Prever o futuro pode ser divertido, mas o juiz Amit Mehta não parecia estar nesse clima ao anunciar as medidas esperadas há anos no processo antitruste contra o Google.
Embora o caso se concentre em como o Google conquistou sua dominância na busca ao longo das últimas duas décadas, o juiz também considerou o que está por vir: o avanço dos chatbots de IA, como o Gemini, que podem se tornar o principal portal de informação para milhões de pessoas.
Esse ponto é especialmente relevante para profissionais da mídia, muitos dos quais ficaram decepcionados com o fato de as sanções não terem sido mais duras. Mehta descartou soluções de grande impacto, como obrigar o Google a vender o Chrome ou o Android, mas reconheceu os assistentes de IA como parte central da infraestrutura de distribuição de informação no ecossistema midiático.
Eles não são idênticos aos mecanismos de busca, mas, segundo o juiz, há sobreposição suficiente para que sejam tratados de forma semelhante: “…os casos de uso de mecanismos de busca gerais e chatbots de IA generativa ‘não são idênticos, mas se sobrepõem em vários pontos’, como em um diagrama de Venn”.

A decisão indica que os tribunais passarão a tratar os assistentes de IA como canais de distribuição críticos, em pé de igualdade com navegadores e mecanismos de busca. Ainda não está claro como isso se dará na prática, mas uma coisa já está definida: os veículos de mídia precisam se preparar para esse futuro agora.
A inteligência artificial não é um recurso extra ou uma funcionalidade complementar. Mesmo com falhas, as ferramentas de IA são o novo campo de batalha pelo espaço da informação – tal como o SEO já foi no passado.
As regras são diferentes para os mecanismos de resposta de IA (regidos pelo chamado GEO, ou generative engine optimization), mas o objetivo principal é o mesmo: ser a fonte citada.
DA LÓGICA DO CLIQUE À LÓGICA DA CITAÇÃO
À medida que os mecanismos de IA ganham popularidade, cresce em paralelo a tendência de queda no tráfego de busca. Isso era esperado, mas relatórios do Pew Research e da Similarweb colocaram números concretos nessa realidade desconfortável e em rápida aceleração.
Além disso, o relatório mais recente da TollBit sobre o estado dos bots mostrou a escalada meteórica da coleta de dados por IA e as baixíssimas taxas de cliques a partir dos resumos produzidos por essas ferramentas.

Esse cenário tem provocado pânico no setor de mídia, que depende em grande parte do tráfego vindo dos mecanismos de busca para gerar impressões publicitárias. Mas a obsessão pela receita acaba obscurecendo outros benefícios menos tangíveis do ranqueamento: visibilidade de marca e autoridade, tanto para publicações quanto para jornalistas.
Essa lógica também vale para as respostas geradas por IA. Embora a taxa de cliques seja quase nula, o usuário ainda vê a fonte citada, mesmo que apenas como uma nota de rodapé. É como ser citado no telejornal da noite: não gera receita direta, mas reforça a credibilidade. Em outras palavras, a impressão ainda importa.
Se a sua publicação aparece repetidamente em respostas de IA, isso pode gerar demanda indireta. A recorrência de um nome em respostas consideradas confiáveis pode influenciar a decisão de um leitor em assinar, recomendar ou acompanhar um veículo ou jornalista.
O VALOR OCULTO DOS RESUMOS DE IA
Isso não quer dizer que esses benefícios intangíveis compensem a perda de receita do tráfego de referência. Mas ajudam a responder à pergunta: “por que competir para aparecer em resumos de IA?”
Não é como se monetização estivesse fora de questão: grandes publicações continuam assinando acordos de licenciamento com empresas de IA; a Perplexity está desenvolvendo um sistema de compartilhamento de receita; e programas de pagamento por rastreamento, como os da Cloudflare, seguem crescendo.
Na prática, disputar espaço em respostas de IA e medir esse desempenho será essencial quando chegar a hora de negociar licenciamento com essas empresas. Não se descarta que decisões judiciais acabem impondo esse debate, principalmente agora que o juiz Mehta reforçou a importância dos portais de informação baseados em IA.
o novo desafio será tratar os portais de IA como verdadeiras portas de entrada para o público.
Sejamos francos: se você optar por ficar de fora, outro veículo será citado. Como os usuários não apenas leem, mas copiam respostas – e até as inserem em documentos ou páginas da web (a Perplexity, por exemplo, tem até um botão para isso) –, o efeito pode se multiplicar, já que parte desse conteúdo acaba sendo usado em novos treinamentos de IA ou em rastreamento na web.
Como as respostas dependem mais de citações do que de links, pode ser difícil desbancar um concorrente que já tenha conquistado espaço em resumos populares.
Outro ponto que a decisão destaca é que, no mundo mediado por IA, a descoberta de conteúdo não se restringe a uma única plataforma. O julgamento obriga o Google a compartilhar dados com rivais. E, com ChatGPT, Perplexity e Copilot avançando agressivamente em respostas de IA, os publishers terão que pensar além da lógica de “otimizar para o Google”.

Isso significa monitorar como o conteúdo aparece em diferentes portais de IA, cada um com suas próprias regras de visibilidade. Assim como o SEO se tornou disciplina essencial nas redações, o novo desafio será a “multi-engine optimization” – tratar os portais de IA como verdadeiras portas de entrada para o público, e não apenas como experimentos opcionais.
Muitos esperavam que a decisão contra o Google reequilibrasse as forças entre a empresa e os veículos de mídia. Isso em grande parte não ocorreu, mas deixou um recado claro: os mecanismos de IA serão o próximo campo de disputa pela atenção.
As recompensas, por ora, são menos tangíveis, mas existem. E são preferíveis à alternativa: desaparecer por completo dos resultados de busca.

