A inteligência artificial amplia a capacidade de análise, acelera a solução de problemas complexos e potencializa a criatividade humana. Como entusiasta de neurociência e inteligência artificial , tenho conhecimento da capacidade do nosso cérebro para se adaptar conforme nossas experiências, hábitos e ao meio em que vivemos. Portanto, questiono: será que estamos conscientes o que o uso dessa tecnologia está produzindo em termos de transformação em nós? Esta pergunta ecoa enquanto neurocientistas observam mudanças profundas na forma como processamos informações, tomamos decisões e desenvolvemos pensamento crítico. De um lado, o receio de que a dependência de sistemas de inteligência artificial transforme nosso cérebro em um músculo passivo e ocioso. Do outro, a visão de uma humanidade aumentada, capaz de resolver questões desafiadoras com velocidade e profundidade inéditas.
Estudos mostram que, ao delegar tarefas intelectuais a ferramentas de modelos de linguagem, o cérebro humano modifica a forma de operar. O que está em debate é o núcleo da nossa cognição: memória, atenção, raciocínio e habilidade de tomar decisões. A escolha entre expandir ou desvigorar essas funções passa pelo modo como usamos a inteligência artificial.
O impacto da inteligência artificial no cérebro humano será tão positivo ou negativo quanto a postura de quem a utiliza. Ela pode afiar o raciocínio e ampliar a criatividade para novos padrões de pensamento. Pode, por outro lado, criar uma geração de usuários brilhantes na superfície, mas frágeis na essência
Por meio de eletroencefalografias, o MIT Media Lab analisou, a atividade cerebral de pessoas que redigiam textos com e sem auxílio de IA. O resultado inquieta. Quem escreveu sem ajuda da inteligência artificial exibiu redes neurais do cérebro mais fortes e distribuídas. Os usuários de modelos generativos mostraram conectividade mais fraca e menor senso de autoria sobre o próprio texto. Não é exagero afirmar que a terceirização constante do pensamento muda o cérebro em nível fisiológico. Aliás, ressignificar crenças e, ter novos hábitos nos transformam pela neuroplasticidade. Podemos sim nos reprogramar de diversas formas e esta foi uma das lições que mais amei no curso de Neuroestratégia e Pensamento Transversal, na ESIC Business & Marketing School.
No caso específico do processo de aprendizagem, o fenômeno tem nome: terceirização cognitiva. Significa transferir para ferramentas externas o esforço de processar, reter e organizar informações. A consultoria de IA Anthropic, em estudo com mais de 574 mil conversas educacionais, concluiu que quase metade das interações entre estudantes e IA buscava respostas prontas, com mínima elaboração própria. É a comodidade em substituição à saudável fricção do pensar.
A inteligência artificial como inimiga do cérebro: o problema não está na tecnologia, nas ferramentas de LLM. Está no comportamento de quem usa. A Nature Reviews Psychology alertou que ferramentas generativas elevam o desempenho, mas também podem minimizar o processamento cognitivo e metacognitivo profundo que sustenta aprendizado de qualidade. A produtividade pode crescer, mas a inteligência real, aquela que exige reflexão e síntese, corre o risco de estagnar sem o bom uso da IA. A consciência do usuário diante dessa questão é o primeiro passo para que a inteligência artificial seja aliada do processo cognitivo e da atividade cerebral mais elevada.
A confiança excessiva na IA tende a reduzir o pensamento crítico, enquanto a autoconfiança humana o fortalece. A IA desloca o foco do raciocínio para tarefas de verificação e integração de respostas, o que pode empobrecer a etapa criativa e estratégica do trabalho mental. É um novo perfil cognitivo, com mais curadoria e menos elaboração original.
Por outro lado, ignorar os ganhos objetivos do uso da inteligência artificial seria ingenuidade. Há impactos claros em produtividade. A economia de tempo e o aumento de escala são inegáveis. Porém, um ponto de atenção: produtividade não é sinônimo de inteligência diante da possibilidade de ser, ao mesmo tempo, rápido e superficial.
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A saída está em projetar usos de IA que preservem a inteligência humana. Experimentos da Cornell University com suporte integrado à escrita mostram que, desenhar interações em que a IA funciona como provocadora em vez de simplesmente redatora, aumenta a profundidade e o senso de autoria. Temos que usar a inteligência artificial como trampolim, não como arrimo cognitivo.
O impacto da inteligência artificial no cérebro humano será tão positivo ou negativo quanto a postura de quem a utiliza. Ela pode afiar o raciocínio e ampliar a criatividade para novos padrões de pensamento. Pode, por outro lado, criar uma geração de usuários brilhantes na superfície, mas frágeis na essência. O que está em jogo é mais do que o futuro da tecnologia. É a arquitetura mental de toda uma sociedade e as escolhas que fazemos todos os dias diante da IA. A fronteira final dessa revolução não está no silício, mas em nossas sinapses. A pergunta que definirá nosso futuro não é o que a máquina pode fazer. É o que nós, como arquitetos da própria mente, escolheremos nos tornar.
Marielva Andrade Dias é vice-presidente de Negócios para Instituições Públicas da Positivo Tecnologia.

