Anulação de sentença arbitral e o impacto no setor de infraestrutura

Os investimentos em infraestrutura no país representam cerca de 2% do PIB (Produto Interno Bruto). Em 2024, a expectativa é de que haja um aumento de 11% do total [1] investido em relação ao anterior, e o setor de saneamento básico é apontado como o mais atrativo para captar esses recursos.

Benjamin Zymler, ministro do TCU

Em que pese esse cenário otimista, é importante destacar que o setor enfrenta desafios de longa data, como a paralisação das obras públicas. O Tribunal de Contas da União (TCU), por meio da iniciativa do Fiscobras [2], acompanha essas obras paralisadas. O painel que consolida esses dados mostra que o setor de infraestrutura é o segundo maior em obras paralisadas, com um total de 1.854, o que corresponde a 41% do total de obras na base de dados do TCU.

Nesse contexto, a utilização de métodos adequados para a resolução de conflitos, a exemplo da arbitragem, do dispute board e da mediação, revela-se particularmente interessante para prevenir a judicialização e resolver essas controvérsias que impactam no desenvolvimento do setor.

Admissibilidade

A utilização da arbitragem pela administração pública não foi prevista na redação original da Lei nº 9.307, de 1996, o que repercutiu em debates sobre a admissibilidade da previsão do instituto nos contratos administrativos. Desde 2005, a Lei nº 8.987, de 1995, admite, expressamente, o uso da arbitragem para a resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa.

Em 2015, a Lei nº 13.129 alterou a Lei de Arbitragem para prever, de forma expressa, que a administração pública, direta e indireta, por meio da autoridade competente para a realização de acordos e transações, poderá estabelecer a convenção de arbitragem de direito (e não por equidade) para dirimir conflitos relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, respeitado o princípio da publicidade (artigo 1º, § 1º e § 2º e artigo 2º, § 3º, da Lei nº 9.307, de 1996).

Esse movimento legislativo, associado à criação de uma estrutura especializada nas procuradorias para tratar da arbitragem, fez com que os contratos da administração passassem a prever, com mais frequência, o encaminhamento dos litígios do setor de infraestrutura a esse método de resolução de conflitos.

Incidência e ações anulatórias

Na prática, é possível observar que o encaminhamento de conflitos à arbitragem no país é mais concentrado nos contratos decorrentes das concessões do que nas licitações de obras públicas, porém há um potencial de maior uso nesse último a partir da Lei n° 14.133, de 2021.

Assim, um estudo [3] da FGV analisou as decisões em sede de apelação e recurso especial em processos de anulação de sentença arbitral no setor de infraestrutura.

Os objetivos da investigação foram: (1) quantificar quais apelações e REsp de ações anulatórias de sentença arbitral foram julgados no período de 2018 a 2023 sobre a matéria de infraestrutura; (2) identificar as partes, o órgão prolator da decisão judicial, o ano da decisão, a UF de origem do processo e se a decisão judicial, em apelação e REsp, foi mantida ou anulou a sentença arbitral em matéria de infraestrutura; (3) categorizar os fundamentos legais que embasaram as ações anulatórias de sentença arbitral em matéria de infraestrutura, com base no rol do artigo 32 da Lei nº 9.307, de 1996; (4) estudar a tramitação dos processos de ações anulatórias de sentença arbitral, julgadas no período de 2018 a 2023, sobre a matéria de infraestrutura; (5) mapear, quando possível, o tempo de duração do procedimento arbitral, bem como a duração do processo judicial que discutiu a anulação da referida sentença arbitral.

Casos

A pesquisa foi realizada a partir da mesma base de decisões do Jusbrasil utilizada para o estudo “Ações anulatórias de sentença arbitral em números” [4], feito pela FGV Justiça. No período de 2018 a 2023, foram identificadas duas apelações em sede de ação anulatória de sentença arbitral em contratos de infraestrutura: apelação nº 1008052-51.2021.8.26.0286 e apelação nº 1066484-54.2019.8.26.0053, ambas julgadas no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Spacca

A apelação nº 1008052-51.2021.8.26.0286 teve, como apelante, o município de Itu, e, como apelada, a empresa Águas de Itu, em razão de um contrato administrativo que tratou sobre a concessão de serviço de saneamento. O procedimento arbitral tramitou perante a Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial (Camarb) e teve a sentença arbitral anulada parcialmente pela 7ª Câmara de Direito Público. Vale ressaltar ainda que, em primeira instância, em ambos os casos, a sentença arbitral foi mantida.

A apelação nº 1066484-54.2019.8.26.0053 teve, como apelante, a companhia do metropolitano de São Paulo, e, como apelado, o consórcio Linha Amarela. O caso que embasou o procedimento arbitral foi decorrente de um contrato administrativo de licitação de obra pública na modalidade concorrência, o qual tramitou perante a Corte Internacional de Arbitragem (CCI). A sentença arbitral foi anulada integralmente.

A pesquisa faz um estudo de caso dessas apelações, além de trazer a contextualização do processo, o resultado da apelação, a verificação do voto divergente – quando existente –, a cronologia dos fatos e o estágio atual do processo. De fato, nota-se que a existência de apenas dois casos de apelação em ação anulatória de sentença arbitral não possibilita a constituição de um perfil dos casos no referido setor. Contudo, é possível realizar a análise de determinadas particularidades dessas demandas, a exemplo do tempo de tramitação desses processos, em que, da distribuição da ação até o julgamento da apelação, houve um lapso temporal de cerca de um ano e meio a dois anos.

 


[1] NEDER, Vinicius. Investimento em infraestrutura vai crescer 11% este ano, mas ainda será baixo em relação ao PIB. Jornal O Globo, 30 jan. 2024, Economia. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/01/30/investimento-em-infraestrutura-vai-crescer-11percent-este-ano-ainda-baixo-em-relacao-ao-pib.ghtml. Acesso em: 6 ago. 2024.

[2] FISCOBRAS. Painel informativo. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiY2QzMDAzOWMtZmNkYi00Njc2LWFhY2QtNGU3NjY4NWRjM2ZhIiwidCI6ImJmMTU4MTg4LTlhMTEtNDRjMi1iN2ZjLTIxZTg1NjEzYmEyNyJ9. Acesso em: 6 ago. 2024.

[3] SALOMÃO, Luis Felipe et al. Ações anulatórias de sentença arbitral em números no setor de infraestrutura. Rio de Janeiro: FGV, 2024. Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/estudo_arbitragem_acoes_anulatorias_infraestrutura.pdf. Acesso em 06 ago. 2024.

[4] SALOMÃO, Luis Felipe et al. Ações anulatórias de sentença arbitral em números. Rio de Janeiro: FGV, 2024. Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/estudo_arbitragem_acoes_anulatorias.pdf. Acesso em: 06 ago. 2024.



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