Advocacia-Geral da União recorre contra decisão do Tribunal de Contas da União que autoriza presidentes a incorporar presentes de luxo ao acervo pessoal

Para a Advocacia, a decisão do TCU abre brecha para a devolução de presentes já incorporados ao patrimônio da União aos ex-presidentes da República. (Foto: Wesley Mcallister/Ascom AGU)

A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) que reavalie entendimento de que “não existe norma clara” na legislação sobre critérios para determinar quais são os presentes recebidos por presidentes que devem ser incorporados ao patrimônio público.

A AGU afirma essa tese fere o interesse público, afronta os princípios da razoabilidade e da moralidade administrativa e causa danos ao patrimônio cultural da União.

Para a Advocacia, a decisão do TCU abre brecha para a devolução de presentes já incorporados ao patrimônio da União aos ex-presidentes da República, o que causaria um efeito retroativo negativo.

Em agosto, o TCU decidiu que o presidente Lula não precisa devolver um relógio de luxo que ele ganhou do fabricante Cartier em 2005, no primeiro mandato dele como presidente.

A decisão sobre o caso do relógio de Lula se deu por maioria dos ministros do TCU. Por 5 votos a 3, o plenário do TCU seguiu o voto do ministro Jorge Oliveira, que foi secretário-geral da Presidência da República no governo Bolsonaro.

O ministro entendeu que, por falta de uma norma clara para o tratamento de presentes recebidos por presidentes da República, Lula não precisa devolver o relógio.

Segundo Jorge Oliveira, uma norma como essa deve estar prevista em lei, o que é uma atribuição do Congresso.

Essa decisão abre a possibilidade de o mesmo critério vir a ser aplicado no caso das joias recebidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Regra de 2016

Em 2016, o TCU estabeleceu uma regra para tratar de bens de alto valor recebidos por autoridades. Os presentes deveriam ficar em acervo da União, em vez de virar patrimônio particular do presidente após o fim do mandato.

O ministro Jorge Oliveira defendeu que essa não é uma atribuição da Corte.

Só que foi com base nessa norma que, em 2023, o Tribunal determinou, por decisão unânime, que Jair Bolsonaro devolvesse as joias dadas pelo governo da Arábia Saudita.

No recurso, a AGU afirma que a Constituição Federal estabelece que “são bens da União os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos”.

Nessa lista figurariam os presentes entregues aos chefes de Estado durante eventos diplomáticos, visitas oficiais ou quaisquer outras circunstâncias similares.

A Advocacia argumentou ainda que leis detalham procedimentos de transparência e controle dos bens relacionados ao acervo da Presidência, inclusive em relação àqueles considerados privados, o que reforçaria a ideia de que tais itens não estão sob a livre fruição do chefe do Executivo.

A AGU ressaltou que a Unidade de Auditoria Especializada em Governança e Inovação do TCU verificou, no entanto, que o item dado a Lula não foi presenteado por chefes de Estado ou de governo, mas pela própria fabricante do relógio, não estando, por esse motivo, abrangido pelas diretrizes que determinam sua incorporação ao patrimônio público.

A instrução técnica concluiu também que, mesmo que o entendimento sobre recebimento de presentes tenha mudado ao longo dos anos, a jurisprudência então vigente em 2005, época em que o relógio foi presenteado ao presidente Lula, autorizava sua classificação como de natureza personalíssima.

Por esse motivo, a Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos da Presidência da República (SAJ) encaminhou à AGU manifestação em que informa que o presidente Lula não tem interesse pessoal em recorrer da decisão do TCU, já que o acórdão não possui repercussão direta sob sua esfera particular.