Transitar sobre marcas de canalização é infração de trânsito que gera multa e pontos no prontuário, porque essas faixas diagonais (o “zebrado” pintado no asfalto) demarcam áreas de não circulação destinadas a ordenar os fluxos, proteger conversões, separar pistas, resguardar ilhas/refúgios e ampliar o campo de segurança em cruzamentos. A autuação independe do horário e do volume de tráfego: basta que o veículo passe, rode ou pare sobre a área canalizada, ainda que por poucos metros, para que a conduta esteja caracterizada. A boa notícia é que a defesa técnica é possível quando a marcação está apagada, encoberta, contraditória, provisória mal implantada, quando o local indicado no auto é impreciso ou quando não há prova suficiente de que o veículo efetivamente transitou sobre a área zebrada. A seguir, explico como identificar corretamente as marcas de canalização, quando a passagem é vedada, quais são as consequências práticas, como montar um recurso consistente e quais erros mais comuns derrubam ou prejudicam a defesa.
O que são marcas de canalização e por que elas existem
Marcas de canalização são áreas pintadas no pavimento com listras diagonais (o popular “zebrado”) ou com hachuras destinadas a proibir a circulação de veículos naquele pedaço de pista. Em termos de engenharia de tráfego, elas:
Isolam fluxos que não devem se cruzar (ex.: aproximação de bifurcações, transições de faixas, início de canaletas).
Protegem manobras (ex.: bolsões de conversão, faixas exclusivas, acessos a alças).
Aumentam distâncias de segurança em esquinas e rotatórias, ampliando o raio de giro e a visibilidade.
Criam “ilhas” virtuais para organizar a aproximação em cruzamentos, principalmente onde não há canteiro físico.
Ao transitar sobre essa marcação, o condutor “invade” um espaço que o projeto viário reservou justamente para que não haja tráfego ali, elevando o risco de colisões laterais, fechamento de conversões e atropelamentos.
Onde você encontra marcas de canalização no dia a dia
Cruzamentos urbanos: zebrado antes da esquina para abrir campo de visão e guardar o raio de giro.
Acessos a rodovias: áreas hachuradas separando pista principal e alça de acesso/saída.
Início/término de faixas: quando uma faixa nasce ou morre, a canalização guia o alinhamento gradativo dos veículos.
Faixas exclusivas: bordas de corredores de ônibus/táxi com áreas canalizadas nos pontos de entrada/saída.
Rotatórias: zebrado interno/externo para organizar o contorno e evitar atalhos perigosos.
Ilhas/refúgios: áreas pintadas contíguas a ilhas físicas, reforçando a proibição de circulação sobre o entorno.
Conduta proibida: o que configura “transitar sobre marcas de canalização”
A infração se caracteriza quando o veículo:
Passa rodando sobre o zebrado, ainda que por poucos metros, para “atalhar” um trajeto.
Utiliza a área para ultrapassagem, retorno ou conversão não prevista pela engenharia.
Para/estaciona sobre a marcação, mesmo “só para desembarcar”.
Invade a canalização para “entrar” numa faixa exclusiva em ponto não autorizado.
Não importa se havia pouco fluxo ou se “foi rapidinho”: a regra é de não circulação.
Natureza, pontos e efeitos práticos
No enquadramento típico, transitar sobre marcas de canalização é infração de natureza grave, com 5 pontos no prontuário, além da multa correspondente. Em regra, não há suspensão específica do direito de dirigir atrelada apenas a esse enquadramento; contudo, reincidências e o acúmulo de pontos em 12 meses podem levar a processo de suspensão por pontuação. Para pessoa jurídica, não há pontos, mas a empresa permanece responsável pela multa, e, se não indicar o condutor em tempo quando a infração é de responsabilidade do motorista, pode sofrer multa específica por não indicação.
Diferença entre marcas de canalização, faixa de pedestre e área de conflito
Marcas de canalização: área hachurada/zebrada que proíbe circulação de veículos.
Faixa de pedestre: faixas transversais para travessia; não é área de não circulação permanente, mas exige preferência ao pedestre.
Área de conflito: zonas marcadas (às vezes com cor) que indicam atenção redobrada, não necessariamente proibição absoluta; já a canalização proíbe rodagem.
Confundir esses elementos leva a autuações mal enquadradas ou a defesas mal formuladas. Em recurso, clareza conceitual ajuda.
Elementos obrigatórios do auto de infração
Qualquer AIT (Auto de Infração de Trânsito) por canalização deve conter, minimamente:
Identificação do órgão e do agente (ou do sistema, se eletrônico).
Tipificação: descrição da conduta “transitar sobre marcas de canalização”.
Local preciso: via, número/quarteirão, sentido, referências (ex.: “a 20 m do cruzamento com a Rua X”).
Data e hora.
Veículo: placa, espécie, características.
Circunstâncias: quando relevante (manobra observada, faixa, ponto de acesso).
Prova mínima: em autuações sem abordagem, imagem que individualize placa e demonstre a passagem sobre o zebrado.
A falta de requisitos, a imprecisão do local ou a ausência de prova mínima fragilizam a autuação.
