AGU se opõe à mineração em terras indígenas em conciliação do STF

Ação movida pelo Progressistas para considerar mineração nos territórios como atividade de relevante interesse público foi incluída por Gilmar Mendes na Câmara de Conciliação que discute direitos indígenas no STF. Representantes dos povos indígenas avaliam permanência na mesa.

A Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer contrário em uma das cinco ações discutidas na Câmara de Conciliação, criada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, para chegar a um acordo sobre a tese do marco temporal e a demarcação de terras indígenas (TIs). A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 86 solicita que o Poder Judiciário reconheça a mineração e a exploração de recursos naturais em terras indígenas como atividades de “relevante interesse público”. 

A ADO 86, de autoria do Partido Progressistas (PP), também pede o reconhecimento do “direito à propriedade” em ocupações de boa-fé dentro das terras indígenas. Enquanto as outras quatro ações discutem a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que estabeleceu um marco temporal para demarcação de TIs, a ADO 86 atua como um “jabuti” incluído por Mendes na mesa — quando uma norma diferente do tema principal de proposta é inserida em discussão.

Gilmar Mendes durante primeira audiência de conciliação sobre as cinco ações no Supremo Tribunal Federal, em 5 de agosto de 2024. Foto: Antonio Augusto/STF

A manifestação da AGU contra a ADO 86 ocorreu em 5 de agosto, no mesmo dia da primeira mesa de conciliação no STF. Segundo os advogados da União, a Constituição de 1988 “reconhece o direito supraestatal e originário” dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, alertando que uma “irrefletida normatização” da exploração de recursos pode resultar em “impactos negativos ao exercício dos direitos fundamentais dos povos indígenas, assim como ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Além disso, a AGU destaca a “impropriedade do pedido” feito pelo PP e afirma que a exploração de recursos naturais em terras indígenas deve ser considerada uma excepcionalidade, limitada ao interesse público da União. A manifestação ressalta que qualquer iniciativa envolvendo terras indígenas deve incluir consulta prévia às comunidades indígenas, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Para a exploração de recursos hídricos e a mineração, é exigida a autorização do Congresso Nacional, assegurada a participação dos povos indígenas nos resultados da lavra, de acordo com a regulamentação específica em lei própria, nos moldes do artigo 231, parágrafo 3º, do Texto Constitucional. Portanto, verifica-se a impropriedade do pedido formulado na petição inicial, em especial quanto ao alcance que se pretende dar à expressão “relevante interesse público da União”, diz trecho do despacho.

Somado a isso, o despacho da AGU argumenta que o STF já rejeitou a tese do marco temporal. O documento aponta, ainda, que “nenhuma razão existe” para a inclusão do “direito à propriedade” em ocupações de boa-fé dentro dos territórios indígenas.

Kleber Karipunba, coordenador executivo da Apib, durante primeira audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal em 5 de agosto de 2024. Foto: Antonio Augusto/STF

Para Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), “a Câmara de Conciliação não é o espaço adequado para este debate [da ADO 86]”. O líder indígena lembra que, ao longo dos últimos anos, o Congresso tem tentado aprovar a exploração mineral dos territórios, como no caso do PL 191/2020, mas sem sucesso.

“O Congresso tentou diversas vezes trazer um regramento para essa questão da mineração em terras indígenas ao longo dos anos, mas a gente vai continuar resistindo contra esse tipo de exploração econômica dos nossos territórios porque não sabemos os impactos negativos, ambientais e culturais que essa medida pode trazer aos povos indígenas”, afirma Karipuna, avaliando que “o posicionamento da AGU é importante” e traz “consenso do governo federal sobre este tema e o marco temporal”. 

O Congresso tentou diversas vezes trazer um regramento para essa questão da mineração em terras indígenas ao longo dos anos, mas a gente vai continuar resistindo contra esse tipo de exploração econômica dos nossos territórios porque não sabemos os impactos negativos, ambientais e culturais que essa medida pode trazer aos povos indígenas.

