Um estudo da Semrush, realizado em junho de 2025 com base em 150 mil citações, mostrou que 40,1% das respostas de modelos de linguagem como ChatGPT e Perplexity se apoiam em conteúdos do Reddit. Logo atrás aparecem a Wikipedia, com 26,3%, e o YouTube, com 23,5%. Até o Google, que é a principal referência de busca no mundo, ficou praticamente empatado com o YouTube, citado em 23,3% dos casos.
Na sequência, o ranking revela outras fontes que dificilmente seriam associadas a relatórios sofisticados: Yelp (21%), Facebook (20%), Amazon (18,7%) e Tripadvisor (12,5%). Mapbox e OpenStreetMap, plataformas de mapas colaborativos, também aparecem com 11,3% cada. E, entre as redes sociais, o Instagram soma 10,9%.

Isso significa que uma parte relevante do que chamamos de “inteligência” artificial vem de fóruns de opinião, marketplaces, redes sociais e plataformas de reviews. Em outras palavras: não é raro que a base de uma resposta polida e convincente seja um post anônimo ou um comentário subjetivo de alguém emitindo uma opinião.
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A confiança que não é medida
O dado vai de encontro com a confiança que os usuários têm na IA. Dados recentes indicam que ela ainda é limitada: mundialmente, menos da metade das pessoas confiam — apenas 41% nos EUA. Entre os americanos, 47% querem dar uma boa dose de credibilidade à tecnologia, mas apenas 22% confiam ‘na maior parte das vezes’ ou mais. Ou seja: a maioria encara a IA com cautela, confiando nela apenas ‘às vezes’ ou até menos
Outro levantamento, da KPMG, apontou que 61% dos executivos brasileiros acreditam que a IA generativa vai melhorar a tomada de decisão estratégica, embora menos da metade soubesse explicar de onde vêm os dados utilizados. O que está em jogo não é só a tecnologia em si, mas a assimetria entre a confiança no resultado e a fragilidade da base mais genérica.
O espelho da internet
O ranking da Semrush também mostra como a IA reflete a própria lógica da internet. O Reddit, maior fórum aberto de discussão do mundo, tem 70 milhões de usuários ativos diários e concentra debates sobre qualquer tema. A Wikipedia, apesar de suas fragilidades, é consultada por mais de 1,7 bilhão de visitantes únicos por mês. O YouTube, por sua vez, já superou os 2,7 bilhões de usuários ativos mensais.
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Não é surpresa que esses ambientes dominem a dieta de dados da IA. A surpresa está em como o produto final é recebido: o mesmo comentário que, no Reddit, seria lido como uma opinião pessoal, pode ser devolvido pela IA como uma explicação sofisticada, sem aviso explícito de que a fonte original era um fórum colaborativo.
O risco invisível
Essa transição gera riscos concretos. Em áreas sensíveis como saúde e finanças, uma informação mal interpretada ou não verificada pode impactar decisões relevantes. Se a base de conhecimento inclui marketplaces como Amazon ou Walmart, que aparecem no ranking com 18,7% e 9,3% das citações, há um viés comercial implícito que raramente é percebido pelo usuário final.
As análises mostram que o viés da IA já preocupa investidores: o Banco da Inglaterra já levantou a bandeira: “a adoção generalizada de modelos de IA por traders pode transformar decisões isoladas em tendência de massa, ampliando choques de mercado. O uso de algoritmos semelhantes por diferentes players aumenta a correlação entre posições e, assim, eleva o risco sistêmico.”
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O ceticismo como habilidade do futuro
No fundo, o debate não é apenas sobre tecnologia, mas sobre nós mesmos. Passamos a última década insistindo que hard skills eram o diferencial competitivo. Hoje, a era da IA escancara que a capacidade crítica, a leitura atenta e o ceticismo são mais valiosos do que nunca.
A inteligência artificial pode organizar o caos, mas não substitui o discernimento humano. E, diante de uma máquina que bebe de fóruns, redes sociais e enciclopédias abertas, confiar sem questionar é correr o risco de tomar como verdade a opinião de um anônimo qualquer.
O dado mais importante do estudo não é o domínio do Reddit, mas a lembrança de que nenhuma tecnologia elimina a necessidade do pensamento crítico. Ao contrário: quanto mais sofisticada a IA, mais indispensável se torna a habilidade humana de duvidar.

