Polícia Federal usou acórdão anulado pelo Tribunal de Contas da União sobre o relógio de Lula para acusar Bolsonaro

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Redação Rádio Pampa

| 12 de agosto de 2024

O julgamento que livrou o presidente Lula de devolver o relógio Cartier recebido de presente em uma viagem à França desmontou o entendimento do TCU usado pela PF para embasar o pedido de indiciamento de Jair Bolsonaro no caso das joias sauditas. O inquérito que apura se o ex-presidente se apropriou indevidamente de presentes dados por autoridades estrangeiras tramita no Supremo Tribunal Federal.

No relatório de 476 páginas, a PF menciona 26 vezes o acórdão do TCU que dizia que presentes de luxo deveriam ser incorporados ao patrimônio público – em todas, como referência legal para o tratamento dos itens recebidos por presidentes da República.

Além do acórdão, também são citados uma lei de 1991 que trata da preservação dos acervos privados dos chefes do Executivo e que veda a comercialização dos bens para o exterior sem o aval da União. O acórdão aprovado em 2016 estabelecia que apenas itens “personalíssimos”, de uso pessoal e baixo valor, poderiam ser incorporados ao patrimônio particular dos presidentes. Não é o caso das joias sauditas, avaliadas em R$ 6,8 milhões.

Esse entendimento, no entanto, foi implodido no julgamento sobre o destino do relógio de Lula na última quarta-feira (7) – quando o TCU, decidiu que não há lei específica sobre presentes, e portanto a Corte de Contas não pode obrigar nenhum ex-ocupante do Palácio do Planalto a devolver presentes, independentemente do valor.

A decisão, aprovada por maioria de cinco dos nove ministros do TCU, dos quais três são ligados a Bolsonaro, abre espaço para que não só Lula, mas também seu antecessor, possa ficar com todos os presentes recebidos durante o mandato – inclusive as joias sauditas.

O novo entendimento do tribunal será usado pela defesa de Bolsonaro para desmontar a tese de que houve crime – o que pode afetar a argumentação da PF. O relatório de indiciamento de Bolsonaro se sustenta no acórdão do TCU para incriminar, por exemplo, o ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência da República Marcelo Vieira, que segundo as investigações autorizou que as joias fossem incorporadas ao acervo privado de Bolsonaro.

Numa das mensagens captadas pela PF, Vieira afirma que Bolsonaro poderia usar os bens do acervo privado, embora não pudesse vendê-las, como diz a lei. Em um outro momento, ele grava um áudio com instruções a um servidor que o indaga sobre o que fazer com um conjunto de facas recebido por Bolsonaro. “Tem que ver qual é o desejo do presidente, que isso vire acervo ou não.”

A autorização do setor comandado por Vieira para que o ex-presidente ficasse com as joias sauditas é um dos principais argumentos usados pela defesa de Bolsonaro no pedido feito à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que arquive o inquérito da PF. Na petição, os advogados do ex-presidente afirmam que ele apenas seguiu as instruções dos funcionários – e que, se houve “erro”, foi uma falha administrativa.

A PF, porém, considerou que a equipe de Vieira “realizava uma interpretação diametralmente oposta aos fundamentos legais e constitucionais descritos no acórdão n° 2255/2016 do TCU, destinando quase a totalidade dos presentes recebidos por Jair Bolsonaro ao seu acervo privado, desconsiderando o valor dos bens recebidos e ampliando ilegalmente o conceito de ‘bens personalíssimos’”.

E contextualiza: “O acórdão excluiu dessa regra apenas os itens de natureza personalíssima ou de consumo direto pelo presidente da República”, dizem os investigadores. “Esse foi o ponto crucial utilizado por Marcelo Vieira, para se desgarrar do interesse público, e atender aos interesses pessoais e ilícitos do então presidente Jair Bolsonaro”, acusa a PF.

Após o julgamento, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou que a decisão do TCU não interfere na investigação de Bolsonaro, porque ela vai além de “questões meramente administrativas” e envolve “diversas condutas além do recebimento das joias, tais como a omissão de dados, informações, ocultação de movimentação de bens e advocacia administrativa”. De acordo com ele, cabe à justiça criminal definir se houve ou não crime, e isso não passa pelo TCU. As informações são da colunista Malu Gaspar/O Globo.

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