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib

Indígenas assistem a primeira reunião da comissão especial de conciliação designada pelo ministro do STF, Gilmar Mendes, para tratar das ações que envolvem o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Foto: Gustavo Moreno/STF

Indígenas devem decidir se continuam na mesa de conciliação

A Lei 14.701 foi aprovada em 27 de setembro de 2023, sete dias após o STF rejeitar o marco temporal para as terras indígenas. Além de insistir na tese para demarcação das terras indígenas, a lei alterou dispositivos previstos para proteção dos territórios, permitindo a realização de obras de infraestrutura sem necessidade de consulta aos povos e a abertura de áreas de pastagem e agricultura.

Na época, o presidente Lula (PT) vetou os artigos aprovados pelo Congresso, mas os vetos foram derrubados em plenário e a lei foi sancionada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em 28 de dezembro de 2023. Em fevereiro deste ano, a reportagem da InfoAmazonia mostrou que fazendeiros utilizaram a lei em vigor para justificar disputas nos territórios.

Enquanto a Apib e os partidos PT, PSOL, Rede Sustentabilidade, PCdoB e PDT pedem a inconstitucionalidade da lei 14.701, os partidos PP, PSL e Republicanos, apoiados pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e representantes de mineradoras, pedem a constitucionalidade da legislação.

Como condição para continuar participando das audiências, os indígenas pedem a suspensão dos efeitos da lei. No entanto, o pedido ainda não foi atendido pelo STF. A Apib também solicitou que a Corte aguarde uma decisão coletiva dos povos indígenas sobre a participação de seus representantes na mesa.

“Sobre estar ou não estar na Câmara de Conciliação, não vamos nos posicionar tão rapidamente agora. Estamos com tempo até o dia 28 [quando será realizada a próxima reunião] para traçar algumas estratégias”, explica o coordenador da Apib. 

Sobre estar ou não estar na Câmara de Conciliação, não vamos nos posicionar tão rapidamente agora. Estamos com tempo até o dia 28 [quando será realizada a próxima reunião] para traçar algumas estratégias.

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib

Indígenas estão em desvantagem

A mesa instaurada pelo STF está desequilibrada, na opinião da Apib e de advogados que apoiam a organização. O argumento principal é de que as audiências são formadas por 24 membros, sendo que apenas seis são indicados pelos indígenas. Segundo os juízes do STF, a decisão final sobre as ações precisa de um consenso, mas, caso não ocorra, será tomada pelo voto da maioria — cenário desfavorável aos indígenas, avalia Kleber Karipuna. 

“Estamos sentados à mesa com representantes que pretendem traçar alguma discussão sobre a exploração econômica dos territórios”, disse o coordenador da Apib, afirmando que os indígenas querem um melhor equilíbrio de forças nas audiências. 

Para a advogada Angela Barbarulo, responsável pela área jurídica do Greenpeace Brasil, organização que atua como amicus curiae: Significa amigo da corte. É uma expressão latina utilizada para designar um terceiro que ingressa no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador. na mesa de conciliação, a disparidade da composição da mesa é preocupante, principalmente pela possibilidade de falta de consenso nas discussões. “A mesa nasce com uma não equiparação de forças. Se for mesmo confirmado o que o juiz disse, sobre ir à votação, os indígenas estão em desvantagem”, avalia Barbarulo.

A mesa nasce com uma não equiparação de forças. Se for mesmo confirmado o que o juiz disse, sobre ir à votação, os indígenas estão em desvantagem.

Angela Barbarulo, advogada responsável pela área jurídica do Greenpeace Brasil

Na avaliação de Barbarulo, “a comissão não deveria ser criada para conciliar direitos fundamentais dos povos indígenas”, e que a proposta do ministro Gilmar Mendes é bastante “inovadora” diante da complexidade dos temas debatidos em “um espaço de tempo muito curto”. O caso do marco temporal, por exemplo, apenas um dos pontos da conciliação, levou três anos para ser decidido no STF.

“A gente acha bastante estranho a junção destes temas dentro de uma mesma comissão, incluindo assuntos que já foram objetos de ação no STF, como a própria tese do marco temporal e a questão das indenizações. Vários representantes da mesa inclusive têm recursos pendentes de julgamento”, afirmou. 

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