O economista Daniel Duque, do IBRE-FGV, vem pesquisando os efeitos no mercado de trabalho da grande expansão do Bolsa-Família de 2021 a 2023. Na última etapa desse trabalho, ele realizou o que é “a primeira investigação a aplicar uma estratégia de identificação causal para explorar essas dimensões”, como define em artigo sobre o estudo publicado no Boletim Macro IBRE deste mês.
O economista valeu-se do fato de que, recentemente, o IBGE fez uma atualização da segmentação geográfica dos dados expandidos da PNADC, com a divisão em 146 estratos. Nos trabalhos anteriores de Duque sobre o tema, utilizava-se a divisão geográfica da PNADC trimestral em 75 áreas geográfica distintas, incluindo capitais, as regiões metropolitanas associadas às capitais e o restante de cada unidade da Federação. A amostra, portanto, foi ampliada.
A metodologia adotada por Duque foi a de construir um instrumento baseado nos componentes demográficos que determinavam, antes da expansão do Bolsa-Família, os benefícios variáveis previstos para cada domicílio. Dependendo da renda per capita familiar, e do número de crianças e adolescentes nas faixas de zero a 15 anos e de 16-17, os benefícios podiam variar de R$ 89 a cerca de R$ 1000, com média de R$ 190 por domicílio.
O método matemático utilizado permite inferir o impacto causal, na taxa de participação no mercado de trabalho, da ampliação e reestruturação dos benefícios do Bolsa-Família nos governos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, que levaram o benefício básico a R$ 600 por família.
“Esse trabalho confirmou minhas pesquisas anteriores, mas com metodologia mais robusta”, explica Duque à coluna.
Os resultados apontam uma associação consistente entre a expansão do Bolsa-Família e diminuição da taxa de participação no mercado de trabalho. Segundo o artigo do Boletim Macro IBRE, “os efeitos são particularmente predominantes na região Norte e Nordeste do Brasil, além de evidenciarem uma influência mais marcante entre grupos demográficos específicos, incluindo jovens, mulheres e trabalhadores de baixa qualificação”. Assim, a evidência é de que o Bolsa-Família ampliado não apenas reduz a pobreza, mas também leva a uma contração da oferta de trabalho daqueles grupos.
Duque é favorável aos programas de transferência de renda, mas considera que a expansão do Bolsa-Família a partir de 2021 “foi muito rápida, para um valor muito alto e com um desenho pior do programa”. Ele aponta que a expansão poderia ter sido menor, mais cuidadosa e mais bem planejada, com um efeito bem parecido sobre a extrema pobreza.
A saída de pessoas da força de trabalho, mesmo de segmentos pouco produtivos, reduz o PIB potencial, e, de acordo com o pesquisador, “é um pouco ruim para a economia na margem”. Por outro lado, a condicionalidade educacional do programa tem um efeito positivo sobre a escolaridade (o que é bom para a economia), mas que, segundo Duque, é muito pequeno. Ele acredita que o efeito no mercado de trabalho seja maior do que aquele na educação, com um saldo líquido negativo para a economia, portanto. Um possível caminho para melhorar o programa, na sua visão, seria o de não ajustar o benefício básico e expandir os benefícios variáveis bem gradativamente.
O estudo de Duque mostra como o Bolsa-Família, um programa que na sua primeira fase era visto como quase um padrão ouro das transferências sociais com condicionalidades, acabou se transformando num ativo eleitoral dos governos, e, com isso, perdeu qualidade.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 28/8/2024, quarta-feira.
FAQ:
1. Qual foi o objetivo da pesquisa realizada pelo economista Daniel Duque sobre o Bolsa-Família?
R: O objetivo da pesquisa foi analisar os efeitos da grande expansão do Bolsa-Família de 2021 a 2023 no mercado de trabalho.
2. Como Daniel Duque aplicou uma estratégia de identificação causal em sua pesquisa?
R: Duque construiu um instrumento baseado nos componentes demográficos que determinavam, antes da expansão do Bolsa-Família, os benefícios previstos para cada domicílio.
3. Quais regiões do Brasil apresentaram os efeitos mais predominantes da expansão do Bolsa-Família no mercado de trabalho?
R: De acordo com o estudo, os efeitos foram particularmente predominantes na região Norte e Nordeste do Brasil.
4. Como a expansão do Bolsa-Família afetou a participação no mercado de trabalho de grupos demográficos específicos?
R: A ampliação do Bolsa-Família levou a uma contração da oferta de trabalho, especialmente entre jovens, mulheres e trabalhadores de baixa qualificação.
5. Qual a visão de Daniel Duque em relação à expansão do Bolsa-Família a partir de 2021?
R: Duque considera que a expansão foi muito rápida, para um valor muito alto e com um desenho pior do programa, sugerindo que poderia ter sido mais gradual, cuidadosa e bem planejada.