Convocado para uma reunião de emergência assim que se tornaram públicas as acusações de assédio sexual contra a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, Silvio Almeida chegou ao Palácio do Planalto na quinta-feira, 5, com um conjunto de elementos que, acreditava, poderiam desconstruir as suspeitas de que ele importunou sexualmente a então colega de governo.
Ao se explicar para três ministros designados para apurar o caso, Almeida disse ter imagens em vídeo de um jantar com Anielle em um restaurante de Brasília que mostrariam um clima ameno entre dois colegas de trabalho, situação incompatível com o enredo de que ele era um assediador contumaz.
“Vocês vão ver que as imagens mostram dois amigos jantando”, disse ele aos titulares da Controladoria-Geral da União, da Advocacia-Geral da União e da Secretaria de Comunicação. Os três, no entanto, prefeririam não ver as imagens. O jantar a que se referiu o então chefe dos Direitos Humanos ocorreu em um restaurante, nos arredores do Palácio da Alvorada, e segundo Anielle Franco foi organizado para que ela deixasse claro a Almeida que ele havia passado do ponto há meses e que a situação era “insustentável”. Seria um ultimato.
Silvio Almeida nega ter assediado a ministra. Em nota, disse ser vítima de uma campanha de difamação e classificou as acusações como “ilações absurdas”. Ainda assim, dias antes do escândalo vir à tona, ele já havia reunido outro elemento, para além do vídeo do jantar, como estratégia de defesa. O ex-ministro fez circular entre um grupo de colegas próximos a Lula um arquivo de conversas com Anielle, com diálogos de novembro de 2022 a março de 2024, em que ambos se tratam por vocativos como “preto”, “preta” e “pretona”, demonstram certa intimidade e se elogiam mutuamente. Para Almeida, conversas com esse teor seriam incompatíveis caso existissem os episódios de assédio.
“Quero reafirmar tudo o que disse ontem a você. Quero ser seu parceiro, a pessoa em que você pode confiar. Eu não estava bêbado quando conversamos ontem no avião do PR… rsrs”, escreveu ele a Anielle em agosto do ano passado. Ambos haviam cumprido agenda em países africanos e retornaram juntos ao Brasil. Em outro momento, em setembro de 2023, depois de receber da ministra uma foto dos dois por um aplicativo de mensagens, Almeida retribuiu com um galanteio: “Somos lindos, Anielle! E esse seu vestido é deslumbrante”. A ministra responde: “Bora pensar num textinho pra subir juntos!? Pode ser amanhã kkkkk só queria te enviar mesmo (…) Algo leve Tipo Lindos, negros, competentes e ainda ministros kkkkkk”.
No dia em que a ministra disse que, no mais ousado ato de assédio sexual sofrido por ela, foi surpreendida com a mão de Silvio Almeida entre suas pernas, uma ligação de voz perdida do número dela ficou registrada no aparelho dele às 16h44.
Além do constrangimento das vítimas e do receio histórico de serem desacreditadas ou sofrerem represálias, ambas situações alegadas por Anielle Franco para nunca ter denunciado formalmente ao governo as investidas de Almeida, uma dificuldade comum em investigações de crimes como importunação sexual é a produção de provas.
As abordagens normalmente são feitas quando o alvo está sozinho ou longe de ambientes públicos e, por isso, evidências laterais, como o relato de testemunhas que estiveram com a vítima instantes depois do assédio são determinantes para se investigar o que de fato ocorreu. O crime é punido com até dois anos de detenção, mas há boas chances de casos desta natureza não darem em nada.
O governo está convencido de que Silvio Almeida apostará nisso: judicializar o caso para que, diante da encruzilhada de a palavra de um se confrontar contra a palavra do outro, os tribunais possam eventualmente considerar sua absolvição “por falta de provas”.