falta de mecanismos de autocorreção na IA pode facilitar a ascensão de regimes autoritários, como já visto em outras partes do mundo.
Yuval Noah Harari encerra sua análise reiterando a importância de se abordar a inteligência artificial com cautela e responsabilidade. Ele enfatiza que, embora a IA possa trazer grandes avanços, é fundamental que as sociedades estejam preparadas para lidar com os desafios e as ameaças que essa tecnologia representa. A criação de um ambiente regulatório robusto e a distribuição de poder são elementos essenciais para garantir que a IA seja usada em benefício da humanidade e não como instrumento de opressão ou destruição.
Síntese do livro “Nexus: Uma Breve História das Redes de Informação, da Idade da Pedra à Inteligência Artificial” por Yuval Noah Harari
Em “Nexus”, Yuval Noah Harari traça um panorama abrangente sobre o papel fundamental das redes de informação na evolução humana, desde os tempos mais remotos até a era da inteligência artificial.
Ao longo dos últimos 100 mil anos, as sociedades humanas acumularam vastos conhecimentos e poderes, mas enfrentam agora crises sem precedentes, como o colapso ambiental e a disseminação de desinformação. Harari examina como o fluxo de informações moldou civilizações e serviu a diferentes fins, desde a canonização da Bíblia até o ressurgimento do populismo contemporâneo.
O autor explora a interação entre verdade e mitologia, burocracia e sabedoria, revelando como diferentes sistemas políticos usaram a informação tanto para avanços quanto para a destruição. Em meio à ascensão da inteligência artificial, Harari propõe uma reflexão profunda sobre o futuro da humanidade e os desafios impostos pela nova era da inteligência não humana.
O livro destaca a necessidade de escolhas responsáveis e a importância de redescobrir a essência da humanidade diante de tecnologias poderosas que ameaçam nossa existência.
*Com informações de Patrícia Campos Melo, do Jornal Folha de São Paulo.