As novas projeções de receitas e despesas para 2024 divulgadas nesta sexta-feira (20) afastam o fantasma de uma nova mudança da meta fiscal por agora. Porém, as dúvidas sobre resultados futuros persistem. A causa é uma combinação de despesas que crescem de maneira firme, receitas obtidas no peito e na raça e um resultado primário afetado por uma série de exceções.
A avaliação nos bastidores da equipe econômica é que o governo não pode chegar nessa condição precária ao ano eleitoral de 2026. Ajustes na estrutura das despesas precisarão ser feitos, e essa é uma discussão para 2025.
Aos números: em comparação com as projeções de julho, as despesas vão crescer R$ 11,8 bilhões, atingindo R$ 2,24 trilhões. As receitas líquidas avançarão R$ 4,4 bilhões, para R$ 2,17 trilhões.
Com isso, o resultado primário projetado é um déficit de R$ 28,3 bilhões, o que significa que a meta de déficit zero será cumprida dentro da margem de tolerância, que admite um resultado negativo de até R$ 28,8 bilhões.
Mais uma vez, o crescimento das receitas deverá assegurar o cumprimento da meta fiscal. O relatório traz boas e más notícias nesse campo.
As más: reconhece uma frustração de cerca de R$ 35 bilhões nas receitas brutas esperadas com os julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), após o restabelecimento do voto de desempate a favor do governo. Em termos líquidos para a União, a perda é da ordem de R$ 25 bilhões. Admite também que as receitas com outorgas de concessões ficarão R$ 3,5 bilhões menores do que o esperado.
As boas: a revisão para cima da projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,5% para 3,2%, alta na projeção de inflação, ajustes no preço do barril de petróleo e no câmbio elevaram as estimativas de recolhimento de tributos em aproximadamente R$ 6 bilhões.
A incorporação das medidas aprovadas pelo Congresso Nacional para compensar a manutenção de desoneração da folha deverão trazer R$ 18,3 bilhões a mais. Por fim, o governo espera mais R$ 10 bilhões em dividendos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Este ano, a arrecadação foi ajudada por receitas que não vão se repetir na mesma magnitude. É o caso, por exemplo, de R$ 6,3 bilhões em depósitos judiciais “empoçados” na Caixa, R$ 4 bilhões do “Desenrola” de agências reguladoras, tributação de estoques das empresas offshore, e dos fundos exclusivos, programas de autorregularização de dívidas de contribuintes, transações.
As despesas, por sua vez, seguem em trajetória firme de alta. Na comparação com julho, os gastos com Previdência foram recalculados e ficaram R$ 8,3 bilhões maiores.
O resultado primário de R$ 28,3 bilhões apresentado pelo governo não leva em conta um conjunto de despesas que ocorrem fora das regras fiscais e que somam R$ 40,5 bilhões. É o caso dos créditos extraordinários para calamidades e da recomposição dos limites de despesa do Judiciário e do Conselho Nacional do Ministério Público.
Assim, a rigor, a diferença entre receitas e despesas é de R$ 68,8 bilhões.
Especialistas têm criticado a tentativa de expandir despesas fora das regras fiscais. Por exemplo, o programa Pé-de-Meia ou uma possível expansão do auxílio-gás, ambos transitando fora do orçamento. Com tantas exceções, dizem, o resultado primário não reflete totalmente o que acontece com as contas públicas, nem seu impacto sobre o endividamento.
Nesta semana, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou que haverá mais créditos extraordinários para atender os Estados atingidos por queimadas. Ele pediu aos governadores que encaminhem seus pleitos o mais rapidamente possível.
No relatório passado, de julho, o governo contingenciou R$ 3,8 bilhões (para garantir o cumprimento da meta de resultado primário) e bloqueou R$ 11,2 bilhões (para não superar o limite de despesas estabelecido pelo arcabouço). No total, foram congelados R$ 15 bilhões em gastos.
Como as receitas aumentaram R$ 4,4 bilhões no atual relatório, o contingenciamento foi totalmente revertido. No entanto, alertou uma fonte da área econômica, nem todas as despesas que haviam sido contidas por esse instrumento serão liberadas. O governo optou por utilizar parte desses recursos para fazer desbloqueios. Assim, o congelamento cairá para R$ 13,3 bilhões, mas o governo ainda vai decidir quais gastos vai retomar.
A expectativa na área econômica é que as novas projeções permitam encerrar o drama de cumprimento ou não da meta este ano. A questão que resta, para governo e mercado, é o que vem à frente.
Paradoxalmente, o bom desempenho da arrecadação este ano (crescimento real de 9,47% até agosto) agrava as pressões pelo lado dos gastos daqui para a frente. Cerca de 70% das despesas do orçamento são corrigidas conforme o desempenho das receitas ou conforme a inflação (mediana de 4,35% este ano, no Focus).
É contra essas regras automáticas de crescimento que a área econômica quer investir, sabendo que o espaço político para isso é estreito.
Por enquanto, a contenção de despesas se resume ao pente-fino de R$ 25,9 bilhões em benefícios pagos indevidamente em 2025.
Outras propostas estão em debate na área econômica, mas não se sabe se serão concretizadas. É o caso, por exemplo, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que pode passar a ser corrigido apenas pela inflação (e não conforme a regra do salário mínimo, que agrega também o crescimento do PIB de dois anos antes), ou do abono salarial, que pode ser redesenhado para ser pago mensalmente (hoje é anual) conforme a renda familiar per capita do beneficiado (hoje é pago a quem ganha até dois salários mínimos).
Esses debates deverão ser deflagrados após as eleições municipais e adentrar 2025. A intenção dos técnicos é que a proposta de orçamento de 2026, a ser encaminhada ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto de 2025, já traga uma composição mais sustentável entre receitas e despesas.
A revisão da estrutura de gastos será importante também para ampliar o espaço de despesas discricionárias (não obrigatórias), entre as quais estão os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e outras iniciativas que animam palanques. Esse espaço tem diminuído a cada ano.
Se mudanças na estrutura das despesas não vierem por convicção sobre os benefícios de contas públicas ajustadas, o motor poderá ser o pragmatismo político.
Se não houver avanços, o cumprimento da meta fiscal seguirá como um drama e poderá ser pauta nas eleições de 2026.