Se você foi pego duas vezes na Lei Seca, a consequência imediata é a soma de duas penalidades autônomas (cada uma com multa gravíssima multiplicada por dez e suspensão do direito de dirigir por doze meses) e, se as duas infrações forem por dirigir sob influência de álcool no período de até doze meses, ainda incide cassação da CNH ao final do processo, além do dobro da multa na segunda autuação. Já se uma ou ambas as autuações forem por recusa ao teste, a multa e a suspensão se repetem, com multa em dobro em caso de reincidência em doze meses, mas, em regra, não há cassação automática por reincidir apenas em recusa. Se em alguma das vezes houve configuração de crime de trânsito (por exemplo, alcoolemia em patamar penal ou prova técnica robusta de alteração da capacidade psicomotora), abre-se um processo penal independente, cujos efeitos não se confundem com as penalidades administrativas.
O que é “ser pego na Lei Seca” e por que o detalhe da tipificação muda tudo
No jargão cotidiano, “Lei Seca” designa tanto a infração administrativa por dirigir sob influência de álcool quanto a infração autônoma por recusa ao teste, exame clínico ou perícia, além da hipótese de crime de trânsito quando a alteração da capacidade psicomotora atinge o patamar penal. Embora pareçam equivalentes, cada uma tem pressupostos, provas e consequências próprias. Cometer duas vezes a mesma infração (exemplo: duas autuações por dirigir sob influência dentro de doze meses) não se equivale a cometer uma por influência e outra por recusa; e, quando há crime, o processo penal corre à parte, com juízo e prazos distintos.
Diferença entre dirigir sob influência, recusar o teste e crime de trânsito
Artigo 165 (dirigir sob influência): exige um conjunto probatório suficiente (medição válida por etilômetro ou sangue, ou termo de sinais objetivo corroborado por imagens e testemunhas). A penalidade é multa gravíssima multiplicada por dez e suspensão do direito de dirigir por doze meses; se houver reincidência no período de doze meses, a multa da nova infração é aplicada em dobro.
Artigo 165-A (recusa ao teste): pune a recusa em se submeter a testes e exames como infração autônoma. A multa e a suspensão são idênticas às do artigo 165 e, na reincidência em doze meses, a multa também é em dobro. O entendimento consolidado é de que a sanção administrativa por recusa é constitucional, não havendo “direito de se recusar sem nenhuma consequência” na esfera administrativa.
Artigo 306 (crime de trânsito): configura-se quando a alteração da capacidade psicomotora atinge patamar penal, comprovável por exame de sangue, por teste de etilômetro com medição real acima do limite penal (após desconto técnico) ou por sinais e outras provas técnicas nos termos da regulamentação. As penas incluem detenção, multa penal e suspensão ou proibição de dirigir, fixadas pelo juiz.
Reincidência em doze meses x duas autuações em anos diferentes
“Pego duas vezes” pode significar fatos muito distintos. Reincidência, para fins de multa em dobro e (em certos casos) cassação, é a prática da mesma infração no período de até doze meses, contado entre as datas dos cometimentos. Se as duas autuações ocorreram com mais de doze meses de intervalo, não há reincidência legal; haverá duas penalidades independentes, ambas com suspensão de doze meses, mas sem os agravamentos típicos de reincidência. Se ocorreram dentro de doze meses, a segunda multa é aplicada em dobro nos artigos 165 e 165-A; e, no caso específico de duas autuações do artigo 165 no mesmo período, a lei permite a cassação da CNH ao final do devido processo.
Cassação da CNH: quando realmente acontece na “segunda vez”
A cassação do documento de habilitação é cabível, entre outros casos, quando o condutor é reincidente, no prazo de doze meses, em certas infrações enumeradas. O rol inclui dirigir sob influência (artigo 165). Em termos práticos, duas autuações por dirigir sob influência dentro de doze meses expõem o condutor à cassação; duas autuações por simples recusa, embora gravíssimas e com multa em dobro na segunda, em regra não ensejam cassação automática por esse fundamento específico. Se além das autuações administrativas houver crime de trânsito e condenação penal, a cassação também pode decorrer da sentença.
