Por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira — Muito se tem falado sobre as chamadas “Emendas PIX”, que nada mais são do que a destinação de recursos, por deputados e senadores, diretamente aos entes federados, na modalidade de “transferência especial”. Apesar de esse modo de proceder haver sido previsto nas emendas constitucionais (ECs) 86/2015, 100/2019, 105/2019 e 126/2022, somente no ano em curso, essas normas foram questionadas perante o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 7688, 7695 e 7697.
Antes, em 2021, houve o protocolo da ADPF 854, no bojo da qual, a partir do voto proferido pelo senhor ministro Flávio Dino, foram declaradas incompatíveis com a ordem constitucional brasileira as práticas orçamentárias viabilizadoras do chamado “orçamento secreto”. Em razão disso, aquelas ações diretas atrás referidas foram, também, distribuídas ao mesmo ministro, tendo proferido relevantes decisões, no mês de agosto do corrente, para, entre outros, afirmar que os controles devem ser exercidos mediante a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU); admitir, excepcionalmente, a continuidade da execução das transferências especiais (“emendas PIX”) nas hipóteses de obras já em andamento (observadas as condições que especifica) e calamidade pública; e, por fim, impedir qualquer interpretação que confira caráter absoluto à impositividade de emendas parlamentares, devendo obediência à técnica, à transparência, etc.
No Tribunal de Contas do DF (TCDF) tramitam duas importantes representações do Ministério Público de Contas do DF (35/2024-G2P, processo 8452/24-TCDF, e 38/24, processo 8420/24), sobre a destinação de emendas individuais (de iniciativa de parlamentares federais pelo DF), que serviram de base para a posterior celebração de dois Termos de Fomento, firmados entre a Secretaria de Saúde do DF e organizações da sociedade civil, sendo um, no valor de mais de R$18 milhões, e outro, de mais de R$ 14 milhões.
As suspeitas de irregularidades, em tese, são graves e várias. No entanto, apenas um desses Termos foi suspenso pelo TCDF. Quanto ao outro, adiou-se a votação, em face dos recentes entendimentos do STF. Ocorre que, a partir de várias decisões do TCU (por exemplo, Processo TC 030.677/2022-0), a competência do TCDF pode ser considerada, inclusive, primária. De fato, a Lei Orgânica do DF (art. 78) é expressa ao atribuir ao TCDF a competência para fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados ao Distrito Federal.
Por isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que, considerada a autonomia própria local, a fiscalização pelo TCU não impede a realização de fiscalização pelo TCDF, pois o DF tem pleno e legítimo interesse na regular prestação dos serviços [de saúde] no seu território (RMS 61997). Além disso, não fosse por tudo o que atrás se expôs, a questão das transferências especiais amolda-se, ainda, ao formato jurídico-constitucional dos Fundos de Participação, com receitas de impostos da União, transferidos e incorporados ao patrimônio dos entes federados.
Assim, “Como esses recursos pertencem aos municípios”, a fiscalização de sua aplicação é de competência dos tribunais de contas estaduais e/ou municipais, quando houver” (Acórdão 977/17-Plenário TCU).
Com efeito, na modalidade de transferência especial, também, os recursos pertencerão ao ente federado (Art. 166-A, § 2º, II da Constituição Federal). Coerentemente, então, decidiu o TCU, em sede de consulta (com caráter normativo), que a fiscalização das despesas efetuadas por meio de transferência especial é de competência do sistema de controle local (incluindo o respectivo Tribunal de Contas). Ao TCU (competente, mas, não, de forma exclusiva), cabe a verificação das condicionantes que legitimam o repasse desses recursos (Acórdão 518/23-TCU, itens 9.2.1 e 9.2.2).
Concluindo, as decisões do TCU (atrás referidas) e do STF (ADI 7688), podem conviver em harmonia, respeitando o nosso federalismo e a autonomia dos Estados, DF e Municípios, já que não se afasta a competência de nenhum dos entes federados, nem mesmo da União, sendo complementares.
*Cláudia é procuradora do Ministério Público de Contas do DF, graduada e mestre em direito público pela UnB
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