A desafiante inteligência artificial –

LUÍS CARLOS B. GAMBOGI
Doutor em Filosofia do Direito pela UFMG, professor e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

 

Nossa insegurança em lidar como o fenômeno da inteligência artificial existe porque nossa cultura, que compreende um todo, em razão de mecanismos sociais e históricos, passou por uma espécie de cisão. De um lado, posicionaram-se os saberes vinculados às ciências humanas (educação, política, literatura, música, filosofia, direito, etc); e, de outro, enfileiraram-se os ramos ligados à ciência e à tecnologia, como que em mundos opostos.

Para a técnica, as ciências humanas são inúteis; para as ciências humanas, a técnica não pensa. O diálogo entre ambos tornou-se difícil em qualquer direção. Colhemos, como resultado dessa cisão, uma realidade em que as ciências humanas, às quais cabe dar uma direção às áreas ligadas à tecnologia, terminaram a reboque da tecnociência, terminaram reféns de uma realidade em que a tecnologia passou a ser a única responsável pelas decisões que fertilizam o óvulo do futuro.
Sustentamos que o ideal para a nossa civilização seria a construção de uma cultura científico-humanista, que conjugasse e equilibrasse tecnologia e ciência humanas. Pensamos que não mais faz sentido alimentarmos a cisão, que se deu entre elas a partir do século XVIII, dois excessos, em verdade.

Essa dissociação, essa desunião entre o pensamento científico-tecnológico e o pensamento humanista afasta, do campo do conhecimento, a força da interrogação e da reflexão, que são próprias das humanidades, ao tempo em que obsta o pensamento humanístico de conviver com as conquistas do segmento científico tecnológico.

Trata-se de um equívoco cultural que precisamos corrigir. Estamos em que no mundo contemporâneo, mais que só produzir ciência e tecnologia, é preciso pensar, pensar e exprimir o pensamento de modo a que estejam conjugados o saber tecnológico e o saber humanístico, ciência e reflexão. Essa cisão cultural a que nos referimos é um equívoco que culmina na alienação do cientista e no distanciamento do homem de formação humanista do saber científico- tecnológico.

Em verdade, uma pouco ou nada pode sem a outra. Possuem mais afinidades que dissonâncias. É necessário que desenvolvam canais de comunicação entre si. É necessário, para um diálogo entre os dois saberes, que as ciências humanas desenvolvam um amor crítico imoderado pela ciência e tecnologia, superando qualquer forma de maniqueísmo ou fobia; e, por outro, que a ciência e a tecnologia se enamorem de seu crítico e se apaixonem pelo que odeiam.

Lembremo-nos de Chaplin: “A máquina, que produz abundância, tem nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”. (Charles Chaplin, em “O Grande Ditador”). 

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