Megainvestidores estrangeiros e nacionais, como Goldman Sachs, BTG Pactual, Patria Investimentos e General Atlantic, estão se posicionando para explorar o boom global de inteligência artificial no Brasil por meio da construção de data centers.
Até 2030, a construção desses complexos vai exigir cerca de US$ 7 trilhões (R$ 39 trilhões) em investimentos para atender à crescente demanda por processamento de informação, segundo uma estimativa da McKinsey, sendo a maior parte disso voltado para inteligência artificial. É uma parcela disso que esses investidores querem abocanhar por meio desses empreendimentos imobiliários.
Na América Latina, o Brasil emerge como um território favorável para abrigar data centers, que funcionam como uma espécie de hotel para abrigar supercomputadores capazes de processar grandes volumes de informação. Em um relatório recente, os analistas do BTG Pactual disseram que Brasil e Chile têm o potencial de se transformar em “um paraíso” para o setor.
A ABDC (Associação Brasileira de Data Center), que usa a capacidade instalada do projeto como referência, calcula que os novos complexos devem adicionar 2.000 megawatts à estrutura atual de 800 MW em data centers já construídos no país. Segundo estimativas de mercado, isso vai consumir US$ 20 bilhões (R$ 110 bilhões) em investimentos.
“O Brasil está estreando sua vocação para receber data centers. É o país do mundo com o maior potencial de desenvolvimento de energia renovável que a gente conhece. Tem infraestrutura de maneira bastante desenvolvida”, disse Alessandro Lombardi, presidente da Elea Data Centers, empresa que tem o Goldman Sachs como investidor, acrescentando que boas relações diplomáticas com EUA, China e Europa também contribuem.
Com base em anúncios ao mercado e pedidos de ligação à rede de eletricidade protocolados junto ao MME, a Folha mapeou os principais projetos em curso —considerando apenas aqueles que já tiveram algum nível de aprovação.
Sete empresas anunciaram projetos acima de 100 MW, o equivalente ao consumo de uma cidade de 1 milhão de habitantes. São elas Scala, Elea, Omnia, Tecto, Aurea, 247 Data Centers e Terranova: todas, em algum nível, estão ligadas a grandes investidores, incluindo bilionárias gestoras de recursos estrangeiras, como Digital Bridge, com US$ 96 bilhões de ativos sob gestão, Actis, investidora de infraestrutura controlada pela General Atlantic, com US$ 108 bilhões.
Em construção na região metropolitana de Fortaleza, o data center da ByteDance, conglomerado chinês por trás do TikTok, será o maior da América Latina, com capacidade instalada de 200 megawatts —um consumo elétrico equivalente ao de uma cidade de 2,1 milhões de habitantes. O projeto vai exigir R$ 200 bilhões em investimentos da companhia chinesa e R$ 12 bilhões do Patria Investimentos.
QUARTO DE HOTEL
Apesar de toda a tecnologia envolvida, para esses megainvestidores, os data centers são enquadrados na categoria de ativos imobiliários. Impulsionada pelo rápido crescimento no uso da inteligência artificial, a expansão dos complexos de processamento de informação criou um novo negócio dentro do mercado de imóveis, atraindo investidores que antes investiam, por exemplo, em galpões logísticos.
“O data center é como se fosse um hotel de computador. Você vai lá alugar um quarto, uma sala, um metro quadrado. Lá tem um rack, tem ar-condicionado e tem energia elétrica estabilizada,” diz Tito Costa, diretor de receita da Tecto, uma empresa controlada por fundos de investimento do BTG Pactual.
Os investidores constroem o data center para abrigar supercomputadores. Depois de prontos, fecham um contrato de aluguel de dez anos, renováveis por outros dez anos. No preço, estão incluídos os serviços de manutenção, como eletricidade e muitos litros de água.
A manutenção está longe de ser um serviço trivial. Eles precisam de resfriamento constante porque os chips mais potentes aquecem tanto que seria possível fritar um ovo neles, comparação feita por Márcio Aguiar, diretor de negócios com data centers na América Latina da fabricante de chips Nvidia.
Por isso, um sistema potente de refrigeração está no centro da operação e consome quantidades enormes de eletricidade e, às vezes, de água, que precisa ser potável para evitar contaminação, o que dificulta a utilização de fontes de reuso.
Como numa casa ou num escritório, os inquilinos trazem os móveis, que no caso são os supercomputadores que vão ocupar o data center. O setor estima que as big techs podem investir cerca de US$ 100 bilhões (R$ 546 bilhões) em compra de equipamentos, em geral importados, para ocupar os data centers no Brasil.
As companhias colocam muito dinheiro porque os ganhos também estão nas casas dos bilhões. Segundo Rodrigo Abreu, sócio do Patria Investimentos e presidente da Omnia, o data center do TikTok, no Ceará, vai gerar R$ 16 bilhões em serviços exportados ao ano. O valor seria dividido entre geradora de eletricidade, operadora do data center e subsidiária da “big tech” no Brasil.
O MPF (Ministério Público Federal), liderança do povo Anacé e entidades da sociedade civil contestam os impactos ambientais do projeto. Perícia contratada pelo MPF apontou omissão de que o data center terá “uma verdadeira termelétrica, considerando a quantidade de geradores”.
