A inteligência artificial (IA) já é reconhecida como tecnologia revolucionária, capaz de transformar setores e impulsionar avanços econômicos. Utilizá-la para reduzir desigualdades é um desafio urgente, que exige esforços além das fronteiras institucionais. Iniciativas globais mostram resultados promissores, mas, no Brasil, a escalabilidade depende da construção de uma nova base de colaboração, infraestrutura, investimentos e competências.
A IA tem potencial para atuar como uma força transformadora na redução das desigualdades, promovendo maior acesso a serviços essenciais. Na educação, plataformas adaptativas ajustam conteúdos às necessidades individuais dos alunos, favorecendo a inclusão e o aprendizado personalizado. Na saúde, sistemas inteligentes viabilizam diagnósticos remotos e preditivos, otimizando a distribuição de recursos e ampliando o alcance de tratamentos em regiões carentes.
A IA pode facilitar a requalificação profissional para diferentes setores, conectando jovens e trabalhadores a oportunidades alinhadas aos seus interesses e demandas atuais. Na Justiça, algoritmos analisam dados para acelerar processos e garantir maior acesso aos serviços jurídicos. IA permite a análise de perfis econômicos para oferecer crédito e gerar inclusão financeira e oportunidades a comunidades historicamente marginalizadas.
A precariedade da infraestrutura digital das organizações da sociedade civil (OSC), a falta de capacitação de talentos focados no uso da IA para soluções de problemas sistêmicos e o baixo nível de investimento de risco limitam inovações nesse campo. Como, então, construir uma governança inovadora para uma IA que transforma tudo —e que pode melhorar a vida de muitos?
Será necessário ampliar e fortalecer parcerias de OSCs com diferentes setores, criar mais negócios com impacto social, mobilizar investimentos filantrópicos, privados e públicos, além de capital de risco e de longo prazo. A mudança sistêmica que cria um mundo melhor para todos demanda não só tecnologias, mas também inovações complementares, colaboração e capacitação ampla. Segundo o Banco Mundial (2025), muitos programas sociais ainda encontram dificuldades de continuidade devido à falta de financiamento estruturado para sustentar infraestrutura e operações (“State of Social Protection Report 2025: The 2-Billion-Person Challenge”).
A colaboração entre setores é ponto-chave. O Global Risks Report 2024, do Fórum Econômico Mundial, destaca que “a cooperação vem sofrendo pressão em um mundo fragmentado”, evidenciando que alianças entre empresas, organizações sociais e governos estão mais difíceis atualmente. O Global Risks Report 2025 reforça esse alerta, afirmando que a urgência por colaboração global diante da crescente fragmentação institucional é maior do que nunca.
Esse cenário também se reflete no universo dos negócios de impacto. Segundo o Mapa da Pipe Social e da Quintessa (2023), apenas 22% dessas iniciativas utilizavam IA, 23% adotavam big data e 15% recorriam a machine learning. Entre os profissionais do campo social, segundo a pesquisa SabIAr (2025), 58% ainda estão nos estágios iniciais de adoção tecnológica e apenas 6% se consideram líderes nesse processo.
Apenas 23% das mulheres possuem níveis intermediários ou avançados de conhecimento, em contraste com 49% dos homens. O cenário é ainda mais desafiador para pessoas pretas ou pardas (28,7%), que enfrentam barreiras históricas que se perpetuam no acesso à tecnologia. A cada 10 profissionais do setor, mais de 1 afirma não ter conhecimento nenhum de tecnologias de IA e 27% dos respondentes indicam que suas organizações não as utilizam. Destaque para coletivos e movimentos sociais, entre os quais esse percentual alcança 65%. Como setor relevante na redução da desigualdade, precisamos ampliar o acesso e o uso qualificado dessas ferramentas.
A IA é uma oportunidade inédita para promover um desenvolvimento mais justo e sustentável, especialmente quando aplicada com responsabilidade, ética e inclusão. É capaz de criar inovações e tornar-se uma aliada poderosa na criação de soluções que podem reduzir as desigualdades e ampliar oportunidades.
O futuro dependerá de como vamos direcionar recursos, poder e intenção coletiva para que a IA sirva à humanidade — promovendo equidade, enfrentando desafios ambientais e fortalecendo a democracia.
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