A advocacia brasileira e a inteligência artificial

Leonardo Barém Leite* —A presença da tecnologia de forma geral e, mais especificamente, dos novos sistemas automatizados (softwares), robôs, mecanismos de busca e a festejada Inteligência Artificial (IA) já é uma realidade na sociedade em geral, na maioria das atividades econômicas e profissões, assim como na advocacia; de forma que não se deve mais discutir “se” e nem “quando” começaremos a lidar com essa ferramenta no nosso trabalho. A questão é como vamos utilizar e de que maneira por ela seremos influenciados.

Propomos uma análise crítica e a mais neutra e isenta possível considerando avanços e oportunidades, mas também riscos e cuidados, para a sociedade em geral, e no nosso caso, para a advocacia — e para o direito como um todo. E propomos, ainda, que se considere o tema tanto do ponto de vista dos operadores do direito (e usuários da IA) quanto para os clientes, destinatários reais do nosso trabalho, e na defesa dos interesses e direitos dos quais, efetivamente, atuamos.

O que entendemos que seja mais relevante neste momento (em paralelo ao que venhamos a observar com a chegada de legislação e regulamentação sobre o tema — tanto em termos brasileiros quanto internacionais) é estudarmos e conhecermos mais (e melhor) a questão, tanto do ponto de vista técnico quanto ético, e no caso da advocacia, em relação, também, às nossas próprias práticas e atividades, para que consigamos estabelecer uma parceria — e aprender a lidar com uma nova aliada.

Apesar de já ser uma realidade, ainda há muito a avaliar com mais profundidade, até porque a própria tecnologia apresenta constante evolução, e as diversas análises e considerações estão chegando o tempo todo. Da forma como vemos o tema, existem oportunidades e facilidades, mas também riscos, bem como a necessidade de tomarmos diversos cuidados, ao menos até que de fato aprendamos a lidar com ela. E, pouco se fala sobre esses riscos, cuidados e responsabilidades.

A IA de fato se apresenta como uma ferramenta que tende a executar diversas tarefas (especialmente as mais repetitivas, que possam ser automatizadas, e as que lidem com quantidades extremamente altas de dados) de forma muito mais rápida do que nós humanos, e em geral de maneira, também, bem mais barata. E se propõe a realizar, ainda, pesquisas, diversas análises, propor soluções, elaborar modelos e textos etc. São facilidades e ganhos que precisamos reconhecer, e temos que aproveitar as oportunidades que essa ferramenta nos traz para estudos, elaboração de peças e de documentos, “due diligences”, investigações, grandes compilações de informações etc. Nesse sentido, não podemos nem ignorar e nem ver a IA como inimiga, mas de outro lado temos que entender e que considerar os riscos, como a possível armadilha de se imaginar que ela venha para substituir da advocacia.

Sustentamos que seu uso, ao menos por enquanto, seja de forma primária, para compilar dados e informações, e criar primeiras minutas de documentos, mas ainda com muito cuidado para efetivas análises, decisões e situações complexas; que precisam considerar mais aspectos e questões do que a IA é capaz de fazer. E temos que entender como essa realidade afetará nossos prazos de trabalho, custos e honorários, como treinaremos as equipes etc.

Se de um lado a IA tende a ser bem mais rápida e, via de regra, mais barata, de outro lhe faltam a experiência e a sensibilidade humana, padrões éticos e cuidados, que ao menos por enquanto, apenas humanos conseguem aplicar; especialmente em situações que envolvam grandes escolhas e tomadas de decisão.

Entendemos que sustentar que a IA venha a substituir a advocacia seja uma conclusão tão apressada quanto tendenciosa e simplista, pois não se trata de substituir, mas de aliar e de aumentar a qualidade e a relação tempo x custo x benefício de nosso trabalho. E que o tema precisa ser ampliado, para avaliar, por exemplo, a responsabilidade por erros (que virão!), no aspecto da “conta” vir para advogados, escritórios, empresas de TI/IA, ou desenvolvedores, ou ainda dos clientes que autorizaram (pois isso é fundamental) a “terceirização” desse trabalho para as máquinas.

Há muito tempo temos observado que muitas tarefas anteriormente alocadas à advocacia humana já não fazem sentido, e foram de fato transferidas às máquinas, aos sistemas e aos “robôs”, sendo que essa transição deve ser ampliada e aprofundada nos próximos anos, mas não será uma substituição total.

Questões e serviços efetivamente mais simples, corriqueiros, que envolvam temas menos complexos e sensíveis, bem como que envolvam valores menores, podem e devem mesmo ser automatizados, mas não vemos da mesma forma situações mais relevantes, que envolvam grandes somas e responsabilidades, bem como processos e negócios de maior repercussão.

Talvez todas as áreas e ramos da advocacia sejam afetados, embora em escala e magnitudes diferentes, mas defendemos que em todos eles é fundamental que se estabeleça a medida em que a IA deve atuar e ajudar, e o que de fato precisa da experiência, da análise e da sensibilidade humana para grandes decisões.

Entre vários outros fatores, lembramos que o direito não é uma ciência exata, e que por repetitivo que seja temos que recordar que “cada caso é um caso”, com peculiaridades, contextos e, por vezes, características que precisam ser examinadas e estudadas com base, também, na experiência, na ética e na sensibilidade humanas.

Se pudermos traçar um rápido e livre paralelo com a medicina, temos que aplaudir os avanços da tecnologia naquele ramo, seja em exames, seja em equipamentos, em cirurgias, mas não se pode negar que em casos mais complexos, todos queremos uma opinião final do melhor especialista. Algo bastante semelhante ocorre e tende a continuar sendo real na advocacia.

Por mais que a IA evolua, e que existam sistemas/softwares excelentes no mercado, e que tantos outros surjam todos os dias, nenhum deles é ou será perfeito e/ou infalível (como no caso dos humanos), e no caso de oportunidades, de riscos e de tomadas de decisão de maior magnitude, serão os humanos a de fato analisar as informações.

O uso da IA na advocacia ainda precisa abordar melhor (além da ética e da regulamentação), os vieses que todo sistema tem, os filtros e as premissas que os programadores utilizaram, o que se pretende ensinar à máquina e se que quer que ela aprenda, direitos autorais, responsabilidades, seguros envolvidos, melhores práticas de mercado, a necessária governança, a forma de se comunicar aos clientes, a autoridades e ao judiciário, a forma de precificar os trabalhos/serviços que usarem IA. Acompanhemos.

Leonardo Barém Leite é Sócio senior do escritório Almeida Advogados e presidente da Comissão de Direito Societário, Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiro

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