Escolhemos fazer uma nova tradução, com extensas notas e textos críticos do clássico de Flaubert, pois não há livro mais atual que “Bouvard e Pécuchet”. Nenhum outro vislumbrou com tamanha destreza a idiotice humana que domina o mundo contemporâneo! Em tempos de textos, trabalhos e artigos feitos por ChatGPT, de conhecimentos adquiridos por grupos de ódio no Whatsapp e no Telegram — e defendidos com veemência e autoridade em redes sociais —, do distanciamento aos livros, da negação à ciência e à história, e do culto às bolhas autoritárias e extremistas, o mais importante livro de Flaubert nos apresenta um manual satírico de como o superficial, o estúpido e o ridículo acabaram se tornando o fundamento de uma cultura que hoje estamos inseridos até a cabeça.

Na voz de dois amáveis copistas — tão próximos de Quixote na ousadia e na ingenuidade da ignorância —, que se propõem a ler superficialmente os saberes da “moda” e colocá-los de forma absurda e lúdica em prática, Flaubert reflete sobre a tragédia e a comédia da condição humana que fracassa em todas suas tentativas de adquirir e aplicar o conhecimento. O satírico e sarcástico escritor francês via nesses “homenzinhos” uma metáfora da própria literatura, um espaço onde a busca pela verdade frequentemente resulta em frustração.
Se trouxermos essa metáfora para o mundo contemporâneo, pensar que os extremos se nutrem apenas dos conhecimentos únicos de suas bolhas — e, mais ainda, leem somente tweets e mensagens rápidas, e se sentem experts em todos os assuntos —, é atestar o fracasso da condição humana.
Se como diz Kafka, “há esperança, esperança infinita, mas não para nós”, Bouvard e Pécuchet, depois de inúmeros projetos irrealizados e absurdos, se dão conta do perigo da idiotice e procuram se afastar dela; “então, uma faculdade piedosa se desenvolveu em seus espíritos, a de ver a imbecilidade e não a tolerar mais”. A beleza de Bouvard e Pécuchet é justamente que eles, após inúmeras andanças pelos distintos saberes, têm a inteligência de concluir que a tolice reina; portanto, dedicam-se novamente ao prazeroso ato de copiar, copiar, copiar e não mais pensar. A geração atual — a primeira na qual o coeficiente intelectual diminuiu em relação à anterior — talvez por serem aclamados demais em suas bolhas, não concluirão que a idiotice venceu, embora tenham abolido o ato pensar em detrimento ao de “dar instruções” para as “large languages models” (a família do ChatGPT). “Há alguma esperança para a nossa geração?” “A chave para a esperança está em não ver o ChatGPT ou qualquer outra IA como o ‘fim do pensamento’, mas como um ponto de partida para novas formas de pensar, aprender e questionar. Afinal, a IA não existe sem a humanidade que a criou e a utiliza.”
Será que então, somos e voltaremos a ser apenas copistas?
NOTAS
¹ O título deste texto retoma um título/formulação de Jorge Luis Borges que, em um de seus escritos críticos, cita o ensaísta francês Émile Faguet para pensar a figura do escritor como “copista”, alguém que reescreve aquilo que já foi escrito, deslocando-o para outro tempo e outro contexto.
² A pergunta “Há alguma esperança para a nossa geração?” e o trecho de resposta entre aspas foram dirigidos pelo autor ao modelo de linguagem ChatGPT; o texto aqui reproduz a resposta da ferramenta, apenas com ajustes mínimos de estilo para se integrar ao ensaio.

