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Uma portaria do Ministério da Fazenda estabelece essa proibição apenas a partir de janeiro, quando entram em vigor todas as regras de regulamentação do mercado.
No entanto, as transações com cartão de crédito são cerca de 3% do total, dizem fontes do setor. Anteontem, um levantamento feito pelo Banco Central (BC) mostrou que, somente via Pix, os brasileiros transferiram este ano cerca de R$ 20 bilhões por mês para plataformas de apostas e cassinos on-line, no primeiro dado oficial a dimensionar o crescimento desse mercado.
O presidente do BC, Roberto Campos, manifestou preocupação sobre o impacto da atratividade desses jogos no endividamento das famílias, principalmente as mais vulneráveis. Em agosto, estima-se que cinco milhões de pessoas de famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões às empresas de apostas por Pix.
Os dados acenderam o sinal amarelo no governo, que vinha preparando a regulamentação do setor para entrar em vigor em janeiro de 2025. Se esse volume se mantiver, significa um gasto anual de R$ 240 bilhões apenas por Pix. O valor é muito superior ao que a própria equipe econômica estimativa nos bastidores, algo na casa de R$ 100 bilhões.
‘Tratar como cigarro’
A ideia na Fazenda é reforçar mecanismos para desestimular o uso descontrolado dessas plataformas. Ontem, o ministro Fernando Haddad falou em “tratar jogos como cigarros”. O secretário-executivo da pasta, Dario Durigan, afirmou que o tema é uma “preocupação enorme” para o ministério e que as plataformas autorizadas a operar no país serão obrigadas a compartilhar informações com o governo para o controle do endividamento por CPF.
Anteontem, o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, reuniu técnicos da Fazenda, do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça para discutir como conter o vício em jogos on-line e educar os usuários, mas não houve decisão sobre o que fazer.
Por parte das empresas do setor, antecipar o veto ao uso de cartão de crédito é uma tentativa de responder ao governo, ao Congresso e a entidades empresariais diante de críticas pelos gastos com jogos. O uso de cartão em jogos tem sido criticado por varejistas e pelos bancos porque é uma forma de endividar quem aposta.
— Faremos essa recomendação de forma expressa, até para demonstrar para os órgãos governamentais e para a mídia que essa preocupação também é nossa. Nós acreditamos que abrir para cartão de crédito a coisa fica sem controle. A gente é uma indústria de entretenimento — disse ao GLOBO Plínio Lemos Jorge, presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias. — Eu conversei com todos os nossos associados, e 100% vão seguir.
Na terça-feira, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a declaração de inconstitucionalidade da lei que regulamentou as apostas esportivas, as chamadas bets, sancionada pelo presidente Lula em dezembro do ano passado. A CNC também quer que a legislação tenha os efeitos suspensos até que o julgamento seja concluído.
Para a entidade, a liberação de jogos on-line está causando “prejuízos incalculáveis à economia doméstica, em especial ao comércio varejista, bem como à saúde mental dos apostadores”. A ação argumenta que as apostas virtuais “representam verdadeiro risco à situação financeira de muitos indivíduos, especialmente aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade”.
A regulamentação das apostas on-line e jogos eletrônicos começou a ser elaborada pelo Ministério da Fazenda ainda em 2023, com a publicação da lei aprovada no Congresso, que foi seguida por várias portarias temáticas. Uma delas prevê, por exemplo, o veto ao uso do cartão de crédito em plataformas de apostas, mas isso valeria apenas a partir de 1º janeiro de 2025, também a data a partir de qual apenas empresas licenciadas poderiam operar.
Porém, a Fazenda antecipou essa regra e vai pedir o bloqueio de todas as plataformas que não tenham solicitado autorização (com pagamento pela licença) a partir de 1º de outubro.
As empresas de apostas esportivas vão exigir autodeclaração de renda para os apostadores e terão de criar limites de valor dos jogos e a programação do tempo gasto pelos usuários nas plataformas para mitigar o vício e o endividamento de apostadores on-line.
A plataforma terá de monitorar esse apostador em todas as suas atividades e, na prática, dar condições também ao governo de fazer esse controle.
Se é um apostador que tem um perfil de renda não compatível com as apostas, por exemplo, em um primeiro momento a plataforma terá de fazer um alerta, dizendo que a aposta descolou do perfil do usuário. Caso ele insista, será imposta uma pausa obrigatória.
No limite, o governo vai determinar o banimento do jogador. O governo também planeja formas de limitar a publicidade dessas plataformas e promover ações educativas.
— A aposta, no agregado, é sempre motivo de perda, porque a banca sempre ganha. Tem que ter conscientização que pode ser opção de lazer, que o jogo tem que ser responsável, que tem que ser feito com cuidado, seja de saúde mental ou endividamento — disse Durigan.
O secretário afirmou que as operações da Polícia Federal que envolvem essas plataformas já contam com informações de inteligência da Receita Federal e da Secretaria de Jogos e Apostas. Ele também disse que a maior parte do problema com as apostas on-line no Brasil vem de empresas fraudulentas, “aventureiras”, já que as empresas sérias, que patrocinam vários setores da economia, querem que as pessoas “fiquem bem”.
Ao comentar o estudo do Banco Central, Haddad reconheceu o volume elevado de recursos direcionados para as bets, destacando que essas empresas atualmente não pagam imposto.
— Nós tínhamos pressa em regulamentar para evitar o que está acontecendo — afirmou.
Responsável pela gestão do Bolsa Família, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, afirmou ter solicitado informações sobre as apostas dos beneficiários do programa à Fazenda e ao Banco Central. Segundo ele, a regulamentação do setor vai considerar a situação das pessoas mais vulneráveis, mas a pasta não deve proibir beneficiários do programa de apostar:
— O Bolsa Família transfere um dinheiro livre para a família e tem por objetivo combater a fome e atender a necessidades básicas de pessoas em situação de insegurança alimentar e outras vulnerabilidades. Tudo faremos para manter estes objetivos.
Monitoramento: empresas serão obrigadas a identificar e classificar o risco de apostadores. Operações suspeitas terão que ser comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Empresas terão de fazer campanhas sobre risco de vício e limitar apostas segundo critérios de tempo, quantidade de jogos, valor gasto e obrigar usuários a fazer pausas.
Veja as regras para os jogos
- Cartão de crédito: o uso para pagamento de apostas será proibido. Serão permitidos Pix, transferência eletrônica (TED), cartão de débito ou pré-pago. Apostadores não poderão usar dinheiro, boletos, cheques e ativos virtuais.
- Jogo responsável: as empresas serão responsáveis por alertar o jogador sobre os riscos de dependência. O operador deve suspender apostadores em risco alto de dependência. Dados de navegação deverão ser usados para identificar indícios de vício.
- Cadastro: a partir do ano que vem, as plataformas terão que impedir o cadastro ou limitar o acesso a pessoas que tenham um diagnóstico comprovado por laudo médico de vício em jogos. Usuários que estejam impedidos de apostar por decisão administrativa ou judicial devem ser barrados.
- Publicidade: as empresas serão legalmente responsáveis pela publicidade de seus afiliados, revendedores pagos pela marca para fazer propaganda, como influenciadores na internet. As bets deverão seguir regras de “jogo responsável” e não veicular publicidade de apostas não autorizadas.
- Ganhos: antes da aposta, a plataforma precisa disponibilizar tabelas das possibilidades de ganho. No momento da aposta, deve ser indicado o fator de multiplicação que define quanto o jogador receberá.