
Região exportou, em 2024, 540 milhões de dólares em produtos para os EUA
02 Ago 2025 14:00
Por mais de uma década, o comércio entre Estados Unidos e Brasil se fortaleceu ancorado por interesses comuns em setores como agricultura, energia e aeronáutica. Mas em um único ato, um decreto executivo assinado no dia 30 de julho, o presidente americano Donald Trump rompeu esse equilíbrio. Com base na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA), Trump impôs uma tarifa de 50% sobre a maior parte dos produtos brasileiros exportados aos EUA. A medida, segundo ele, é uma resposta a “ameaças incomuns e extraordinárias” à política externa e à segurança nacional americana, ameaças que, na visão do republicano, estariam sendo promovidas pelo sistema judiciário brasileiro contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A taxa vai começar a valer no dia 6 de agosto. Com essa decisão, a temperatura das relações bilaterais voltou a níveis de tensão inéditos desde os anos 1980. Cidades como Ribeirão Preto, Sertãozinho, Cravinhos e Jardinópolis, que têm forte presença do agronegócio, agroindústria e manufatura leve, têm também história comercial já consolidada com os norte-americanos. “A princípio, pode parecer que a tarifa afeta apenas o comércio exterior, mas desencadeia um efeito cascata: se exportamos menos, produzimos menos; se produzimos menos, contratamos menos ou investimos menos”, explica o consultor econômico José Rita Moreira. Segundo ele, a medida de Trump deve causar “um soluço na cadeia econômica da região”, afetando desde o agronegócio de alta performance até pequenas transportadoras e prestadores de serviço que orbitam em torno do setor exportador.
Embora o decreto exclua produtos como suco de laranja, energia, aeronaves civis e fertilizantes, setores como café, carnes, calçados e produtos industrializados sentirão impacto direto. A Zinho Indústria de Alimentos, que nasceu em Ribeirão Preto e exporta pães e massas para o mercado internacional, é uma das empresas que já se movimentam diante da instabilidade gerada pela decisão americana.
“Uma tarifação desse nível certamente vai impactar os custos e, consequentemente, o preço final ao consumidor nos Estados Unidos”, explica Jaime Fabreti Jr., gerente internacional de vendas da empresa. “Isso nos obrigaria a aplicar uma estratégia de reposicionamento dos produtos da Zinho, agregando à marca e à categoria valores relacionados ao fato de serem produtos com poucos ingredientes e de baixa industrialização.”
Segundo Fabreti, há um interesse crescente dos consumidores americanos por alimentos naturais e com menor grau de processamento, o que pode abrir espaço para a valorização de itens como os produzidos pela empresa brasileira. “Nosso diferencial está na simplicidade e na qualidade. Vamos explorar isso ao máximo caso as tarifas avancem.”
Outras empresas locais tratam o tema com cautela. Pelo menos três que exportam, uma de produtos de amendoim, uma de produtos de mel e outra de usina de cana-de-açúcar, preferiram não comentar o assunto até a data do início do chamado “tarifaço”. Fabreti afirma que, embora os pedidos contratados antes do anúncio da tarifa não tenham sido afetados, o clima mudou. “A partir da divulgação da medida, o mercado naturalmente ficou mais cauteloso e nos questionou sobre a continuidade dos contratos”, relata. “Caso as tarifas se efetivem, teremos que ajustar nossa rota estratégica de exportação para os EUA.”
A empresa já se prepara para redirecionar parte de sua produção para outros mercados, como o México, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, países com os quais mantém relações comerciais estáveis. Além disso, avalia a entrada em novos mercados, como o Canadá e países da Europa, que vêm demonstrando interesse por alimentos brasileiros de valor agregado.
Hoje, as exportações respondem por cerca de 5% do faturamento da Zinho. A meta, segundo o executivo, é triplicar esse percentual nos próximos dois anos. E, curiosamente, a crise com os EUA pode acelerar a diversificação. “Embora a tarifa seja um desafio, ela também nos empurra a olhar para outros horizontes e explorar oportunidades que estavam no radar, mas que agora se tornam prioridade.”
Ao contrário de uma previsão mais alarmista, a empresa sediada em Ribeirão Preto não fala em demissões ou retração da produção local. Segundo Fabreti, a previsão é investir na ampliação de sua capacidade produtiva. “Neste momento, estamos colocando em prática um projeto de expansão para atender à crescente demanda do mercado interno, que representa 95% das nossas vendas. Isso implica em novos investimentos e geração de empregos.”