Quando a autuação cai: vícios formais e probatórios frequentes
Sinalização inexistente, apagada ou encoberta
Canalização desbotada, coberta por terra, água, óleo, sombra permanente, caminhão estacionado ou cercas de obra. Sem perceptibilidade razoável, a proibição perde eficácia.Local impreciso
Em cruzamentos com mais de uma área zebrada próxima, o auto precisa dizer qual; apenas o nome da avenida, sem quadra/cruzamento, gera dúvida objetiva.Imagem sem individualização
Foto de má qualidade, placa ilegível, ângulo que não mostra claramente que as rodas estiveram sobre a marca e não apenas ao lado.Contradição entre vertical e horizontal
Placas orientam um fluxo, pintura indica outro (sinalização incoerente). Dúvida se resolve contra a penalidade.Sinalização provisória de obra mal implantada
Placas improvisadas, cones mal posicionados, ausência de setas temporárias e zebrado provisório que não atende padrões. A incerteza favorece o condutor.
Como produzir prova do local e do momento
Fotos diurnas e noturnas do trecho, no mesmo sentido indicado no auto, de 2–3 ângulos (frontal, lateral, visão do condutor).
Vídeo curto (10–20 s) caminhando pelo alinhamento de faixa que antecede a canalização, mostrando visibilidade real.
Registro de obras: se havia intervenções, fotografe cones, tapumes, máquinas, sinalização provisória e seus defeitos.
Croqui simples com setas e legendas, demonstrando a incoerência/ausência da marca.
Testemunho técnico opcional (relatório de engenheiro de tráfego/segurança viária) em casos complexos.
Linha do tempo do processo: prazos e etapas da defesa
Notificação de Autuação
Abre o prazo para defesa prévia. É a hora de alegar vícios formais (notificação fora do prazo, requisitos do auto, local impreciso) e exigir provas (imagens e metadados).Notificação de Penalidade
Mantida a autuação, o prazo para recurso à JARI se inicia. Aqui, aprofunde o mérito (sinalização ineficaz, incoerência, imagem ruim), junte fotos/vídeo e peça diligência in loco quando útil.Segunda instância administrativa
Negado na JARI, recorra ao CETRAN/CONTRANDIFE, apontando contradições da decisão, reforçando a dúvida objetiva e a necessidade de sinalização clara.Pós-decisão
Mantida a penalidade, avalie desconto/parcelamento e monitore o prontuário. Ilegalidades robustas, bem documentadas, podem ser discutidas judicialmente.
Estudos de caso ilustrativos
Caso 1: Zebrado apagado em cruzamento movimentado
Auto descreve trânsito sobre canalização às 18h. Fotos do dia seguinte mostram pintura quase invisível, com trilhas de pneus atravessando. Vídeo noturno evidencia luminosidade ruim e ausência de reforço vertical. JARI anula por sinalização ineficaz no ponto de decisão.
Caso 2: Imagem ruim e veículo não individualizado
Foto captada por câmera elevada mostra dois veículos lado a lado; a placa do autuado aparece nítida num frame, mas a passagem sobre o zebrado não está claramente associada a essa placa. Sem sequência de quadros que vincule o ato ao veículo, CETRAN reconhece insuficiência probatória.
Caso 3: Obra com cones contraditórios
Em avenida em obras, cones redirecionavam fluxo “por cima” do antigo zebrado, enquanto a pintura provisória não foi executada. Defesa documenta o canteiro e a sinalização improvisada e pede diligência. Autuação cancelada pela confusão criada pelo próprio órgão/contratada.
Caso 4: Contradição vertical x horizontal
Placa indicava avanço/retorno permitido, mas a pintura antiga mantinha canalização fechando o atalho. Fotos demonstram a incoerência. Recurso acolhido: sinalização contraditória não pode punir.
Pessoa física x pessoa jurídica: o que muda na prática
Pessoa física: além do valor da multa, entram pontos no prontuário (5, no enquadramento típico). O acúmulo em 12 meses pode levar a suspensão por pontuação.
Pessoa jurídica: não há pontos, mas a empresa paga a multa e deve indicar o condutor quando a infração é de responsabilidade do motorista; se não indicar dentro do prazo, incide multa específica por não indicação, que pode multiplicar valores conforme reincidência. Para frotas, implemente governança: termo de responsabilidade, checklists de rotas e prazo interno de 48 horas para tratar notificações.
Como redigir uma defesa prévia objetiva e convincente
Introdução direta: identifique auto, data, horário, local e resuma por que o ato é nulo (ex.: “sinalização de canalização apagada no ponto de decisão”).
Preliminares: aponte vícios formais (expedição tardia da notificação, local impreciso, ausência de prova mínima).
Mérito probatório: demonstre, com fotos e vídeo, que a marca não era perceptível, que havia obra confusa ou que a imagem não individualiza o veículo.
Pedidos: anulação da autuação; subsidiariamente, diligência in loco; e, se mantida, aplicação do mínimo legal em reflexos.
Anexos indexados: liste e numere fotos, vídeos (com breve descrição) e croqui.
