O que levou a elaborar esse conteúdo foi a matéria jornalística que saiu no Jornal Gazeta do Amapá no dia 12/09/2024, página 5, intitulada: “No Amapá, garimpos ilegais são desativados em Porto Grande e Pedra Branca do Amapari”. Os locais foram identificados por análise de dados de sensoriamento remoto e ficam às margens do rio Cupixi, abrangendo áreas da Floresta Estadual do Amapá (FLOTA) e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru. Além de garimpos também foi identificado pelo órgão ambiental do Estado com o apoio da Delegacia Especializada em Crimes Contra o Meio Ambiente (DEMA) e da Companhia Fluvial do Batalhão Ambiental da Polícia Militar nesses locais embarcações e locais suspeitos na busca de madeiras, carvão ou transporte ilegal da fauna e tráfego de animais silvestres.
Esse episódio reflete o que acontece nos 9 (nove) Estados da Amazônia Legal, nas Unidades de Conservação de Uso Integral e de Uso Sustentável. Não é nenhuma surpresa esses episódios, visto que as Auditórias do Tribunal de Contas da União (TCU) e Tribunal de Contas dos Estados (TCE) da Amazônia Legal, e Metodologia Rappam da WWF, desde 2005, vem identificando carência de capital humano e financeiro, além de ferramentas de gestão ambiental para administrar essa imensidão de modelos de uso sustentável e de proteção integral implantado pelo Estado-União, em que são enviadas notificações/informações para os órgãos de meio ambiente da União, do Estado e para o Ministério Público Federal e Estadual, sem nenhuma efetividade de controle.
Vale ressaltar que em relação as áreas protegidas, a Amazônia Legal possui 45% do território composto por Áreas Protegidas. Essas políticas públicas foram principalmente incentivadas por organizações não governamentais presentes na Amazônia Legal, por exigências de países europeus, e finalmente nos Tratados Internacionais nas quais o Brasil é signatário, para demonstrar que o país prioriza ecossistemas representativos, assegura os direitos das comunidades tradicionais, e que tem preocupação com a política de mudanças climáticas.
A Política Pública que o país utiliza para tratar do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), advém da Lei Federal n.º 9.985, de 18 de julho de 2000 e do Decreto n.º 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamentou a lei.
Deste modo, a lei que trata do SNUC, no artigo 7°, realiza a divisão das unidades de conservação em dois grandes grupos. O primeiro desses dois grupos é o das “Unidades de Proteção Integral”, sendo possível apenas o uso indireto dos recursos naturais e de atividades como educação, pesquisa cientifica e turismo. O segundo grupo é o das “Unidades de Uso Sustentável”, são as unidades em que permite à presença e atividade humana, em que se busca compatibilizar a conservação com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.
Deve-se ressaltar que entre 2003 e 2008, o Brasil foi responsável pela criação de 74% das áreas protegidas em todo mundo. Sabe-se que essa política ambiental necessita de condições suficientes à implementação e à boa gestão desses territórios. Atualmente existem 2.446 unidades de conservação federais e estaduais em todo o Brasil, das quais 329 unidades de conservação encontram-se na Amazônia Legal, sendo que desse total 145 são federais e 184 estaduais. Quando ao regime de modalidades 117 são de Proteção Integral e 212 de Uso Sustentável (CNUC, 2020).
As Auditórias do TCU e do TCE chegaram as seguintes constatações quanto a adoção de políticas públicas com implantação de unidades de conservação: i) Subutilização do potencial de uso público (visitação, turismo e recreação) dos Parques Nacionais; ii) Baixo número de concessões florestais onerosas, deixando-se de se promover a exploração legal de madeira nas Florestas Nacionais e Estaduais; iii) Dificuldades na promoção de atividades nas Reservas Extrativistas, em função dos obstáculos ao acesso dos recursos naturais, condições precárias de produção/comercialização e menor atratividade econômica do extrativismo florestal não madeireiro; iv) Insuficiência das pesquisas e no monitoramento da biodiversidade, que gera problemas na mensuração e comunicação dos resultados alcançados na proteção do patrimônio natural e na promoção do desenvolvimento socioambiental das unidades de conservação.
No que concerne ao item quanto às Condições de Trabalho o resultado das Auditórias do TCU e TCE chegaram as seguintes análises: i) Inexistência, inadequação e baixo grau de implementação dos Planos de Manejo, nos quais se estabelece o zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área da unidades de conservação e o manejo dos seus recursos naturais. Apenas 42% das unidades de conservação federais do bioma Amazônia possuem Plano de Manejo aprovado; ii) Recursos financeiros incompatíveis com as necessidades de gestão; iii) Recursos humanos incompatíveis com as necessidades de gestão; iv) Pendências relevantes de regularização fundiária e de consolidação de limites, causando dificuldades à gestão das unidades de conservação e conflitos pela posse e uso da terra.
