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PPGAS/Ufam conquista 2º lugar no Prêmio de Incentivo à Pesquisa em Direitos Humanos com estudo sobre Racismo Codificado

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Mayane Batista Lima concorreu com mais de 200 pesquisadores na 1ª edição do Prêmio. O artigo “Racismo codificado e direitos humanos: reconhecimento facial como dispositivos de exclusão” é fruto da tese defendida agora em 2025

No último dia 11, foram anunciados os vencedores do 1º Prêmio de Incentivo à Pesquisa em Direitos Humanos (Prêmio Pesquisa-DH), dentre os quais a pesquisadora egressa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Mayane Batista Lima. Ela conquistou o segundo lugar nacional na categoria Pesquisa em Direitos Humanos com um artigo fruto da tese “Refatoração Antropológica proposições para repensar diversidade de gênero e raça em sistemas de Inteligência Artificial”, defendida no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS) neste ano.

O Prêmio é uma realização Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nesta primeira edição da iniciativa, que reconhece trabalhos acadêmicos que possam fortalecer a produção e o uso de evidências no campo dos direitos humanos, alinhados às prioridades estratégicas do MDHC, houve mais de 200 inscritos. O texto defendido pela pesquisadora da Ufam é intitulado “

Os trabalhos foram avaliados por uma Comissão Julgadora composta por representantes do MDHC, do CNPq e da Rede Nacional de Evidências em Direitos Humanos (ReneDH). Os critérios incluíram mérito científico, relevância social, aderência à Agenda Prioritária do MDHC e aplicabilidade prática em políticas públicas. A cerimônia de premiação ocorreu durante a programação da 13ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos (ConDH), no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), em Brasília.

Mayane

Direitos Humanos vs. Dispositivos de exclusão

Para Mayane, o prêmio representa não apenas o reconhecimento de um trabalho acadêmico, mas a reafirmação da Amazônia como território de produção científica mesmo em momentos de emergências climáticas, debates sobre tecnologia, segurança pública e racialidade. Na solenidade, a pesquisadora descreveu a urgência do debate sobre regulação e análise de tais tecnologias na feitura dos algoritmos, na escolha dos bancos de dados e na auditoria algorítmica para que se possa mitigar a materialização das escolhas sociais, políticas e raciais nesses sistemas.

Ela conta que, desde sempre, teve interesse em compreender como as coisas funcionam, em montar e desmontar equipamentos, e considera o curso de Eletrônica, realizado em 2011, com o início de seu percurso acadêmico, antes mesmo de ingressar na graduação em Jornalismo, estudando sobretudo fotojornalismo e dados. Esse conhecimento somou-se à bagagem que Mayane já tinha acumulado do trabalho no Distrito Industrial, com hardware de câmeras – precisamente a parte de montagem dessas máquinas. “À primeira vista, esses assuntos podem parecer dispersos, mas fazem muito sentido na minha trajetória, tanto pessoal quanto profissional. Na dissertação, articulei essas discussões ao conceito que denominei perspectivismo maquínico em termos sintéticos, é o reconhecimento das máquinas como portadoras de um ponto de vista não humano, inscrito em suas arquiteturas técnicas, processos de aprendizagem, regimes de dados e formas de interação com o mundo”, esclarece a pesquisadora.

Quanto à aproximação da Antropologia, o outro pilar dos estudos durante o doutorado, ela veio após a defesa da dissertação, quando a jovem pôde articular autores como Lévi-Strauss ao conceito que chamou de “perspectivismo maquínico em termos sintéticos”. Trata-se “do reconhecimento das máquinas como portadoras de um ponto de vista não humano, inscrito em suas arquiteturas técnicas, processos de aprendizagem, regimes de dados e formas de interação com o mundo”. Todavia, como defende a autora, não equivale a atribuir consciência ou intencionalidade humana às máquinas, pois o ponto de vista maquínico é mediado por dados, probabilidades e padrões, e não por experiência fenomenológica ou pela subjetividade característica dos seres humanos.

Para além da imersão teórico-conceitual no campo da antropologia e dos conhecimentos prévios de tecnologia, o desenvolvimento da tese exigiu aprendizados extras, como a participação em hackathons, o contato com pesquisadores da área de tecnologia uma formação básica na linguagem de programação Python.  “[…] no terceiro ano do doutorado iniciei o curso de Ciência da Computação para compreender um software apresentado durante o trabalho de campo no grupo de Inteligência Artificial do qual eu participava à época. Essa aplicação era o DeepFace. A partir da análise de sua arquitetura, de seus modelos e de seus processos de treinamento, fui identificando as formas pelas quais o racismo pode ser codificado, isto é, como ele é pensado, operacionalizado e inscrito nos próprios sistemas algorítmicos”, recorda.