Quadro-resumo dos cenários mais comuns
| Cenário | O que precisa ter acontecido | Multa da segunda autuação | Suspensão administrativa | Risco de cassação | Observações-chave |
|---|---|---|---|---|---|
| Duas vezes por dirigir sob influência em até 12 meses | Mesma tipificação duas vezes no período | Em dobro | Nova suspensão de 12 meses (processo próprio) | Sim, ao final do processo, por reincidência específica | Exige prova suficiente de influência em cada fato |
| Uma por dirigir sob influência e outra por recusa em até 12 meses | Combinação de 165 e 165-A | Em dobro na autuação que configurou a reincidência | Suspensões de 12 meses em cada processo | Em regra, não por este fundamento, pois a reincidência é específica | Pode haver processo penal se algum fato atingir o patamar do crime |
| Duas vezes por recusa em até 12 meses | Mesma tipificação duas vezes no período | Em dobro | Nova suspensão de 12 meses | Em regra, não pelo rol específico de cassação por reincidência | Recusa validamente formalizada é suficiente para penalizar |
| Duas autuações em mais de 12 meses (qualquer combinação) | Intervalo maior que 12 meses entre os fatos | Sem dobro por reincidência | Suspensões de 12 meses em cada evento | Não por reincidência | Penalidades não se “fundem”; são processos autônomos |
Como ficam valores e prazos na prática
A multa das infrações dos artigos 165 e 165-A é gravíssima multiplicada por dez; isto corresponde a um valor elevado por ocorrência e, em caso de reincidência em doze meses, a multa da segunda autuação é aplicada em dobro. A suspensão administrativa do direito de dirigir é de doze meses para cada autuação, com processo próprio em que o condutor exerce defesa e, ao final, cumpre curso de reciclagem para reaver a CNH. Se dirigir durante o cumprimento da suspensão, comete nova infração gravíssima autossuspensiva e incorre em cassação por outro fundamento.
Processo administrativo: por que “duas vezes” significa dois processos
Cada autuação abre um processo de multa com três degraus básicos: defesa prévia após a notificação de autuação; recurso à JARI após a notificação de imposição de penalidade; e recurso à segunda instância (CETRAN ou órgão equivalente). Confirmada a multa, inicia-se o processo específico de suspensão para aquele evento. Com duas autuações, existirão dois fluxos paralelos de multa e, depois, dois processos de suspensão. Quando a autoridade identifica reincidência por dirigir sob influência em doze meses, além dos dois processos de suspensão é instaurado o processo de cassação previsto na legislação.
Prova: como a autoridade comprova cada uma das duas autuações
Para dirigir sob influência, a prova pode vir de etilômetro ou de sangue (respeitando verificação metrológica, identificação do equipamento e desconto técnico), ou de termo de constatação de sinais, imagens e testemunhas, desde que a narrativa seja objetiva e coerente. Para a recusa, basta a prova da oferta regular do procedimento, a ciência das consequências e a recusa expressa — sem necessidade de comprovar embriaguez. Para o crime, valem os patamares técnico-penais ou um conjunto de elementos técnicos robustos nos termos da regulamentação. A qualidade e a legalidade da prova determinam a solidez de cada processo.
Recusa não é salvo-conduto: o que muda quando “a segunda vez” é recusa
A recusa ao teste é infração autônoma com as mesmas penalidades administrativas de dirigir sob influência. Do ponto de vista estratégico, optar por recusar para “evitar problemas” não suprime a punição e pode até somar processos. Se a primeira autuação foi por dirigir sob influência e a segunda por recusa no mesmo período de doze meses, a segunda multa é em dobro, a suspensão se repete, e, embora não haja cassação automática por reincidir em recusa, o acúmulo de processos e prazos torna o cenário mais gravoso, além do risco penal se houver sinais de alteração compatíveis com crime.
Contagem de prazo entre a primeira e a segunda autuação
Para aferir a reincidência, a comparação é entre as datas dos fatos (cometimentos), não entre as datas das decisões administrativas. Assim, se a primeira infração ocorreu em 10 de março e a segunda em 1º de dezembro do mesmo ano, há reincidência. Se a segunda ocorreu em 20 de abril do ano seguinte, mais de doze meses depois, não há reincidência — ainda que um dos processos seja julgado posteriormente. Essa contagem influencia a dobra da multa e, no caso de duas autuações por dirigir sob influência, a abertura do processo de cassação.
O que fazer imediatamente após a segunda autuação
Primeiro, manter a calma e guardar todos os documentos: auto de infração, eventuais relatórios de etilômetro, termos de constatação, notificações. Segundo, anotar local, data e hora, nomes e matrículas de agentes, placas de viaturas e dados de testemunhas. Terceiro, requisitar o processo administrativo completo assim que a notificação chegar (incluindo mídias, relatórios de equipamentos e comprovantes de verificação metrológica). Quarto, controlar prazos em calendário único, separando defesa prévia e recursos de cada autuação. Quinto, avaliar, com suporte técnico, se há vícios de forma (prazos de expedição, tipificação, narrativa mínima), vícios de prova (equipamento sem verificação válida, termo genérico, imagens contraditórias) e hipóteses de bis in idem (dupla autuação sem prova autônoma).