O método Rappam da WWF aplicado em 2005, demonstrou que a maioria das unidades de conservação apresentava efetividade de gestão na faixa considerada Baixa (menor que 40%), tanto no grupo de Proteção Integral (50%) quanto no de Uso Sustentável (67%) e que nem 10% das unidades estavam na faixa Alta (maior que 60%). Por sua vez, no ano de 2015, a distribuição das unidades foi 12% na faixa Baixa, 58% na Média (de 40% a 60%) e 31% na Alta. Para as UCs de uso integral, o desempenho foi 18% na Baixa, 33% na Média, e 49% na Alta. Mesmo resultado vem se repetindo nos anos seguintes, demonstrando que as Unidades de conservação não cumprem seu objetivo para qual foram criadas.
Desta maneira, fica demonstrado que a implantação e a ampliação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e de Proteção Integral na Amazônia Legal não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem sua integridade e, portanto, os serviços ecossistêmicos que justificam sua proteção, ao contrário é notório o processo de grilagem de terras, atividades econômicas ilegais, principalmente exploração madeireira, de minérios, e agressões aos povos tradicionais que habitam nestes territórios continuam sobrevindo.
O abandono das áreas protegidas é socialmente trágico, compromete a posição do Brasil como reconhecida potência ambiental, provoca a violação do estado de direito, sacrifica imenso patrimônio cultural e traz prejuízos econômicos nem de longe compensados pela renda advinda da extração predatória dos recursos destes territórios. O Brasil, detentor da maior biodiversidade do Planeta, não tem como garantir este ativo apenas por meio de áreas protegidas de papel, pois ficou demonstrado isso na Auditória do TCU, TCE e Metodologia Rappam da WWF.
Dessarte, a grande questão que se debate hoje é que através desses resultados da Auditória do TCU, TCE e do método Rappam, fica comprovado que as Unidades de Conservação implantadas no Brasil, não vêm cumprindo com seu papel, visto que as áreas já criadas ainda não atingiram plenamente os objetivos que motivaram sua criação como uma estratégia eficaz para conservar a fauna, a flora, os serviços ambientais, conter o desmatamento, manter as comunidades tradicionais seguras nesses bioma, e manter o equilíbrio climático do Planeta, exatamente por ausência de ferramentas de gestão como plano de manejo, plano de uso, instituição e fortalecimento de conselho gestor, corroborado por ausência de logística, de infraestrutura, de capital humano, de capital financeiro, de ciência e tecnologia, para usufruir dessas riquezas com a inclusão do homem no modelo de uso sustentável, bem como ausência de atividades de visitação, do turismo, e da recreação em unidades de conservação de proteção integral, permitindo, dessa forma, uma visão sistêmica da política pública de áreas protegidas na região Amazônica.
O resultado dessas Auditórias, aponta que as Unidades de Conservação de Uso Sustentável e de Proteção Integral, são de papel, sem Instrumentos e Ferramentas de Gestão Ambiental, com ausência de documentos básicos e elementares, exigidos pela Lei n.º 9.985, de 2000 e pelo Decreto n.º 4.340, de 2002, que disciplinam o SNUC, fato impeditivo para concessão de licenças ambientais pelas famílias que residem nessas Unidades de Conservação de Uso Sustentável ou área de entorno.
Quanto as Unidade de Conservação de Proteção Integral, não diferem, apesar de não permitirem a convivência humana para proteger biomas representativos, são imensas áreas criadas sem estruturas físicas e de capital humano, que ficam submetidas a todas as formas de exploração indiscriminadas, visto que estão sem a fiscalização, o controle, e o monitoramento ambiental estatal.
Esse modelo tem que ser repensado na Amazônia Legal, principalmente para as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, em que é permitido atividades produtivas constante em seu Plano de Manejo, entretanto para otimizar essas atividades produtivas é necessário regularização fundiária, para obter as licenças ambientais junto aos órgãos de meio ambiente, e de provocar a verticalização das cadeias produtivas existentes nessas áreas e as de entorno. E que principalmente esses recursos de ativos ambientais internacionais sejam revestidos para empoderar as cadeias existentes através da bioeconomia, e da agroecologia.
Atividades esporádicas como realizado pelos órgãos de meio ambiente do Estado-União, na maioria das vezes impulsionada por denúncias da sociedade ou de exigência do Ministério Público, não dá resultado eficaz, visto as carências detectadas pelas Auditórias do TCU, do TCE, e da Metodologia Rappam da WWF, que vem desde o ano de 2005 se repetindo com as mesmas variáveis detectáveis de ausência de ferramentas de gestão ambiental e de regularização fundiária, demonstrando que esse modelo de política pública não obteve seu objetivo esperado, ao contrário, configurou-se como modelo excludente, de puro calote fundiário, de dar destinação de terras devolutas e remanescente sem reconhecer as posses legitimas centenárias existentes, com o único objetivo de atender as pressões internacionais de manutenção da floresta em pé.