afinal, quando os bilhões investidos vão dar retorno?

“Grandes provedores de nuvem e empresas de software corporativo vão conseguir lucrar o suficiente para pagar pela infraestrutura de inteligência artificial (IA)”? A pergunta, feita em um relatório do JP Morgan publicado na última terça-feira, tem sido cada vez mais frequente entre investidores de Wall Street.

“É preciso ter centenas de bilhões de dólares por ano em demanda”, afirma Michael Cembalest, presidente de Estratégia de Mercado e Investimento do JP Morgan. Assim como ele, analistas de grandes bancos e acadêmicos vêm, ao longo das últimas semanas, debatendo questões parecidas: os bilhões irrigados para expansão dessas ferramentas vão se justificar?

Essa não seria a primeira vez que o otimismo excessivo em torno da indústria de tecnologia elevaria o preço das ações a valores inflacionados para, depois, sofrer uma correção forte. No início dos anos 2000, essa foi a dinâmica da “bolha da internet” ou das pontocom, quando empresas do setor atraíram investimentos massivos sem, em muitos casos, apresentarem um modelo de negócios sólidos. O resultado foi uma valorização intensa de empresas pioneiras que depois quebraram.

Ross Sandler, analista do Barclays, projeta que os investimentos em IA entre os líderes do setor somem US$ 167 bilhões entre 2023 a 2026, para uma receita de US$ 20 bilhões no mesmo período. A conta parece não fechar. Mas Sandler ressalta que esses são apenas os “dias iniciais” da IA: “Tomando a Apple como exemplo, levou quase cinco anos após o primeiro aparecimento do iPhone para que os principais aplicativos nativos móveis surgissem, e hoje estamos há apenas 20 meses na onda da inteligência artificial.”

Cada ciclo de salto de computação envolve primeiro um momento inicial de construção de infraestrutura, depois o desenvolvimento de plataformas e, por fim, das aplicações. Foi assim com os computadores, a internet e os smartphones.

As ações de grandes empresas de tecnologia subiram com força ao longo deste ano, antes dos sobressaltos mais recentes, com a promessa de que a nova fronteira de IA, a inteligência artificial generativa — capaz de conversar com pessoas e criar textos, imagens e outros conteúdos — transformará empresas e indústrias. Os resultados econômicos passariam pela venda dos sistemas que elevariam a produtividade e a eficiência nas corporações.

A grande vedete deste movimento foi a fabricante de chips Nvidia, que viu seu valor de mercado em Bolsa disparar 2.300% em apenas cinco anos. Com isso, ela entrou no seleto grupo de empresas mais valiosas do mundo, ao lado das big techs mais “antigas”: Microsoft, Apple, Alphabet, Amazon e Meta.

Paula Zogbi, gerente de Research da Nomad, avalia que parte do mercado deixou de focar em ganhos imediatos para adotar a percepção de que os retornos serão mais demorados, porém estruturais. Mas ela ressalta que há uma cobrança maior por resultados. O investimento massivo em IA pelas empresas “era uma narrativa que funcionava no curto prazo”, mas agora o mercado quer “ver resultados financeiros”.

Esta semana, a Nvidia sentiu isso na pele. Apesar dos bons resultados trimestrais, suas ações desabaram porque as projeções para o resto do ano não eram tão otimistas como desejava o mercado. Em cinco dias, os papéis acumularam queda de 12,55%, o que apagou US$ 406 bilhões de seu valor de mercado, segundo a Bloomberg.

O desconforto entre os investidores também se reflete entre os aplicadores em capital de risco, que gerenciam fundos de venture capital. Em uma carta de junho, David Cahn, sócio da Sequoia Capital, uma das mais influentes do Vale do Silício, estimou que as big techs terão de sanar uma lacuna de até US$ 600 bilhões para recuperar os investimentos feitos em infraestrutura.

Para as empresas líderes em IA cujo negócio é a venda de softwares — caso de Google, Microsoft, Amazon e OpenAI — a adoção dessas ferramentas pelo setor corporativo é determinante para que elas possam garantir retornos dos investimentos massivos em chips, data centers e processadores.

— Não adianta grandes companhias falarem que o futuro está baseado em IA, quando sabemos que o presente tem uma série de problemas. O mercado financeiro como um todo está fazendo uma conta — diz Hugo Tadeu, diretor do Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da Fundação Dom Cabral.

As pesquisas sobre o apetite do setor privado com a inteligência artificial costumam mostrar certo entusiasmo sobre os benefícios da tecnologia para os negócios. Quando perguntados sobre o nível de adoção da tecnologia, no entanto, os resultados mostram barreiras como a integração com sistemas existentes.

No Brasil, a pesquisa mais recente da consultoria Bain & Company sobre o tema, obtida com exclusividade pelo GLOBO, indica que 60% das empresas veem a IA como um dos cinco temas prioritários para o seu negócio. A maioria (85%), no entanto, reconhece que ainda não tem capacidade para desenvolver e entregar projetos com inteligência artificial generativa.

— O nível de prioridade estratégica é alto, mas o que vemos é uma maturidade de entender que talvez as companhias não estejam preparadas para de fato aplicar a tecnologia. Eu diria que agora existe um realismo maior — afirma Lucas Brossi, sócio da Bain & Company, que ressalta que apenas 13% das empresas pesquisadas relatam ter usos em escala de IA generativa.

A percepção de que os benefícios financeiros da IA podem demorar está levando fundos a ajustarem suas estratégias, inclusive no Brasil. Maurício Lima, superintendente de produtos da Western Asset, afirma que a gestora incluiu ações de consultorias na sua carteira de empresas americanas, avaliando que elas serão essenciais para o processo de integração da IA nos negócios:

— Estamos pensando nessa segunda etapa do processo de adoção da IA. Porque não é só comprar o chip ou incluir o chat na intranet das empresas. É preciso incorporar a tecnologia ao dia a dia do negócio.

Pesam a favor da IA as projeções de que os ganhos virão com o aumento de produtividade. Mas ainda não há consenso sobre a dimensão disso. Economista sênior do Goldman Sachs, Joseph Briggs projeta ganho de 9% na produtividade e de 6,1% no PIB dos EUA na próxima década. Já o pesquisador do MIT Daron Acemoglu prevê apenas 0,5% de acréscimo na produtividade e de 0,9% no PIB americano.

Apesar das projeções diferentes sobre o “efeito inteligência artificial” na economia, há um certo consenso, até entre os céticos, de que a tecnologia é diferente de outras ondas que passaram pela indústria. Acemoglu, por exemplo, diz que “mudanças verdadeiramente transformadoras”, como em processos de descoberta científica, em testes de novos produtos e na criação de plataformas, ainda vão acontecer.

Identificar o que é hype (alvoroço temporário) das tecnologias substanciais passa por avaliar a “construção de valor para a sociedade”, diz Eduardo Ibrahim, especialista da Singularity Brazil:

— A IA, na minha visão, está em outra categoria entre coisas que surgiram, como o metaverso. Ela vai gerar valor real. Pode até passar por mini-invernos, mas não é hype.

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