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Bancos precisam explicar como algoritmo decide

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Os bancos brasileiros vêm intensificando o uso de sistemas de inteligência artificial em processos decisórios, sobretudo na concessão de crédito, na definição de limites de transações e em outros serviços automatizados. Contudo, apesar do avanço tecnológico, a transparência ainda é um ponto frágil na relação com os consumidores. O setor tem adotado procedimentos automatizados com poucas ações para garantir que os clientes compreendam como essas decisões são tomadas.

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Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Agência Brasil

Ainda não existe no Brasil uma legislação específica sobre inteligência artificial, mas o avanço normativo é inevitável. A experiência da União Europeia com o AI Act, aprovado em 2024, sinaliza um caminho de maior responsabilização sobre o uso de algoritmos. No Brasil, o Projeto de Lei 2.338 de 2023, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados, promete trazer regras claras sobre transparência, explicabilidade e revisão das decisões automatizadas. Até que o novo marco regulatório seja aprovado, a Lei Geral de Proteção de Dados já estabelece princípios que impactam diretamente os bancos.

O artigo 6º da LGPD, que trata dos princípios gerais do tratamento de dados, impõe às instituições financeiras o dever de transparência em todas as etapas de utilização de dados pessoais. O artigo 20 é ainda mais específico, assegurando ao titular o direito de solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais. Isso inclui decisões que afetem seus interesses, como análise de crédito ou pontuação de risco. Se um cliente tiver o crédito negado e o banco não for capaz de explicar como e porquê a decisão foi tomada, há uma falha clara na prestação do serviço.

Essa falha pode resultar em sanções regulatórias e ações judiciais. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados ainda não publicou resoluções específicas sobre IA, mas o tema já está na pauta de grupos de trabalho internos. Paralelamente, a jurisprudência brasileira começa a dar os primeiros sinais de atenção ao tema, mesmo que os litígios ainda sejam pouco frequentes. Isso se deve, em grande parte, ao desconhecimento do consumidor quanto aos seus direitos. À medida que essa consciência aumentar, os bancos devem enfrentar um número crescente de contestações sobre decisões automatizadas que não tenham sido devidamente justificadas.

Essa realidade exige uma transformação na cultura de compliance do setor. Muitos bancos ainda tratam os algoritmos como caixas-pretas, operando decisões sem que ninguém na instituição seja capaz de explicar claramente. A transparência requer equipes capacitadas para entender a lógica dos sistemas, os critérios de análise e os dados alimentados nas plataformas. Também demanda o uso de ferramentas como Power BI e TensorFlow, que permitem traduzir cálculos algorítmicos complexos em informações visíveis e compreensíveis tanto para o consumidor quanto para os órgãos reguladores.

Direito à explicação

Outro aspecto fundamental é a comunicação. Expressões técnicas como machine learning ou arquitetura de dados podem gerar desconfiança, principalmente em um país onde o nível educacional é desigual. Isso torna essencial que as instituições expliquem suas decisões de forma clara, acessível e proporcional ao público atingido. O PL 2.338 reforça essa perspectiva ao prever regras específicas para dados de pessoas vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas com deficiência.

Spacca

Spacca

A pressão regulatória não parte apenas da LGPD ou do novo marco da IA. O Banco Central já possui normas rigorosas, como a Resolução CMN nº 4.893 de 2021, que exige não apenas a proteção dos dados sob controle direto dos bancos, mas também daqueles processados por fornecedores terceirizados. A responsabilidade do banco é objetiva e se estende a toda a cadeia de tratamento de dados. Isso significa que, mesmo contratando uma fintech para processar dados de crédito, o banco deve garantir que a explicação da decisão seja possível e esteja disponível ao cliente.

A advocacia, nesse contexto, cumpre um papel relevante tanto para as instituições quanto para os consumidores. Para os bancos, o desafio é estruturar políticas internas que garantam integridade, transparência e conformidade. Para os clientes, trata-se de entender como exercer seus direitos e contestar decisões que lhes pareçam injustas ou arbitrárias. Não se trata apenas de decisões de crédito. Até mesmo o limite diário de um Pix ou a aceitação de uma portabilidade via open banking envolvem decisões automatizadas e, portanto, sujeitas à legislação vigente.

O uso de algoritmos trouxe agilidade e escala ao setor financeiro, mas também ampliou a distância entre instituições e consumidores. Reduzir essa distância é, agora, um imperativo jurídico. O direito à explicação não é apenas uma tendência regulatória. É uma demanda concreta por confiança em um ambiente cada vez mais digitalizado.



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