Teses de defesa frequentes quando há duas autuações
Vício de tipificação: descrição de dirigir sob influência, mas enquadramento por recusa, ou vice-versa. Narrativa insuficiente: falta de menção à oferta do procedimento e à ciência das consequências na recusa; checklist de sinais genérico no dirigir sob influência. Verificação metrológica: etilômetro sem prova de verificação válida na data dos fatos, ausência de número de série, desconto técnico não aplicado. Notificações: expedição fora do prazo legal, endereçamento incorreto, ausência de comprovação de envio. Duplicidade: aplicar, no mesmo fato, a penalidade por dirigir sob influência e, sem prova autônoma, outra por recusa ou vice-versa. Quando a segunda autuação é crime, discutem-se cadeia de custódia, licitude da coleta e suficiência dos elementos técnicos.
E se eu estava com a CNH suspensa quando veio a segunda autuação
Conduzir veículo durante o cumprimento da suspensão é causa autônoma de cassação. Em cenários de duas autuações próximas, é crucial saber se, à época da segunda, a suspensão da primeira já estava em vigor. Dirigir suspenso dá ensejo a cassação independentemente de a segunda autuação ser por dirigir sob influência ou por recusa, e essa cassação independe de reincidência específica.
Relação entre as duas autuações e o crime de trânsito
Nem toda autuação administrativa leva a crime, mas as provas podem apontar para o crime em uma ou em ambas as ocorrências. Quando há crime, o processo penal corre em paralelo, e eventual condenação pode gerar, por si, cassação como efeito da sentença e outras consequências penais. A absolvição penal não anula automaticamente a multa administrativa, porque os objetos e os padrões probatórios são diferentes; contudo, provas ilícitas ou contradições relevantes podem repercutir também na esfera administrativa.
Motorista profissional e empresa com frota: impactos ampliados
Para quem vive da CNH, duas autuações relacionadas à Lei Seca no curto prazo podem interromper a renda por muitos meses, somando dois processos de suspensão e, eventualmente, cassação. Empresas com frotas e motoristas de aplicativo precisam gerir risco com treinamento, protocolos de abordagem, checklist documental e fluxo padronizado de recursos. Além do dano regulatório, seguradoras podem considerar esse histórico como agravante em renovações e sinistros. Planejamento jurídico e governança de trânsito reduzem o passivo e evitam a perda de produtividade.
Estudos de caso didáticos
Caso 1: duas autuações por dirigir sob influência com oito meses de intervalo, etilômetro com verificação metrológica válida na primeira e termo de sinais robusto na segunda. Resultado provável: segunda multa em dobro, dois processos de suspensão de doze meses e instauração de cassação por reincidência específica. Defesa técnica se concentra em eventual vício do termo de sinais e na regularidade das notificações.
Caso 2: primeira autuação por recusa, segunda por dirigir sob influência, com onze meses entre os fatos. Resultado provável: segunda multa em dobro, duas suspensões, sem cassação automática por reincidência específica na mesma infração; avaliar prova do dirigir sob influência e formalidades da recusa.
Caso 3: duas recusas em nove meses, com autos bem formalizados. Resultado provável: segunda multa em dobro, duas suspensões de doze meses, sem cassação automática por esse fundamento; atenção às consequências práticas de dois processos de suspensão em sequência e à possibilidade de curso de reciclagem e cronograma de cumprimento.
Caso 4: primeira autuação administrativa e, na segunda, configuração de crime (medição acima do patamar penal após desconto). Resultado provável: além da multa e da suspensão administrativas, instauração de inquérito e ação penal com possíveis penas de detenção e suspensão penal do direito de dirigir; se houver condenação, cassação também pode decorrer da sentença.
Passo a passo para quem foi pego duas vezes
Organize todos os documentos de ambos os eventos em pastas separadas: autos, notificações, relatórios, termos e mídias.
Faça uma linha do tempo com datas de cometimento, expedição e ciência de cada notificação.
Protocole pedidos formais de cópia integral dos processos, solicitando especificamente mídias, relatórios de etilômetro e comprovações de verificação metrológica.
Verifique, para cada autuação, a tipificação, a narrativa mínima e a prova material (imagens, termos, equipamentos).
Elabore defesas focadas: vícios formais na defesa prévia; mérito probatório e princípios (proporcionalidade, razoabilidade, vedação ao bis in idem) nos recursos à JARI e à segunda instância.
Paralelamente, ao receber notificação do processo de suspensão, apresente defesa própria, sempre destacando nulidades do processo de multa que o originou.
Se houver perigo de dano grave (motorista profissional, risco de bloqueio imediato), considere pedido judicial de urgência para sustar efeitos até decisão administrativa final.