Entre as contribuições do trabalho, a recém-doutora resume: “A contribuição consiste em retirar o reconhecimento facial da posição de artefato técnico e reinscrevê-lo como um objeto sociotécnico atravessado por relações históricas de poder, classificação e desigualdade racial, consciente ou inconscientemente programador. Com esse deslocamento, tanto a análise como o reconhecimento facial passam a ser problematizados como dispositivos de produção de diferenças, hierarquias e assimetrias”.

No caso específico do DeepFace, ficou demonstrado que “o racismo pode ser codificado, [pois] a análise etnográfica de softwares de reconhecimento facial permite evidenciar que o racismo não se manifesta apenas nos usos finais da tecnologia, mas está inscrito nas etapas de concepção, modelagem, treinamento e validação dos sistemas”. A pesquisadora sustenta, portanto, que o racismo codificado emerge como um efeito de ecossistemas técnicos construídos a partir de visões de mundo frequentemente marcadas pela branquitude como padrão. Em outra frente, o trabalho potencializa a articulação acadêmica entre etnografia e análise técnica, fortalecendo a visão de que os algoritmos não são entidades abstratas, mas produtos de práticas sociais situadas.

Antropologia e Racismo Digital

A tese premiada resulta de um recorte da pesquisa de doutorado intitulada “Refatoração Antropológica: proposições para repensar diversidade de gênero e raça em sistemas de Inteligência Artificial”, defendida em 2025, sob a orientação do professor Thiago Cardoso. No trabalho, a autora mobiliza uma abordagem antropológica e interseccional para demonstrar de que maneira sistemas de reconhecimento facial como tecnologias de controle como análise e reconhecimento facial reproduzem e amplificam o racismo e o colorismo no Brasil. O estudo argumenta que essa dinâmica configura uma forma contemporânea de violência institucional, produzida no cruzamento entre Estado, tecnologia e processos históricos de racialização.

“Acompanho esse trabalho de pesquisa desde o início do doutorado dela, quando eu ainda não era o orientador. Desde ali admirava o engajamento dela com pesquisas complexas em torno de temas raciais e de gênero no mundo dos algoritmos e da inteligência artificial, mobilizando teorias antropológicas contemporâneas. […] Eu não via apenas o potencial dela para ser premiada, mas uma pesquisadora em plena realização, contribuindo para um debate muito importante e atual. O Prêmio, o primeiro, é fruto deste engajamento, é um reconhecimento do trabalho de Mayane e daqueles/as que colaboraram com a pesquisa”, declara o orientador sobre a trajetória da vencedora.

Ele apontou ainda as dificuldades estruturais enfrentadas por uma pesquisadora racializada e amazônida e, além disso, os desafios próprios desse trabalho acadêmico. Isso porque Mayane precisou aprender lógica e linguagem da programação “para poder dialogar com as tecnologias e seus operadores, num grande centro de IA em São Paulo, onde realizou pesquisa de campo”. Mas o resultado veio, e foi comemorado por ambos.

“A premiação reconhece o papel da antropologia nas discussões e formulações de políticas públicas no Brasil, em especial sobre Direitos Humanos e sobre as dimensões de racismo e sexismo presentes na tecnologias digitais de hoje. O prêmio ilumina os estudos sobre ciência e tecnologia oriundos da antropologia, além de abrir um leque ainda inexplorado deste campo na Ufam e no Norte”, analisou o docente. “Estamos elaborando um projeto de pesquisa pós-doutoral sobre o tema do ‘racismo digital’ que enreda a implantação de Data Centers e seus impactos climáticos em Manaus, para ser desenvolvido na Antropologia da Ufam”, adiantou o professor Thiago Cardoso.

Os três primeiros colocados são egressos da Universidade de São Paulo (USP), da Ufam e da Universidade de Brasília (UnB), respectivamente:
1º lugar: Marcelo Ryngelblum (USP) – “Oportunidades perdidas: contatos de adolescentes vítimas de homicídio com instituições do Estado”.
2º lugar: Mayane Batista Lima (Ufam) – “Racismo codificado e direitos humanos: reconhecimento facial como dispositivos de exclusão”
3º lugar: Débora Diniz Rodrigues (UnB) – “Meninas fora da lei: etnografia, cartas e literatura em uma unidade socioeducativa de internação”.

 



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