CAFÉ, CARNE E ETANOL
A região de Ribeirão Preto, especialmente nas áreas limítrofes com Franca e Alta Mogiana, é produtora de cafés especiais, nicho que tem ganhado espaço crescente nos Estados Unidos, sobretudo nos segmentos gourmet e orgânico. Com a tarifa de 50%, a margem de lucratividade desses produtores pode simplesmente evaporar. “Na relação comercial cafeeira entre EUA e Brasil, as nações são imprescindíveis uma à outra, uma vez que os cafés brasileiros representam uma fatia superior a 30% do mercado cafeeiro norte-americano, sendo o principal fornecedor ao país, ao passo que os EUA respondem por 16% das exportações do produto nacional, sendo o principal destino de nossas exportações”, explica Márcio Ferreira, presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
Ele diz que os produtores vão trabalhar para, ao menos, incluir o café na lista de exceções de alvos norte-americanos. “A cada US$ 1 que os EUA importam de café, são injetados outros US$ 43 na economia americana”, argumenta Ferreira.
“O risco é perder mercado para Colômbia, Peru ou até Etiópia, que não estão sujeitos a esse tipo de bloqueio”, explica Moreira. Além disso, há o risco de retrocesso em práticas de sustentabilidade. “Quando o mercado internacional paga bem, o produtor investe mais em qualidade, certificações e boas práticas. Sem isso, pode haver regressão”.
O setor sucroalcooleiro, histórico pilar da economia regional, ainda tenta entender se haverá impacto direto. Embora o etanol e seus subprodutos estejam isentos da tarifa, o receio é que a medida acirre disputas comerciais globais, fazendo com que os Estados Unidos inundem o mercado internacional com produtos mais baratos e subsidiados, deslocando exportações brasileiras para fora de suas rotas tradicionais. Um interlocutor da Usina São Francisco, sediada em Sertãozinho, diz que certamente haverá impacto, “mas ainda é cedo para precisar o tamanho”.
Já no setor de carnes, especialmente a bovina, a preocupação é direta. O Brasil é o segundo maior exportador de carne para os EUA, e frigoríficos da região, embora não estejam entre os maiores exportadores diretos, são parte de uma cadeia que fornece insumos, equipamentos, embalagens e serviços. Com menos carne embarcada para os EUA, há um efeito dominó, e Ribeirão pode sentir parte desse impacto.
Em Sertãozinho, indústrias que fabricam peças, máquinas agrícolas, caldeiras e equipamentos industriais para usinas dependem em parte de contratos internacionais, inclusive com integradores que vendem para os EUA. “A tarifa pode gerar um represamento de negócios. Mesmo que nossa empresa não exporte diretamente, muitos dos nossos clientes exportam. Se eles desaceleram, nós desaceleramos também”, explica Márcio Trindade, diretor de uma metalúrgica que emprega mais de 120 pessoas na cidade.
Esse tipo de efeito indireto é o mais difícil de medir e, por isso mesmo, o mais perigoso. Ele pode não aparecer nas estatísticas de exportação de imediato, mas se traduz em postergação de pedidos, cancelamento de investimentos ou demissões pontuais.
NOVOS HORIZONTES
Nos dias que separaram a ameaça de Trump e a assinatura do decreto na capital dos Estados Unidos para os produtos brasileiros, cerca de 40 empresários da região foram ao Paraguai participar de uma série de reuniões com autoridades locais para conheceram melhor a política fiscal do país para adotarem estratégias que aumentem e reforcem acordos comerciais.
Na comitiva estiveram representantes de diversos setores, incluindo manufatura, tecnologias ambientais, ferramentas industriais, logística, agricultura, pecuária, construção, bancos, entre outros. Segundo Alexandre Mendonça, um dos coordenadores da comitiva e sócio da empresa Triunfae, o grupo já tem um novo retorno ao país em setembro para seguir com as tratativas de negócios. “Essa integração entre Brasil e Paraguai, que sempre teve boa relação diplomática, pode ser ainda melhor e os dois países serão beneficiados”.
O passo dado pela comitiva de empresários deve ser uma tendência natural, principalmente para o agronegócio brasileiro, caso as tarifas persistam. “Se os Estados Unidos comprar menos do Brasil, vai precisar comprar de outros mercados. Esses outros mercados vão redirecionar seus produtos e consequentemente haverá algum local descoberto. É nesses locais que os produtos brasileiros podem prosperar”, explica o economista Luciano Nakabashi.
Apesar de procurar novos compradores, a expectativa de Jaime Fabreti é de que o cenário evolua como em situações semelhantes no passado. “Acreditamos que as negociações irão evoluir, assim como ocorreu em outros casos nos quais também foram anunciadas tarifas alfandegárias elevadas. A questão central é quando e em que nível as tarifas serão definidas.”
Foto: Célio Messias/Governo de SP
