
A professora Luce estava preocupada. Os relatórios da plataforma digital mostravam que João, 10 anos, errava sistematicamente as mesmas questões de matemática. A inteligência artificial já tinha proposto exercícios extras, videoaulas personalizadas, gamificação. Nada funcionava.
Então Luce fez o que a máquina não faz: parou para escutar João. Descobriu que ele não enxergava o quadro direito, se sentia intimidado por colegas e, em casa, a mãe estava desempregada. Os “erros em frações” eram sintomas, e não a doença.
— A IA me deu o mapa — conta Luce — Mas só eu podia ler o território.
Essa é a diferença entre ter tecnologia na escola e ter educação com tecnologia. Uma alimenta sistemas. A outra cria pontes humanas.
O que já funciona por aí
Pelo Brasil, escolas públicas e privadas estão descobrindo como usar IA sem perder a alma. Três estratégias se destacam:
1. Diagnóstico que libera tempo para cuidar
Em escolas de Minas Gerais, plataformas adaptativas mapeiam as dificuldades de cada aluno em português e matemática. O diferencial, entretanto, não está nos algoritmos. Está no que os professores fazem a partir dos dados. Em vez de apenas prescrever mais exercícios, eles criam rodas de conversa sobre os erros, transformam dificuldades em projetos colaborativos, usam os dados para criar estratégias diferentes, como formar grupos de estudo heterogêneos, onde alunos mentores apoiam outros alunos.
2. Criação colaborativa entre humanos e máquinas
No projeto CrI.Ativos da Favela, em São Paulo, jovens das periferias usaram IA para criar curtas e clipes sobre suas próprias vivências. A tecnologia ajudou na produção, mas foram eles que escolheram as histórias, definiram os roteiros, decidiram quais vozes seriam amplificadas. O resultado foi a criação de narrativas autênticas que nenhum algoritmo sozinho criaria.
3. Automação que humaniza
Em uma escola de Porto Alegre, professores usam IA para corrigir exercícios e liberar tempo para o que chamam de janelas de escuta, momentos protegidos na rotina para conversas individuais, projetos criativos e resolução de conflitos. A máquina cuida do mecânico enquanto o professor cuida do essencial.
Os sinais de alerta
E como pai ou mãe, você pode perceber rápido quando algo não vai bem. Fique atento se:
- A eficiência virou obsessão: a escola só fala em “otimizar resultados” e “acelerar aprendizagem”, mas não menciona escuta, criatividade, pensamento crítico ou bem-estar emocional.
- Os dados viraram rótulos: relatórios automáticos classificam seu filho como “baixo rendimento” sem considerar contexto familiar, momento emocional ou diferentes inteligências e capacidades.
- O professor virou operador: o educador apenas aplica o que a plataforma recomenda, sem questionar, adaptar ou personalizar para a realidade da turma.
O que você pode observar
Na escola do seu filho, observe se existe:
- Tempo para imprevistos: boas escolas com IA reservam espaço para conversas não programadas, projetos que nascem da curiosidade dos alunos, situações que nenhum algoritmo previu.
- Questionamento crítico: alunos são ensinados a perguntar: “Por que a IA me recomendou isso? Que informações ela tem ou não tem sobre mim? O que está faltando nesta resposta? Que vieses estão contidos nessa resposta?”
- Diversidade de vozes: a tecnologia é usada para amplificar diferentes culturas e formas de conhecimento, ou apenas para reproduzir padrões dominantes?
O futuro que queremos
Há uma transformação cultural profunda em curso. As IAs estão personalizando atividades, traduzindo idiomas instantaneamente e criando simulações impossíveis há pouco tempo, mas essa tendência vai se acelerar.
A questão mais importante que temos de ter em mente é:
Queremos uma educação que premia a memorização ou que estimula o pensamento autônomo, crítico e enraizado em valores? Que entrega dados ou que respeita e valoriza a individualidade de cada um?
Seu filho vai crescer em um mundo cheio de máquinas inteligentes. Mais do que nunca, ele precisa de alguém que o ensine a ser profundamente humano. Alguém que use a tecnologia como ponte, nunca como muro.
Porque crescer não é apenas absorver informações. É aprender a dar sentido ao mundo, construir vínculos verdadeiros e descobrir quem se é e o que se sonha em meio a tanta novidade.
A IA dá respostas, mas o professor dá sentido.
Bônus: 3 sinais de que a escola do seu filho faz bom uso da tecnologia
- Transparência nos dados: a escola explica como coleta, usa e protege informações dos alunos, e você pode acessar o que sabem sobre seu filho.
- Professor protagonista e autônomo: educadores decidem como e quando usar IA, adaptando ferramentas às necessidades reais da turma.
- Espaço para o analógico: tecnologia convive com livros, conversas, brincadeiras ao ar livre e atividades manuais.
📩 Queremos ouvir você: como a tecnologia já está presente na escola do seu filho? Suas experiências podem inspirar outras famílias e virar tema de futuras colunas. Compartilhe nas redes com a #ProfessorAmpliado ou me envie um email: rafaelparente@gmail.com.
