BRASÍLIA – O governo Lula anunciou nesta sexta-feira, 20, que “liberou” R$ 1,7 bilhão em despesas no Orçamento deste ano. Embora tenha aumentado o bloqueio de gastos em R$ 2,1 bilhões diante do crescimento de despesas obrigatórias, como aposentadorias, a melhora na projeção de receitas levou à reversão do contingenciamento de R$ 3,8 bilhões que havia sido feito em julho. A decisão surpreendeu e gerou críticas de economistas (leia mais abaixo).
“Com o aumento de R$ 2,1 bilhões do valor bloqueado e a reversão dos R$ 3,8 bilhões contingenciados, a contenção total diminuiu em R$ 1,7 bilhão em relação ao 3º bimestre, passando de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões”, diz o Ministério do Planejamento e Orçamento em nota no 4º relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas. No bimestral anterior, em julho, o governo havia anunciado um congelamento de R$ 15 bilhões.
Nesse cenário, o governo federal diminuiu em R$ 400 milhões a projeção de déficit para 2024. Agora, a estimativa é de que as contas públicas fechem no vermelho em R$ 28,3 bilhões – levemente acima do piso da banda (intervalo de tolerância) permitido pelo arcabouço fiscal, que autoriza um resultado negativo de até R$ 28,8 bilhões neste ano. O centro da meta, porém, estipula déficit zero.
A decisão de reveter o contigenciamento e liberar R$ 1,7 bilhão em despesas evidenciou que a equipe econômica segue perseguindo o piso da meta fiscal. Em março, a Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle (Conorf) do Senado Federal já havia alertado para os riscos dessa estratégia – sinal que foi repetido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em agosto e nesta semana.
Segundo o relatório, as despesas primárias foram revistas para cima em R$ 11,82 bilhões, enquanto as receitas foram aumentadas em R$ 1,99 bilhão. Houve, porém, um forte aumento das despesas não administradas pela Receita Federal, com a incorporação de medidas que integram o pacote de compensação da desoneração da folha de empresas e municípios (leia mais abaixo).
Segundo o economista Paulo Henrique Duarte, da Valor Investimentos, a medida surpreende negativamente, porque o governo faz o ajuste fiscal sempre com a inclusão de receitas extraordinárias, sem reduzir gastos de fato.
“A medida surpreende negativamente, no sentido de que são sempre fatos novos. Na prática, o governo está de novo operando na linha da receita. O contingenciamento foi revertido por conta de receitas extraordinárias. O ministro (da Fazenda) Fernando Haddad, devido a reformas, está aumentando a arrecadação de toda forma. Mas o que a gente vê não é um esforço fiscal, mas um esforço para manter o gasto que eles querem fazer”, disse.
Qual a diferença entre bloqueio e contingenciamento?
No contingenciamento, o governo congela despesas quando há frustração de receitas, a fim de cumprir a meta fiscal (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida). Para este ano e para 2025, a meta é de zerar o déficit das contas públicas.
Como a meta tem uma banda (intervalo de tolerância) de 0,25 ponto porcentual do PIB para cima e para baixo, o governo cumpre a meta desde que não extrapole o piso da banda – ou seja, um déficit de R$ 28,8 bilhões.
Já o bloqueio é realizado para cumprir o limite de despesas do arcabouço fiscal. Assim, quando há aumento de gastos obrigatórios (como aposentarias, por exemplo), o governo bloqueia despesas não obrigatórias (como custeio e investimentos) para compensar.
Baixa no Carf e alta de dividendos
Entre as receitas, houve redução no valor previsto com julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A projeção de arrecadação, que já havia caído de R$ 55 bilhões para R$ 37,7 bilhões no último relatório, agora recuou para apenas R$ 847 milhões entre setembro e dezembro deste ano. Até 6 de agosto, o governo só tinha conseguido levantar R$ 83,4 milhões com essa rubrica.
O governo também passou a incorporar às expectativas de receitas três medidas que integram o pacote de compensação da desoneração da folha de empresas e municípios – aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula nesta segunda-feira, 16.
A incorporação dos depósitos judiciais e extrajudiciais em favor da União – que hoje passam pela Caixa, mas que demoram a ser repassados ao Tesouro – renderão, segundo o governo, R$ 6,3 bilhões, como antecipou o Estadão. Há também a incorporação dos depósitos judiciais de processos já encerrados, o quais foram estimados em R$ 8 bilhões.
Já para o “Desenrola” das agências reguladoras, programa que permite a renegociação de multas aplicadas pelas agências e não pagas pelos punidos, a equipe econômica projeta R$ 4 bilhões adicionais neste ano.
Não foram previstas, porém, as receitas advindas da atualização do valor de imóveis e do uso do “dinheiro” esquecido por pessoas físicas e jurídicas em contas de instituições financeiras – ambas também integram o pacote de compensação da desoneração.
No caso do dinheiro esquecido, como mostrou o Estadão, o governo terá de fazer uso de algum instrumento legislativo para corrigir trechos da lei já sancionada. Isso porque, devido a imprecisões na redação, a equipe econômica corre o risco de não ter acesso aos cerca de R$ 8,6 bilhões disponíveis no Sistema de Valores a Receber (SVR) do Banco Central.
Despesas em alta
Os gastos com Previdência subiram R$ 8,3 bilhões, alcançando R$ 931 bilhões. Os créditos extraordinários aumentaram R$ 3,56 bilhões; subsídios, subvenções e Proagro (espécie de seguro rural para pequenos e médios produtores) subiram R$ 1,87 bilhão.
Já as despesas com o BPC, benefício pago a pessoas idosas e com deficiência de baixa renda, saltaram R$ 300 milhões. O programa, cuja despesa tinha disparado no último relatório, em julho, passa por um “pente-fino” de revisão de cadastros no governo.
Fora da meta
O governo revisou para pior a projeção do déficit primário “real” deste ano, ou seja, que considera todas as despesas que foram excluídas da meta, como a ajuda ao Rio Grande do Sul, o combate às mudanças climáticas e os precatórios (dívidas judiciais da União).
No último relatório, a projeção era de déficit de R$ 61,34 bilhões, e agora é de R$ 68,83 bilhões, uma piora de R$ 7,46 bilhões. Na prática, esse é o número que vai ter impacto sobre o endividamento público. No total, há 40,4 bilhões legalmente excluídos do teto de despesas do arcabouço e da meta fiscal