Suspensas pelo STF, emendas Pix já foram usadas por Lira, que enviou R$ 16 mi a aliados

Protagonista do embate entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo futuro das emendas parlamentares, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já enviou às suas bases eleitorais R$ 16 milhoes em “emendas Pix”, suspensas desde o último dia 8 por determinação do ministro Flávio Dino.

Em julho, Lira admitiu em entrevista ao GLOBO a possibilidade de aprimorar o sistema das chamadas, mas afirmou que “não usa” essa forma de destinação de recursos.

“Talvez aqui os meus amigos não gostem, mas sou muito crítico e eu defendo emendas, mas eu não uso [a emenda] Pix, porque acho que o Pix vai ter que ser aprimorado agora para ter o objeto”, declarou Lira na ocasião ao GLOBO.

Mas dados disponíveis nos portais de consulta do governo federal contradizem o deputado, que em 2023 repassou R$ 16 milhões para 32 cidades de Alagoas – em sua maioria governadas por aliados – usando esse tipo de transferência, que é usada por parlamentares para enviar dinheiro sem destino definido diretamente para a conta dos municípios e estados.

A suspensão das emendas impositivas em uma liminar de Dino na última quinta-feira (15) representou um duro revés para a estratégia do presidente da Câmara de contornar a interrupção da transferência das emendas Pix para manter seu domínio sobre o plenário da Casa.

Na decisão do ministro do Supremo, essas emendas só voltariam a ser pagas após a adoção de mecanismos de controle e de uma fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Mesmo assim, Lira pretendia contornar a proibição usando outra modalidade de emendas impositivas (de pagamento obrigatório), as RP6. Lira trabalha para eleger um aliado para sucedê-lo na Câmara em fevereiro de 2025, e manter o controle das emendas, com os repasses funcionando, é essencial para chegar lá. Mas Dino estendeu o bloqueio para essas transferências, e frustrou o plano do presidente da Câmara.

Depois que o plenário do Supremo confirmou a decisão, fechando as portas para um recuo, Lira e o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desencadearam uma guerra de bastidores e pública contra o Supremo e o governo, que os parlamentares consideram sócios da decisão.

Entenda os repasses de Lira

De acordo com os portais Transferegov, que registra os envios de recursos aos municípios, e o Siop, vinculado ao Ministério do Planejamento, as emendas de Lira foram em boa parte destinadas a cidades administradas por seus aliados e parentes.

O município que mais recebeu foi Canapi, de 15,5 mil habitantes. Governada pelo fiel aliado Vinicius Pereira (PP), recebeu R$ 1,5 milhão em emendas Pix patrocinadas por Lira.

Em seguida vem Campo Alegre, comandada pelo primo do presidente da Câmara, Nicolas Teixeira (PP), que planeja eleger como sucessora outra prima, Pauline Pereira (PP). Com 32 mil habitantes, a cidade recebeu R$ 1.045.532 no ano passado.

Já Barra de São Miguel, que tem menos de 8 mil habitantes e é administrada pelo pai de Lira, Biu de Lira (PP), recebeu na conta da prefeitura meio milhão de reais.

O menor valor foi destinado à paradisíaca Maragogi, no litoral alagoano: R$ 206 mil. A cidade é comandada por outro primo de Lira, Fernando Sérgio Lira Neto (PP).

Esse tipo de repasse, criado em 2019, permite que parlamentares enviem emendas individuais diretamente para a conta de prefeituras e estados sem intermédio do governo federal e dos ministérios, o que dispensa a fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e sem detalhar a aplicação da verba.

É justamente esse o principal problema das emendas Pix: o fato de que os municípios não precisam prestar contas do uso do dinheiro, e portanto não se sabe nem se, nem como e nem quando a verba foi gasta.

Na entrevista ao GLOBO, Lira disse que a falta de clareza quanto à destinação final do dinheiro é um dos aspectos que precisa de “aprimoramento”. A ausência de transparência é o principal argumento de Flávio Dino para suspender não só as emendas Pix, como as impositivas.

Os dados dos sistemas do governo mostram que nenhum dos municípios beneficiados por Lira com as emendas Pix apresentou até o momento os relatórios de gestão, documentos que detalham o uso do dinheiro. Mas eles só passaram a ser obrigatórios por uma norma do tribunal de janeiro passado que tinha como objetivo garantir mais transparência ao processo e detalhar o uso das emendas.

“De onde nasceu a emenda Pix? Da burocracia do governo. A turma fez uma emenda de transferência direta [para a prefeitura]. Podemos avançar? Podemos. Vamos fazer a emenda Pix com um objeto determinado. Então, ela vai para a construção de uma ponte, vai para a construção de uma escola, vai para a construção de um sistema de água”, declarou na mesma entrevista ao GLOBO.

Criada por uma proposta de emenda à Constituição (PEC) de autoria da presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e relatada por Aécio Neves (PSDB-MG), as “transferências especiais” surgiram em paralelo com o orçamento secreto e à medida que o Congresso ganhava força em relação ao Executivo, protagonizando diversas disputas pelo controle do Orçamento.

O mecanismo beneficiou parlamentares à esquerda e à direita e foi usado como barganha política tanto nos governos Jair Bolsonaro quanto no de Luiz Inácio Lula da Silva, além de ser um dos pilares da gestão de Arthur Lira à frente da Câmara.

No mês passado, a administração petista chegou a liberar R$ 4,2 bilhões em emendas Pix em um só dia para deputados, no limite do prazo para o pagamento de transferências do Executivo antes do período eleitoral.

Como mostrou O GLOBO em janeiro, as transferências especiais têm sido usadas como artifício do Centrão para turbinar o orçamento de prefeituras neste ano de eleições municipais.

As emendas Pix ganharam ainda mais importância após o STF declarar inconstitucional o orçamento secreto – um outro tipo de emenda sem transparência na aplicação dos recursos cujo nome técnico é RP9.

Essa rubrica permitia a destinação de verbas através do relator do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) sem a identificação da autoria ou dos critérios para a aplicação. Quando ela deixou de existir, os recursos precisaram ser redirecionados e passaram a ser disputados entre o Congresso e o Planalto.

Essa disputa esteve no centro da guerra entre Arthur Lira e o governo do PT, no ano passado, e levaram à ampliação dos recursos previstos para várias outras modalidades de emendas. As transferências do tipo Pix, por exemplo, saltaram de R$ 6 milhões em 2023 para mais de R$ 8 bilhões neste ano. Em 2021, eram de apenas R$ 2 bilhões.

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