BRASÍLIA – O Banco Central recomendou à Câmara dos Deputados a rejeição de um trecho do projeto de lei substitutivo do senador Jaques Wagner (PT-BA), já aprovado pelo Senado, sobre alternativas de fontes de recursos para a continuidade da desoneração da folha de pagamentos de empresas de 17 setores e municípios menores de 156 mil habitantes.
O texto seria votado na terça-feira, 10, pelos deputados, mas o alerta da autarquia travou o processo. Já eram quase 21h de terça, quando a sugestão da autoridade monetária foi formalizada por meio de uma nota técnica completa, que começou a chegar aos gabinetes das lideranças da Câmara.
Basicamente, o texto avalia o impacto do Projeto de Lei 1.847/2024 nas estatísticas macroeconômicas do setor fiscal compiladas pelo BC. O plenário do Senado aprovou em 20 de agosto o substitutivo de Jaques Wagner ao Projeto de Lei 1.847/2024, de autoria do senador licenciado Efraim Filho (União-PB). Para compensar a perda arrecadatória decorrente da prorrogação da desoneração, o PL estabeleceu um conjunto de medidas de ampliação de receitas.
O BC se atém na nota à previsão de transferência para a Conta Única de depósitos judiciais em três casos específicos e de recursos privados esquecidos em contas de depósitos em instituições financeiras. Esses recursos esquecidos são tecnicamente chamados de Sistema de Valores a Receber (SVR) e somam aproximadamente R$ 8,5 bilhões.
A nota técnica argumenta que, da forma como está redigido, o trecho do substitutivo obriga o BC a promover registro de superávit primário em “claro desacordo” com sua metodologia estatística e também indo de encontro às orientações do Tribunal de Contas da União (TCU) e ao entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
“Tendo em vista as diversas questões apresentadas nesta Nota Técnica sobre os dispositivos do P.S 136/2024 – PLEN envolvendo depósitos judiciais e outras contas de depósitos em instituições financeiras e seus impactos nas estatísticas macroeconômicas do setor fiscal, compiladas pelo BC, opinamos pela rejeição integral do § 2º do art. 45 da proposição legislativa (…)”, trouxe o documento de nove páginas obtido pelo Estadão/Broadcast.
A nota acrescenta que é recomendável que o assunto passe pela Procuradoria-Geral do Banco Central (PGBC) para que se manifeste sobre a constitucionalidade do projeto em trâmite na Câmara.
Recursos esquecidos
A nota técnica do Banco Central aborda três casos específicos de recursos esquecidos no Sistema Financeiro Nacional. O primeiro envolve os depósitos judiciais que podem levar à queda das dívidas líquida e bruta.
O BC detalha que, pelo projeto, os depósitos decorrentes de processos judiciais e extrajudiciais dos quais a União seja parte ficarão a cargo da Caixa Econômica Federal. A instituição, por sua vez, realizará sua transferência diretamente para a Conta Única do Tesouro Nacional.
Em caso de decisão da autoridade judicial ou administrativa favorável à administração pública, a conta de depósito será concluída sem a incidência de remuneração. Em caso de decisão contrária, haverá o levantamento do valor pelo titular da conta, acrescido de correção monetária.
Trata-se, portanto, da movimentação de recursos ao longo do tempo em processos que envolvem a União, em transações regulares do governo, conforme o documento. “Para esta situação, respeitando o critério de caixa adotado nas estatísticas fiscais (do BC), os recursos que entrarem na Conta Única, no momento desse ingresso, deverão ser computados como superávit primário nas Necessidades de Financiamento do Setor Público”, explicou a nota.
Como consequência, segundo a autarquia, haverá redução da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) pelo montante dos recursos transferidos. Ocorrerá também a redução da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), devido à diminuição gerada no estoque de operações compromissadas. No caso de decisão desfavorável à União, a saída dos recursos da Conta Única terá efeitos simétricos, ocasionando déficit primário, e ampliação da DLSP e da DBGG.
No final de agosto, o BC foi questionado por jornalistas sobre os impactos em suas estatísticas dos valores deixados em bancos e na Justiça, no chamado Sistema de Valores a Receber (SVR), mas o chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, preferiu não fazer suposições e aguardar a definição das leis. O SVR conta com aproximadamente R$ 8,5 bilhões. “Esses casos estão em discussão no Congresso. Eu não tenho os detalhes ainda de como vão ser. A legislação não foi aprovada”, disse Rocha na ocasião.
O que é a desoneração da folha
A desoneração da folha de pagamentos foi instituída em 2011 para setores intensivos em mão de obra. Juntos, eles incluem milhares de empresas que empregam 9 milhões de pessoas. A medida substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática, em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas.
Por decisão do Congresso, em votações expressivas, a política de desoneração foi prorrogada até 2027, mas acabou suspensa por uma decisão liminar do STF em ação movida pelo governo federal. A alegação é que o Congresso não previu uma fonte de receitas para bancar o programa e não estimou o impacto nas contas públicas.
O Legislativo, porém, argumenta que medidas foram aprovadas para aumentar as receitas da União e que a estimativa de impacto estava descrita na proposta aprovada. O ministro da Fazenda anunciou, então, um acordo para manter a desoneração em 2024 e negociar uma cobrança gradual a partir do próximo ano.
O cerne da discussão passou a girar em torno das compensações da desoneração da folha de pagamentos. A equipe econômica insiste em uma medida que represente receitas para os próximos anos.
Ela vale para 17 setores da economia. Confira abaixo quais são:
- confecção e vestuário
- calçados
- construção civil
- call center
- comunicação
- empresas de construção e obras de infraestrutura
- couro
- fabricação de veículos e carroçarias
- máquinas e equipamentos
- proteína animal
- têxtil
- TI (tecnologia da informação)
- TIC (tecnologia de comunicação)
- projeto de circuitos integrados
- transporte metroferroviário de passageiros
- transporte rodoviário coletivo
- transporte rodoviário de cargas