INCENTIVOS DO GOVERNO
Para executivos do setor, existem dificuldades para se instalar no Brasil, como ligar os data centers à rede elétrica e os impostos cobrados na importação dos supercomputadores. “O custo para investir ainda atrapalha”, diz Lombardi, da Elea.
A fim de viabilizar os negócios, executivos das empresas mantiveram nos últimos meses uma agenda de visitas aos ministérios de Minas e Energia, Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e Fazenda.
A Omnia escolheu se instalar em uma zona de processamento de exportação (ZPE), onde não incidem uma série de tributos. A Tecto utiliza um regime especial de tributação.
A esperança do setor recai em uma medida provisória do governo Lula, válida até 25 de fevereiro, que facilita o acesso às vantagens fiscais em todo o país. O governo e o setor produtivo negociam para que esse texto seja aprovado junto com o marco regulatório de inteligência artificial depois do recesso parlamentar, segundo o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o relator da medida provisória que trata do tema. Com isso, haveria garantia dos benefícios até o fim de 2026.
Os donos de data centers e os fabricantes de supercomputadores, como Nvidia e Google, serão os beneficiários diretos da política de incentivo, chamada Redata (Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center).
Além disso, o Redata contempla empresas de energia renovável interessadas em atender gigantes da tecnologia, uma vez que os complexos de processamento de dados estão ligados a um uso intenso de energia.
“Os prédios de tamanho gigawatt [consumo equivalente ao de 10 milhões de brasileiros] aguardam a versão final do Redata para terem sua construção iniciada”, disse Lombardi, da Elea.
QUEM ESTÁ NO JOGO
Empresa: Scala
Principal investidor: Digital Bridge, gestora em ativos como data centers, torres de celular e rede de fibra com U$ 96 bilhões sob gestão
Principais projetos no Brasil: Tem data centers ativos em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. Reservou área para construção do que seria o maior complexo brasileiro de processamento de dados em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul.
Empresa: Ascenty
Principal investidor: Joint venture entre Digital Realty e Brookfield Infrastructure Partners. A Digital Realty é a maior provedora do mundo de data centers, e a Brookfield é um gigante canadense de infraestrutura com mais de US$ 40 bilhões sob gestão no Brasil
Principais projetos no Brasil: Opera 23 data centers em nove localidades estratégicas, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Fortaleza, além de mais de 5.000 km de rede de fibra própria. Ainda não anunciou projetos para IA
Empresa: Equinix
Principal investidor: Equinix Inc., o segundo maior provedor global de data centers, com 260 unidade em 36 países
Principais projetos no Brasil: Oito data centers em operação em São Paulo e Rio de Janeiro, totalizando cerca de 34.000 m² de espaço de colocation. Ainda não anunciou projetos para IA
Empresa: Odata
Principal investidor: Aligned Data Centers, que foi vendida por U$ 40 bi para consórcio entre BlackRock, MGX, Nvidia e Microsoft. Empresa tem mais de 50 unidades que somam 5 GW de capacidade instalada.
Principais projetos no Brasil: Tem unidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e está investindo US$ 450 milhões em uma planta de 48 MW em Osasco
Empresa: Omnia
Principal investidor: Patria Investimentos, principal gestora brasileira de private equity e infraestrutura, com mais de US$ 30 bilhões sob gestão
Principais projetos no Brasil: Primeiro campus está em construção no Complexo do Pecém, no Ceará, com um investimento inicial de US$ 2 bilhões
Empresa: Elea Data Centers
Principal investidor: Piemonte Holding, grupo financeiro brasileiro com escritório nos EUA, focado em infraestrutura digital sustentável. Desde 2021, tem parceria com Goldman Sachs Asset Management para expansão da plataforma.
Principais projetos no Brasil: Rede de nove data centers interconectados nas principais cidades do Brasil (São Paulo, Rio, Brasília, Porto Alegre, Curitiba). Em 2025, venceu a maior licitação de infraestrutura de TI da América Latina, um contrato de R$ 2,3 bilhões com a Petrobras para construir um data center de 30 MW em São Bernardo do Campo. Também desenvolve o Rio AI City, projeto de até 3,2 GW no Parque Olímpico do Rio.
Empresa: Terranova
Principal investidor: Actis, investidor global líder em infraestrutura sustentável (comprada pela gestora de private equity General Atlantic), com $108 bilhões sob gestão
Principais investimento no Brasil: Campus em Campinas (SP) previsto para 2027, com capacidade de 100 MW, expansível para 1 GW
Empresa: Aurea
Principal investidor: Aurea Finvest, empresa brasileira de desenvolvimento e investimento imobiliário
Principais projetos no Brasil: Reservou grandes áreas para desenvolvimento de data centers, incluindo projeto de 800 MW em Sumaré (SP), com investimento previsto de R$ 5 bilhões
Empresa: 247 Data Centers
Principal investidor: Arch Capital, liderando aporte com participação de outros investidores, incluindo a firma global Riverwood Capital
Principais projetos no Brasil: A empresa tem como meta inicial 300 MW de capacidade nos primeiros projetos, distribuídos em três localizações no interior de São Paulo

