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A praia brasileira que criou ‘economia do Bitcoin’ inspirada em exemplo polêmico de El Salvador

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Uma praia na vila de Jericoacoara, a 300 km de Fortaleza, capital do estado do Ceará, é a primeira “Economia Circular de Bitcoin” do Brasil.

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Na costa oeste do estado, a vila, apelidada de “Jeri” (a Jijoca de Jericoacoara), cresceu em popularidade nos últimos anos, tanto entre brasileiros como entre turistas internacionais. Já em 1994, foi eleita pelo The Washington Post uma das dez praias mais bonitas do mundo e lugar ideal para a prática de windsurfe (a navegação de prancha de vela).

A Praia Bitcoin Jericoacoara, um dos lugares paradisíacos que compõem o complexo natural que circunda a vila, foi inspirada no “experimento pioneiro” da Bitcoin Beach de El Salvador, o pequeno país da América Central que incorporou, sob a liderança  polêmica de seu presidente “fã dos EUA”, Nayib Bukele, a utopia neoliberal de uma economia atrelada à criptomoeda: em 8 de junho de 2021, o país declarou o Bitcoin uma moeda de troca legal. A “Lei Bitcoin”, que a estabeleceu, passou com 62 votos de ‘sim’ entre 84 deputados.

Desde então, El Salvador já teve de tomar um empréstimo junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional), que exigiu que o país interrompesse a compra do ativo para circulação.

O empréstimo de US$ 1,4 bilhão veio para a contenção dos déficits fiscais acentuados do país (superiores a US$ 8 bilhões em 2023), motivado sobretudo pelas importações e o parco crescimento da economia, que negociou vários títulos abaixo de 30 centavos de dólar em 2022 e não conseguia pagar nem sequer os salários do setor público.

A quantia do FMI foi concedida em parcelas que deveriam ser pagas ao longo de 40 meses, mas a ministra da economia de El Savador, Maria Luisa Hayem, fez indicações de que o critério adotado pela instituição, a interrupção da compra pública de Bitcoin, não seria cumprido, e a aquisição da criptomoeda se seguiria como “projeto do governo” para o acúmulo, tanto público quanto privado, do ativo.

Apesar disso, a legislação de El Salvador foi alterada para que os pagamentos em criptomoeda já não fossem obrigatórios em todo o país, e o Estado não pudesse mais pagar suas dívidas usando Bitcoin. 

Mas “o projeto da Bitcoin Beach”, a praia que forma uma economia circular baseada na criptomoeda, “está criando um ecossistema sustentável de Economia Bitcoin na costa de El Salvador”, diz seu website oficial.

“Desde o começo, o Bitcoin nos prometeu ‘bancar os desbancarizados’ [as pessoas sem acesso a contas bancárias], e devolver o poder de governos e instituições financeiras ao indivíduo”, dizem os idealizadores. “Os moradores podem pagar suas contas de serviços públicos (telefone, água e eletricidade), cuidados médicos, alimentação e até cortes de cabelo usando Bitcoin na Lightning Network”.

A Lightning Network é uma “segunda camada” projetada sobre a rede de transações do Bitcoin, que estabelece canais de pagamento bidirecionais (‘peer-to-peer‘) entre seus participantes.

Assim como em El Salvador, a praia brasileira afirma integrar com sucesso “mais de 100 trabalhadores locais, 400 alunos de escola pública e 30 comerciantes” na “Economia Bitcoin de Jericoacoara”, sem necessitar de conexão com a internet ou cartões de débito tradicionais, isto é, sem acesso a contas bancárias.

O que se usa, por outro lado, é um “cartão de débito de Bitcoin”, o Bolt Card, que permite comprar em estabelecimentos locais.

Em 2022, de acordo com a Forbes, a praia recebeu 1,23 BTC em doações da Bitcoin Beach, do grupo de criadores da Bitcoin Beach Wallet e de mais 400 doadores anônimos.

A ideia surgiu em 2020, durante a pandemia de COVID-19 que assolou o Brasil e o mundo, quando os rendimentos caíram consideravelmente entre os lugares que sobrevivem do turismo. O projeto começou oficialmente em 2021, e marcou o início também do primeiro serviço de transações Lightning no Brasil.

Até os vendedores de frutas nas ruas da praia de Jericoacoara passaram a aceitar Bitcoin como pagamento.

A campanha de doações anônimas, no entanto, continuou: para pagar com Bitcoin, é preciso ter a moeda em circulação. E a moeda só pode ser obtida através da mineração.

Ela está, além disso, atrelada a um movimento de especulação permanente.

“A maioria das pessoas que estão [nesse empreendimento] são especuladoras”, e “a principal utilidade para as criptomoedas no Brasil é o investimento”, dizem especialistas à revista Forbes.

Um risco essencial, portanto, envolve a economia local (pequena e circular): qualquer pagamento feito hoje está imediatamente sujeito às volatilidades do mercado minerador e especulador do Bitcoin, que passa por quedas periódicas e não está abarcado por garantias fiscais.

O maior benefício para os comerciantes locais na adoção do sistema de pagamentos cripto é “fugir das taxas” das maquininhas de cartão tradicionais, como os sistemas Visa e Mastercard.

“O Lightning descentraliza os serviços financeiros e dá o poder de volta aos indivíduos”, diz o idealizador do projeto da Praia Bitcoin brasileira.

É um sonho de liberdade, de fato, utópico: não ser controlado por instituições (ou melhor: ser controlado por “algumas poucas” instituições financeiras), ter uma moeda que circule sem estar atrelada a qualquer regulação (o que exclui, também, garantias), e estar sujeito, para isso, às instabilidades do mercado especulador e da dificuldade de se obter novos recursos, que costumam chegar via “doações”.

O projeto de Jericoacoara se tornou um porta-voz do Bitcoin no Brasil. Embora pequeno e ainda em desenvolvimento, já organiza feiras e convenções localmente para estimular o conhecimento sobre a criptomoeda e seu uso. Um centro cultural de mesmo nome, “Praia Bitcoin”, foi inaugurado em Jericoacoara no final de 2024.

A vila já é a terceira do Brasil em número de turistas internacionais: são mais de 1,2 milhão de visitas por ano. Além de cardápios em dólares, a vila se moderniza, agora, para aceitar os ativos de moedas digitais.

Críticos dizem que está se tornando “superturística” e cada vez mais privativa. Embora a Jijoca de Jericoacoara seja área de preservação ambiental, a região que a envolve está em disputa de propriedade desde 1995. Uma única empresária, Iracema Correia São Tiago, afirma ser dona de cerca de 80% das terras da vila, com documentos de compra que datam de 1983 e indicam porções de terra adquiridas pelo ex-marido.

Em 2022, o Parque Nacional de Jeri foi aprovado para concessão à iniciativa privada, em texto assinado no Diário Oficial da União (DOU) por Paulo Guedes, então ministro da Economia. E, em 2024, um leilão concedeu o Parque Nacional de Jericoacoara à iniciativa privada por R$ 61 milhões: o vencedor foi o Consórcio Dumas, formado pela mesma empresa que já administra as Cataratas do Iguaçu e Fernando de Noronha, o grupo Cataratas.

O edital, estruturado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), foi criticado por moradores e estabeleceu um valor a ser cobrado dos visitantes para garantir a manutenção da área de conservação. A Taxa de Turismo Sustentável, como é chamada, é de R$ 41,50 por pessoa para uma permanência de 10 dias, mas o contrato de concessão estabelece que pode variar até R$ 120 a partir do quinto ano da assinatura.

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