Há limite para inteligência artificial?

Há um debate discreto crescendo no Vale do Silício, e ele divide como os técnicos pensam sobre inteligência artificial. Divide mesmo, de uma maneira fundamental. Compreender esse debate ajuda a entender como o mundo que cria IA encara esta que pode se mostrar a maior revolução tecnológica em mais de um século. Sim: ainda maior que a própria invenção do computador. De um lado está a turma que acredita que estejamos próximos de chegar a uma inteligência artificial equivalente ou superior à humana. Do outro, um grupo muito distinto. Não é apenas que eles considerem estarmos longe da inteligência humana. Acham mais. Acham que as IAs que criamos estão próximas de atingir um platô de que não passarão, e as centenas de bilhões de dólares gastos são puro desperdício que poderá levar a uma gigantesca crise econômica na indústria. São pontos de vista radicalmente opostos.

Parte da explicação é simples. A natureza da computação mudou de um jeito que a maioria das pessoas fora do mundo da tecnologia não compreende. Computação era coisa exata. Programava-se com uma lógica rígida, uma sequência de comandos em que se isto, então aquilo. Clicou no botão de negrito, a palavra negrita. Mexeu o mouse, mexe a seta na tela. IA é diferente. Faça a mesma pergunta ao ChatGPT duas vezes, e ele dará duas respostas muito diferentes. Quem cria os modelos atuais de IA sabe criá-los. Só que o computador, a partir dos comandos iniciais, treina sozinho com base nos dados fornecidos. O resultado de um modelo desses é uma caixa-preta. Os engenheiros sabem mais ou menos como esses sistemas “pensam”. Mas não sabem com exatidão. Pergunte ao engenheiro mais sênior, mais sofisticado, da OpenAI como o ChatGPT chegou a certa conclusão, e ele não saberá responder.

Só que algumas coisas sabemos ao certo. Quanto mais dados damos para um modelo se treinar, melhor ele fica. Ao menos tem sido assim. Quanto mais poder computacional, quanto mais processamento oferecemos ao treinamento, idem. Melhor fica. De novo: tem sido assim. Então é uma aposta. Jogue mais dados, mais computadores, e o que vem é ainda melhor do que viera antes. Mas tem limite essa evolução?

Sundar Pichai, CEO do Google, na última conversa trimestral com investidores, respondeu de uma forma interessante quando lhe questionaram se era sábio gastar dezenas de bilhões de dólares em infraestrutura para desenvolver modelos de IA. Sua resposta não foi uma garantia absoluta. “O risco de não investir é maior que o de investir”, ele afirmou. Todo o Vale do Silício está investindo, e investindo pesado. Mais de US$ 100 bilhões neste ano de 2024. Não há memória de quando a indústria pôs tanto dinheiro numa tecnologia que ainda não está pronta. E com convicção. É prova de que o consenso ainda é que não dá para hesitar. É uma corrida, e quem ficar de fora perderá.

Mas o raciocínio inverso é igualmente verdadeiro: se um perder, todos perderão juntos. Já há engenheiros importantes em algumas das principais empresas, companhias grandes e influentes no desenvolvimento da tecnologia, como o próprio Google, acreditando que os modelos de IA estão perto de encontrar seu limite. Pararão de melhorar. A maioria não fala isso publicamente, mas há exceções, como Gary Marcus.

Segundo Marcus, ex-chefe de IA da Uber e um dos maiores especialistas no assunto, esses modelos podem impressionar, mas jamais serão confiáveis. Os erros aleatórios e absurdos, as alucinações, a incapacidade de distinguir verdade de mentira, tudo seguirá acontecendo por ser inerente à maneira como são treinados. Eles não são capazes de cognição. Não pensam. Jogar mais dados e mais processamento os aproximará de um limite a partir do qual toda melhoria será marginal. Nunca serão sistemas confiáveis.

Ele não está sozinho nessa opinião, mas a maior parte dos que concordam silencia. De qualquer forma, seu ponto de vista ainda é minoritário. O investimento maciço em curso é mostra disso. Em junho, numa entrevista ao podcast The Next Big Idea, Bill Gates resumiu a questão de maneira simples. Não existe hype demais a respeito de IA. Para ele, existe hype de menos. Será muito maior do que conseguimos perceber.

Source link

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima