A proposta do governo federal para expandir o auxílio-gás gerou um intenso debate entre especialistas e autoridades fiscais. O projeto de lei, assinado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda), visa reformular e ampliar o programa de auxílio para a compra de gás, mas o método sugerido para financiar essa expansão não está isento de controvérsias.
A principal crítica é a tentativa de contornar as regras fiscais estabelecidas, o que pode levar a questionamentos pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva anunciou uma significativa reformulação no programa de auxílio-gás, que atualmente beneficia 5,6 milhões de famílias com um subsídio bimestral. O novo projeto pretende aumentar esse número para mais de 20 milhões de famílias até o fim de 2025, com um pico planejado para 2026, coincidente com o ano das eleições presidenciais.
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Detalhes da Reforma
Mecanismo de Financiamento
Um dos aspectos mais controversos da proposta é o método de financiamento. Em vez de incluir o aumento do auxílio-gás no Orçamento Federal, o projeto prevê que o Tesouro Nacional renuncie a receitas provenientes do pré-sal.
Esse dinheiro será direcionado diretamente à Caixa Econômica Federal, que será responsável pela operacionalização do programa. Ao fazer isso, a proposta evita o impacto direto nas contas do governo, contornando assim as restrições impostas pelo arcabouço fiscal, que limita o crescimento das despesas.
Aumento do Custo
O custo do programa está previsto para aumentar de R$ 3,4 bilhões em 2024 para R$ 5 bilhões em 2025 e R$ 13,6 bilhões em 2026. A expansão significativa dos gastos, se realizada sem seguir as regras orçamentárias, pode gerar um impacto considerável nas finanças públicas e nas regras fiscais vigentes.
Críticas e Questionamentos
Conflito com as Regras Fiscais
Especialistas em finanças públicas expressaram preocupações sobre a conformidade da proposta com as regras fiscais e orçamentárias. O principal ponto de crítica é que, ao não passar pelo Orçamento, a proposta pode estar violando princípios orçamentários fundamentais.
Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e economista da ASA Investments, afirmou ao O GLOBO que a proposta representa uma forma “obscura” de contornar as regras fiscais, semelhante a práticas que foram criticadas no passado.
Avaliações de Economistas
Economistas renomados, como Felipe Salto, Josué Pellegrini e Gabriel Garrote, também manifestaram preocupações ao O GLOBO. Em um relatório, eles destacam que, ao optar pelo repasse direto à Caixa e evitar a contabilização no Orçamento, o governo está enfraquecendo a credibilidade do ajuste fiscal.
Segundo eles, o processo usual seria a União recolher as receitas e depois incluir as despesas no Orçamento, garantindo transparência e conformidade com as regras fiscais.
Perspectivas de Questionamento pelo TCU
O Tribunal de Contas da União (TCU) é uma instituição responsável por fiscalizar as contas públicas e garantir a conformidade com as leis e regulamentos financeiros. Especialistas alertam que a proposta do governo pode enfrentar questionamentos legais do TCU, especialmente se for considerada uma tentativa de contornar as regras fiscais de forma imprópria.
Impacto da Medida
O impacto potencial da medida é significativo. Se o TCU considerar a proposta irregular, o governo pode enfrentar repercussões legais e a necessidade de ajustar a forma como o programa é financiado. Além disso, essa situação pode gerar um ambiente de incerteza fiscal, que pode afetar a confiança dos investidores e a estabilidade econômica.
Reação do Governo
Defesa da Proposta
A equipe econômica do governo, liderada pelo secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, defendeu a proposta, alegando que ela está em conformidade com as regras fiscais.
Durigan afirmou que o aumento do auxílio-gás não comprometerá as economias previstas e que a proposta foi cuidadosamente avaliada quanto à sua compatibilidade com o arcabouço fiscal. Ele também destacou que a possibilidade de entidades públicas pagarem diretamente à Caixa é uma forma de equilibrar despesas e receitas, sem afetar o Orçamento Federal.
Comentários do Ministério do Planejamento
Gustavo Guimarães, secretário executivo do Ministério do Planejamento, reforçou que o impacto da expansão do programa será compensado dentro das regras fiscais. Ele mencionou que, ao abrir mão de receitas, o governo está indiretamente reduzindo o espaço futuro para despesas, o que deve ajudar a manter o equilíbrio fiscal.
Possíveis Consequências
Desafios Legais e Regulatórios
Se o TCU decidir que a proposta viola as regras fiscais, o governo pode ser forçado a revisar ou reverter a medida. Isso pode levar a atrasos na implementação do programa e exigir ajustes na forma como o auxílio é financiado. Além disso, a decisão do TCU pode estabelecer um precedente para futuras iniciativas fiscais, influenciando a maneira como o governo lida com questões orçamentárias.
Impacto na Credibilidade Fiscal
A forma como o governo lida com essa situação também pode impactar a percepção pública e a confiança nas políticas fiscais. A tentativa de contornar regras orçamentárias pode ser vista como uma falta de transparência e responsabilidade fiscal, o que pode prejudicar a credibilidade do governo e a eficácia das políticas econômicas.
Considerações Finais
A proposta do governo para ampliar o auxílio-gás e o método escolhido para financiá-la estão no centro de um debate acirrado sobre regras fiscais e transparência orçamentária.
Embora a intenção de expandir o programa para beneficiar mais famílias seja amplamente reconhecida, as preocupações sobre a conformidade com as regras fiscais e o possível questionamento pelo Tribunal de Contas da União levantam importantes questões sobre a sustentabilidade e a legalidade da medida.
À medida que o projeto avança no Congresso, será crucial monitorar como o governo responde às críticas e se ajusta para garantir que a expansão do auxílio-gás seja implementada de maneira fiscalmente responsável e em conformidade com as normas legais vigentes.
Imagem: Marcello Casal Jr / Agência Brasil