Você deixaria uma criança de oito anos conversar com uma Inteligência Artificial?
Essa é a pergunta que muitos pais, responsáveis, professores e gestores escolares precisarão responder… E o quanto antes. A convivência com a tecnologia já é uma realidade na infância: desde vídeos educativos até jogos interativos e comandos por voz em casa, nossas crianças já crescem em um ambiente digital. Agora, um novo elemento entra em cena com força total: conversação com a inteligência artificial generativa.
O Google acaba de anunciar que seu poderoso chatbot de IA, o Gemini, será liberado para crianças com menos de 13 anos — desde que os pais autorizem o acesso por meio da plataforma de controle parental Family Link. Isso inaugura uma nova etapa no relacionamento entre crianças e tecnologia, com impactos diretos na educação, na criatividade e no desenvolvimento cognitivo.
Sim, estamos falando da mesma IA que ajuda adultos a planejar apresentações, resolver questões complexas, programar e muito mais… Agora, essa mesma ferramenta poderá inventar histórias, ajudar na lição de casa e responder às dúvidas mais curiosas dos nossos pequenos, desde que usada com responsabilidade e acompanhamento adequado.
Este artigo propõe uma reflexão essencial: como educar nossas crianças para esse novo cenário? Como pais e professores podem se preparar para orientar esse contato primário com a IA?
E mais: o que significa, de fato, alfabetizar vs letrar ou alfabetizar letrando nossas crianças para um mundo onde interagir com máquinas será algo tão comum quanto conversar com um colega de classe?
Por que essa decisão é importante?
Porque inaugura oficialmente uma nova fase: a da alfabetização e letramento em inteligência artificial para crianças.
O Google está abrindo uma porta que, inevitavelmente, será cruzada… seja por meio de dispositivos da família, da escola ou da curiosidade natural das crianças. Ao assumir esse passo, a empresa também alerta: os pais precisam estar juntos nessa jornada.
Segundo comunicado enviado a responsáveis nos Estados Unidos (revelado pelo New York Times), o objetivo é permitir que as crianças explorem a criatividade e aprendam de forma segura, com ferramentas apropriadas para sua idade. Mas com um aviso claro: a IA não substitui o pensamento crítico, e os adultos devem orientar esse processo.
Como vai funcionar?
- Acesso restrito: apenas crianças com contas gerenciadas por seus responsáveis através do Google Family Link poderão acessar o Gemini.
- Controle dos pais: os responsáveis recebem o aviso e decidem se autorizam ou não o uso da ferramenta.
- IA adaptada para crianças: o Gemini contará com proteções extras para evitar a geração de conteúdos inadequados ou inseguros.
- Privacidade garantida: os dados das crianças não serão usados para treinar a IA, segundo o porta-voz da empresa, Karl Ryan.
Alfabetização em IA vs. Letramento em IA: Qual a diferença?
Essa liberação traz à tona dois conceitos fundamentais na formação digital das novas gerações: alfabetização em IA e letramento em IA. Embora estejam interligados, eles representam estágios distintos de aprendizagem.
É importante ressaltar que este artigo não tem como objetivo apresentar um novo conceito de alfabetização e letramento, mas sim adaptar essas noções já consolidadas ao contexto da inteligência artificial, especialmente no universo infantil.
A abordagem aqui apresentada dialoga diretamente com os fundamentos teóricos de autoras como Magda Soares, que diferencia alfabetização como a aquisição do sistema de escrita e letramento como a inserção funcional e social do sujeito na cultura escrita; Leda Verdiani Tfouni, que propõe uma leitura crítica e discursiva do letramento; e ainda autores contemporâneos como Brian Street, Pierre Lévi, Rojo e Angela Kleiman, que ampliam a discussão para as práticas sociais e contextos específicos. Assim, falar em alfabetização e letramento em IA é, antes de tudo, reconhecer que o uso consciente, crítico e funcional da tecnologia precisa estar no centro da formação de nossos estudantes.
1.Alfabetização em IA: aprender a escrever para a IA entender:
A alfabetização em IA é como o “beabá” da inteligência artificial. Envolve ensinar a criança (ou qualquer usuário) a:
- Criar comandos claros e objetivos do simples ao avançado (prompts);
- Estruturar perguntas e tarefas compreensíveis pela IA;
- Entender como a IA “lê” e processa os dados fornecidos.
Ou seja, é o equivalente a aprender a ler e escrever — mas no “idioma” da máquina.
2.Letramento em IA: aprender a usar a IA de forma crítica e contextualizada:
Já o letramento é o passo seguinte: quando o indivíduo começa a aplicar a IA de maneira crítica, criativa e funcional no seu cotidiano. Isso inclui:
- Analisar os limites e os riscos da tecnologia;
- Saber que nem tudo que a IA responde está certo;
- Usar a IA em tarefas reais (como resolver um problema, criar um texto, ou desenvolver um projeto).
Em resumo: ampliando os conceitos para o contexto da IA
Ao adaptarmos os conceitos clássicos de alfabetização e letramento, tão bem explorados por autoras como Magda Soares, Angela Kleiman e Leda Tfouni, ao universo da inteligência artificial, é necessário reforçar que mantemos a estrutura epistemológica desses termos: alfabetizar é inserir o sujeito no sistema de representação simbólica (no caso, textual ou, aqui, computacional); letrar é habilitá-lo para agir de forma crítica, funcional e socialmente contextualizada nesse ambiente.
Na IA, essa distinção se apresenta da seguinte forma:
Para as famílias, essa novidade representa tanto uma oportunidade de aprendizado quanto um desafio educativo. Afinal, como guiar uma criança num universo onde as respostas vêm de uma IA e nem sempre estão 100% certas?
Para as escolas, o impacto é ainda maior. Com o acesso à IA se tornando mais amplo e precoce, surgem novas demandas por formação digital crítica, educação midiática e revisão de metodologias. Já imaginou alunos do Ensino Fundamental Anos Iniciais pedindo ajuda ao Gemini para fazer as respostas dos seus exercícios? Escrever uma fábula? Ou para resolver uma equação? Sem o devido entendimento de qual a resposta e por que essa resposta?
A importância de um olhar pedagógico
Mais do que limitar ou liberar o acesso, o que está em jogo é como vamos ensinar nossas crianças a pensar junto com a IA.
O momento pede que pais, professores e gestores discutam juntos:
- Como estimular a criatividade com ferramentas como o Gemini?
- Como usar a IA para desenvolver habilidades e não apenas “resolver tarefas”?
- Como ensinar o valor do erro, da dúvida e da busca por múltiplas fontes, inclusive humanas?
Porque, se há algo que a IA ainda não substitui (e talvez nunca vá), é a capacidade de formar cidadãos críticos, curiosos e éticos. Isso é papel da escola. Isso é papel da família.
Enfim…
Com o lançamento do Gemini para menores de 13 anos, o Google está sinalizando algo claro: a era da IA para crianças começou. A pergunta agora não é se devemos preparar nossos filhos e alunos para lidar com ela, mas como vamos fazer isso com responsabilidade, criatividade e intencionalidade pedagógica.
E você? Está pronto para conversar com seu filho (ou aluno) sobre inteligência artificial?
Compartilhe sua opinião nos comentários!