Erros que costumam custar caro na “segunda vez”
Perder prazos por confundir data do cometimento com data de ciência; pagar a multa com desconto quando a intenção era recorrer do mérito; protocolar defesa no órgão errado; não pedir as mídias e a documentação técnica do etilômetro; ignorar que cada autuação gera um processo de suspensão próprio; dirigir durante a suspensão; basear toda a tese apenas em “direito de não produzir prova contra si” na recusa, sem atacar vícios concretos de oferta e ciência.
Perguntas e respostas
Qual é a diferença prática entre ser autuado por dirigir sob influência e por recusa duas vezes?
Em ambos os casos haverá multa gravíssima multiplicada por dez e suspensão de doze meses por ocorrência, com multa em dobro na segunda autuação dentro de doze meses. A diferença crítica é que a reincidência específica por dirigir sob influência dentro de doze meses pode ensejar processo de cassação; a reincidência em recusa, em regra, não consta do rol que leva à cassação por esse fundamento.
Se as duas autuações forem em anos diferentes, ainda corro risco de multa em dobro e cassação?
Se entre as datas dos cometimentos passou mais de doze meses, não há reincidência legal para dobrar a multa nem para cassação por esse motivo. Ainda assim, cada autuação terá sua suspensão de doze meses se confirmada.
Paguei a primeira multa com desconto. Isso atrapalha minha defesa na segunda?
Pagar com desconto geralmente impede discutir o mérito daquela multa, mas não afeta o direito de defesa na segunda autuação. O histórico, contudo, pode influenciar a análise de reincidência. Planeje antes de pagar se a ideia é recorrer.
Duas autuações podem virar crime nas duas vezes?
Podem, se em cada fato houver prova compatível com o patamar penal. O processo penal corre à parte e pode gerar cassação como efeito da sentença, independentemente da discussão administrativa.
Recusar o teste na segunda vez ajuda a evitar o crime?
A recusa é infração autônoma e não é antídoto contra o crime: se houver sinais robustos de alteração da capacidade psicomotora e outras provas, o crime pode ser caracterizado mesmo sem etilômetro. Além disso, a recusa gera, por si, multa e suspensão.
Quanto tempo dura tudo isso e quando começo a cumprir a suspensão?
A suspensão só passa a valer após o processo específico de suspensão transitar em julgado administrativamente. O tempo de tramitação varia e, com duas autuações, você terá dois processos de suspensão, além do de cassação se for o caso.
Se eu for condenado criminalmente, ainda assim posso ganhar o recurso administrativo?
São esferas distintas. Uma condenação penal pode repercutir administrativamente, mas não impede, por si, o reconhecimento de nulidades formais em um processo de multa. O inverso também é verdadeiro.
Como saber se a cassação será instaurada no meu caso?
Se as duas autuações são por dirigir sob influência e ocorreram em até doze meses, a autoridade deve instaurar processo de cassação, além dos processos de suspensão. Isso vem por notificação própria.
Sou motorista profissional. Há estratégia específica?
Sim. Peça cópias integrais dos processos de imediato, controle prazos com prioridade, requeira mídias e relatórios técnicos e avalie tutela judicial para manter a CNH ativa até decisão administrativa definitiva quando houver probabilidade de nulidade e risco de dano à subsistência.
Posso unificar os prazos ou cumprir as suspensões ao mesmo tempo?
Cada suspensão decorre de um processo específico. Em alguns locais, decisões próximas podem permitir prazos que correm em sobreposição, mas isso depende das regras e do momento processual.
Se eu for absolvido no crime, a cassação por reincidência no dirigir sob influência cai?
Não automaticamente. A cassação por reincidência é administrativa e independe do resultado penal, embora provas ilícitas ou nulidades graves reconhecidas no processo penal possam fortalecer a defesa também na esfera administrativa.
Conclusão
Ser “pego duas vezes na Lei Seca” não é um rótulo único: há uma diferença decisiva entre repetir a infração por dirigir sob influência, repetir a recusa ao procedimento ou enfrentar, em uma das vezes, o patamar penal do crime. Em todos os caminhos, a aritmética básica é direta: cada evento gera sua própria multa e sua própria suspensão de doze meses; a segunda multa, se dentro de doze meses, é aplicada em dobro; e, no caso específico de duas autuações por dirigir sob influência no período, instala-se ainda o processo de cassação da CNH. É por isso que a estratégia jurídica precisa ser cirúrgica: obter os processos completos, controlar prazos, auditar a prova técnica (etilômetro, exame, sinais), atacar vícios formais e evitar duplicidades sancionatórias. A defesa que funciona não é a que repete slogans, mas a que desmonta, peça a peça, os elos frágeis da cadeia probatória e procedimental. Feito isso com método e tempestividade, é possível reduzir danos, afastar penalidades ilegais e conduzir com segurança o caminho para retomar a habilitação — mesmo em cenários de “segunda vez”.