Como evitar a multa na prática: direção defensiva e leitura de pista
Antecipe decisões: observe o desenho da via 100–150 metros à frente; canalizações “nascem” onde faixas se somem.
Não “atalhe” rotatórias ou cantos de cruzamentos: o zebrado está lá para abrir campo de visão e raio de giro.
Cuidado com painéis e aplicativos: em rotas novas, reduza e confirme a pintura do chão; apps podem estar desatualizados.
Noite e chuva: a visibilidade do zebrado cai muito; ajuste velocidade e posição de pista.
Obras: em canteiros, siga sinalização provisória oficial; se estiver confusa, pare em local seguro e confirme o traçado.
Erros comuns que prejudicam a defesa
Confundir canalização com faixa de pedestre e alegar preferência do pedestre quando, na verdade, se transitou sobre área de não circulação.
Focar só no valor da multa e esquecer de atacar prova e sinalização.
Não produzir fotos do ponto de decisão (muita gente fotografa de longe; o ângulo do condutor é que importa).
Ignorar a segunda instância: muitos casos são revertidos no colegiado.
Perder prazos: conte a partir da expedição da notificação, não da data do fato.
Checklist prático antes de protocolar sua defesa
Conferiu local exato (rua, número, cruzamentos, sentido) na notificação?
Solicitou cópia integral do processo (imagens, metadados, relatório do agente/sistema)?
Fez fotos e vídeo do local, no mesmo sentido e faixa?
Verificou sinalização provisória de obra, se existia?
Construiu croqui simples que explique a incoerência/ausência?
Escreveu a defesa com preliminares e mérito, em linguagem objetiva?
Indexou anexos e conferiu prazos?
Perguntas e respostas
É proibido até encostar a roda no zebrado
A regra é de não circulação e não permanência. O contato eventual por erro de trajetória pode ser analisado no contexto, mas, em termos objetivos, rodar sobre a área caracteriza a conduta. Em autuações eletrônicas, a prova precisa demonstrar passagem sobre a marca, não apenas proximidade.
Parar rapidamente sobre a canalização para desembarque também gera multa
Sim. A área é de não circulação e não permanência. A parada ali, ainda que breve, está dentro da vedação.
E se eu precisei desviar de um buraco ou obstáculo e passei pelo zebrado
Situações de força maior ou estado de necessidade devem ser demonstradas e contextualizadas (fotos do buraco/obstáculo, data próxima ao fato). A autoridade pode avaliar, mas o ônus de prova é do condutor.
Posso alegar que à noite eu não via a marca
A baixa visibilidade noturna por si só não afasta a infração. Porém, se a pintura estava apagadíssima e sem reforço vertical/iluminação, isso integra uma tese probatória forte. Documente com fotos e vídeo.
Qual é a diferença entre canalização e área de escape/estacionamento de emergência
Área de escape é parte de projeto específico; canalização é área pintada para não circulação. Estacionar em área de escape é excepcionalíssimo (pane, socorro) e deve ser comprovado.
Se a autuação foi por câmera, precisa ter imagem da placa
Sim. Sem individualização do veículo e demonstração visual da passagem sobre a canalização, a prova é insuficiente.
A multa por canalização tira a CNH
Isoladamente, não há suspensão específica apenas por transitar sobre canalização. O risco é o acúmulo de pontos ou coexistência com outras autuações que, somadas, podem levar a processo de suspensão.
Sou empresa. Se eu não indicar o condutor, o que acontece
Quando a infração é de responsabilidade do motorista, a empresa deve indicar quem conduzia. Se não indicar no prazo, incide a multa específica por não indicação, que pode majorar o valor conforme reincidência.
O agente precisa me abordar para multar
Não. A constatação pode ser por videomonitoramento ou imagem, desde que a prova seja suficiente e o local esteja claramente identificado.
Conclusão
Transitar sobre marcas de canalização não é um “detalhe de tinta”, mas a violação de um elemento de segurança viária concebido para separar fluxos, proteger conversões e ampliar a visibilidade em áreas críticas. Por isso, a lei trata a conduta como infração que gera multa e pontos. Ao mesmo tempo, a validade da autuação depende de requisitos objetivos: local preciso, descrição coerente da conduta, prova suficiente (especialmente em fiscalização eletrônica) e, acima de tudo, sinalização eficaz no ponto de decisão. Quando a pintura está apagada, encoberta, contraditória, provisória mal implantada, quando o local é impreciso ou quando a imagem não individualiza o veículo, há dúvida razoável que deve conduzir ao arquivamento.
Para quem dirige, a prevenção começa na leitura da pista e na prudência: evite atalhos por dentro de zebrado, respeite canalizações em rotatórias e aproximações de cruzamentos, reduza velocidade em noite/chuva e desconfie de rotas de aplicativo quando a realidade da rua diz o contrário. Para quem foi autuado, a estratégia vencedora combina prova técnica do local (fotos/vídeo), argumentos claros (forma e mérito) e prazos cumpridos, sem abdicar da segunda instância administrativa quando necessário. Assim, você aumenta significativamente as chances de anular penalidades indevidas, protege seu prontuário e contribui para um trânsito mais seguro, previsível e civilizado para todos.

