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Leis de IA não podem incentivar o ‘roube primeiro, acerte depois’

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O Brasil precisa ficar atento aos movimentos de regulação da inteligência artificial (IA) na Europa. A legislação europeia foi inspiração da brasileira na proteção de dados e à privacidade. O PL das Redes Sociais, infelizmente ainda parado no Congresso, se inspira no regramento europeu ao atribuir às plataformas digitais corresponsabilidade pelo conteúdo que veiculam, exigindo que retirem posts do ar assim que notificadas da ilegalidade, em vez de esperar decisão judicial — que, lenta, é insuficiente para reparar danos quando tomada. A IA impôs novas questões aos reguladores e, mais uma vez, a União Europeia (UE) adotou regras que embasam as propostas em discussão no Congresso. Mas é motivo de preocupação o recuo encetado pelas autoridades europeias.

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É esperada para esta semana a publicação de novas diretrizes para uso de dados pelos modelos de inferência de IA. Propostas preliminares divulgadas pelo site Politico revelam que o plano é enfraquecer as regras de privacidade, assegurando mais liberdade às plataformas e menos proteção ao usuário. Várias informações hoje protegidas — como religião, crenças políticas, etnia ou dados de saúde — poderiam ser usadas para treinar modelos de IA, desde que preservando a identidade. A flexibilização é vista como consequência da pressão do governo Donald Trump em favor das plataformas e como concessão aos empreendedores digitais europeus, hoje retardatários numa corrida liderada por americanos e chineses. Os riscos, contudo, são evidentes.

O descaso das empresas de IA por direitos consagrados reflete a cultura de rapina dominante no Vale do Silício, a mentalidade do “roube primeiro, acerte as contas depois”. Basta lembrar que, na semana passada, a OpenAI, criadora do ChatGPT, foi condenada na Alemanha por violar direitos de letristas de músicas usadas para aperfeiçoar seus modelos. Em sua defesa, a empresa alegou que seus sistemas apenas incorporaram o que aprenderam, sem copiar o conteúdo. É uma justificativa sem sentido. Poderia ser usada por quem acessa sites fechados sem pagar, depois alega que invadiu aquele espaço apenas para “se informar”.

Multiplicam-se os conflitos entre plataformas digitais e detentores de propriedade intelectual na Europa. O Google foi multado em € 500 milhões por desrespeito às regras de direitos autorais da UE em 2021. Em setembro, foi novamente multado em € 2,95 bilhões, pela Comissão Europeia, por prejudicar concorrentes no mercado de anúncios digitais. Ao todo, as multas aplicadas contra o Google na Europa já somam € 9,5 bilhões, e autoridades europeias acabam de abrir nova investigação antitruste. Na França, na semana passada, uma associação de escritores abriu processo contra a Meta, também pelo uso de suas obras sem autorização para treinar modelos de IA.

A violação de direitos com pagamento de multa parece estratégia deliberada. Tanto que a própria OpenAI anunciou em maio do ano passado um entendimento com a News Corp, de Rupert Murdoch, para obter acesso a conteúdos de jornais na Austrália, no Reino Unido e nos Estados Unidos mediante compensação. Ao mesmo tempo, não consegue chegar a um acordo com o New York Times, que a processa desde dezembro de 2023, pelo mesmo motivo dos escritores franceses. A Austrália propôs um projeto de taxação e incentivo fiscal para plataformas que remunerarem produtores de conteúdo jornalístico, que deve ser acompanhado com atenção.

É evidente que, à medida que a tecnologia avança, as autoridades não devem sufocar o espírito inovador dos empreendedores digitais. Mas não podem incentivar o atropelo de direitos consagrados. Vale para propriedade intelectual, privacidade, livre concorrência — e tudo o que as plataformas digitais, movidas pela sanha de treinar seus modelos de IA, parecem desprezar.

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